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Você é educado?

Você é educado?

| Sally | | 39 comentários em Você é educado?

Como você trata os prestadores de serviços? Não me refiro a seu médico ou seu dentista, me refiro a aquelas pessoas que desempenham funções consideradas “menores”. Como você trata o ascensorista, o entregador de pizza, o taxista?

Lamentável que isso tenha que ser dito, mas a primeira regra de boa educação é cumprimentar alguém. Entrou em um elevador, em uma loja, em uma farmácia? “Bom, dia” e só depois se pede, se pergunta, se interage. E sempre com um “obrigado” ao final. E ao falar com a pessoa, se olha nos olhos, não para o celular, não para a prateleira, não para o espelho. Na verdade, se quiser ser realmente humano, o adequado é perguntar o nome da pessoa caso seja uma interação mais demorada, e passar a chamar o prestador pelo nome, afinal, é uma pessoa que está ali.

Um exemplo recente que aconteceu comigo: chamei um Uber com uma amiga e ela tratou o motorista feito lixo. O aplicativo te diz qual é o nome do motorista, então, o mínimo que se espera de um ser humano apto a viver em sociedade é entrar no carro e dizer “Olá Fulano, bom dia, vamos no endereço tal, confere com o que está no aplicativo?”. Ela entrou, continuou conversando comigo, ignorando a presença do Uber e quando ele tentou interagir perguntando sobre o destino, ela se limitou a falar o endereço. Fiquei muito chocada e chateada, pois até então, eu a achava uma pessoa educada. Foi quando comecei a perceber que muita gente é educada, mas apenas com seus “iguais”.

Deve ser ranço de escravatura, onde certos trabalhos são indignos e quem os pratica é igualmente indigno, praticamente um instrumento, um objeto sem valor que está ali para te servir. Não importa o que a pessoa faça: opere cérebros ou limpe privadas, o tratamento tem que ser exatamente igual, caso contrário você está se comportando como se um ser humano tivesse mais valor que o outro. Não se medem pessoas pelo seu trabalho, se mede pelo caráter e por outros valores.

É lamentável que ainda se pense que uma pessoa é inferior ou menos digna de atenção, educação ou consideração pela função que ela desempenha. Inadmissível que seja socialmente tolerado tratar certos prestadores de serviço com total indiferença, como se eles não existissem ou de forma seca, fornecendo apenas ordens ou comandos, sem conversar, sem olhar no olho, sem chamar pelo nome, sem dar nem ao menos um “bom dia”. Desde sempre isso me choca e desde sempre percebo que quase ninguém se incomoda com isso.

Entrou no banheiro do shopping e tem uma pessoa limpando as cabines? “Olá, boa tarde”. É o mínimo. É um ser humano que está ali. Quando se entra em qualquer lugar onde tem outro ser humano se cumprimenta: banheiro, elevador ou festa. Vai interagir mais? Pergunte o nome e chame pelo nome, olhando no olho e ouvindo o que a pessoa te a te dizer, seja ela a vendedora da loja, o garçom do restaurante ou o motorista do Uber. Cumprimentar, chamar pelo nome e olhar nos olhos é o mínimo do mínimo.

A impressão que passa é que o brasileiro só fala com educação e consideração com seus “iguais” sociais para cima. Se é alguém que ele considera inferior, o tratamento não é de ser humano e sim de comandos, como se a pessoa fosse uma ferramenta, um instrumento para que ele consiga o que quer. Só merece educação, consideração e tratamento empático quem é ou aparenta ser do mesmo status social e econômico. É tolerável tratar certos grupos de forma distante e fria, como se eles estivessem ali apenas para te servir, afinal “não fazem mais do que a obrigação” e “ganham para isso”.

Sabe quando o brasileiro age com educação, consideração e empatia exorbitantes? Quando precisa de um favor destes “prestadores de serviços menores”, ou seja, quando eles tem algum poder. A educação, a empatia, a simpatia está vinculada a poder e aos benefícios que o prestador pode fornecer. Se precisam de um favorzinho, de um jeitinho, de uma ajudinha… aí sorriem e conversam miando, pedem até com voz mais fina. São a mais pura simpatia se precisam que seja aberta uma exceção para eles. É feio, é nojento e é ofensivo. É tosco, é descarado, é asqueroso. Não é possível que só eu ache vergonhosa essa conduta interesseira, de só tratar bem quando se precisa que a pessoa te faça um favor.

Durante um curto período da minha vida trabalhei com atendimento a público e ganhei prêmios pelo meu atendimento. Quando me perguntavam qual era o segredo do bom atendimento, eu sempre respondia (e respondo) a mesma coisa: não tem mistério, basta tratar todo mundo como você gostaria que tratem sua mãe se ela estivesse na mesma situação. Sempre tratei a todos como gostaria que minha mãe fosse tratada. O lixeiro, o entregador da farmácia, o motorista do ônibus… não importa, todos merecem ser olhados nos olhos, cumprimentados e serem chamados pelo nome. É o mínimo.

Você vai receber essa educação em retorno? Nem sempre. Pode ser que você cumprimente e a pessoa nem responda. Pode ser que você olhe nos olhos e a pessoa te ignore. Cada qual sabe de si e da educação que tem. A falta de educação dos outros não deve nortear seus atos. Seja honesto, seja educado, seja correto independente da forma como os outros se comportam. Seus valores e condutas não tem que estar pautados nos outros e sim na sua ética. É de dentro para fora. E é igual para todos, são todos seres humanos. Quem quiser ser mal educado, que o seja. Cabe a você ser uma pessoa educada.

Não importa a divergência de opinião que você tenha com a outra pessoa, sendo um presidiário ou um executivo, o mínimo que se espera é olhar nos olhos, cumprimentar antes de começar a falar ou pedir algo e chamar pelo nome. Não é favor, não é um plus, é o mínimo do mínimo em normas de educação. Trate os outros como gostaria que tratassem sua mãe. É realmente tão difícil?

Infelizmente o que vemos é o contrário disso. Pessoas sendo desmerecidas pelo que fazem: “se fosse inteligente não seria empregada doméstica”, “se fosse competente não seria motorista de ônibus” ou ainda “se tivesse estudado não seria vendedora”. Você não sabe da vida da pessoa, você não sabe quais circunstâncias a levaram a estar onde ela está. Será que se fosse você, nesse mesmo contexto, com as mesmas dificuldades que a pessoa enfrentou, não estaria em situação igual ou pior? E mesmo que a pessoa não seja inteligente, competente ou esforçada, ela merece um tratamento minimamente educado e digno.

Essa massa invisível que faz o “trabalho sujo” que te permite viver com conforto merece tanto respeito quanto o pediatra do seu filho ou o veterinário do seu pet. O lixeiro, o office boy, o trocador do ônibus. Mas no Brasil, se você não tiver poder, não é tão digno de consideração e educação. E é por isso que quando estas pessoas adquirem algum tipo de poder, acabam abusando dele, se comportando de forma meio escrota e até arrogante, pelo rancor de serem sempre ignorados ou destratados.

Acredito que muita gente perpetue este comportamento sem sequer perceber que o está fazendo e o dano que ele pode causar: viu os pais agirem assim, viu os amigos agirem assim e adquiriu uma falsa sensação de normalidade graças ao efeito “todo mundo faz”. Pois saibam que não dar um “bom dia”, não olhar nos olhos ao falar, pode não significar nada para você, mas pode causar um enorme mal estar na pessoa com a qual você está interagindo. Já vi pessoas se debulhando em lágrimas por serem ignoradas ou tratadas com comandos frios. Ninguém vê o dano causado a um prestador de serviço pois se ele demonstrar isso na frente do cliente, é demitido. Mas ele existe: no banheiro da empresa, no estoque da loja, no almoxarifado do hospital, todo dia tem gente trancada chorando escondida pelo tratamento que recebeu.

Pare e reflita sobre como você está tratando as pessoas que te prestam qualquer tipo de serviço. Depois pense se você gostaria que sua mãe fosse tratada da mesma forma se ela fosse a prestadora de serviços. Se não estiver tratando os outros como gostaria que sua mãe fosse tratada, tome vergonha na cara e mude de atitude. Nunca é tarde para se corrigir.

Para finalizar, observem como as pessoas tratam estes prestadores de serviço considerados “menores”, pois isso diz muito sobre sua índole. Gente que trata de forma diferente o médico do vendedor de uma loja, o advogado do garçom, o dentista do porteiro, merece um olhar mais atencioso, grandes chances de que não seja uma pessoa ética e empática. E isso vai se voltar contra você algum dia. Leia as placas de “Pare” e repense se esta é realmente uma boa pessoa para se ter ao lado.

Para dizer que tem mais com que se preocupar, para se ofender por ser chamado de mal educado ou ainda para desmerecer meu texto classificando-o como “frescura”: sally@desfavor.com


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