Skip to main content
Pelado no museu.

Pelado no museu.

| Sally | | 47 comentários em Pelado no museu.

Agora que tooooodo mundo já falou o que queria sobre o assunto, falo eu. Semana passada uma discussão sobre uma performance artística no Museu de Arte Moderna de São Paulo gerou mais debate e polêmica. Consistia em um homem nu, com o qual os visitantes poderiam interagir. Entre eles havia crianças, que de fato interagiram, tocando-o. Pronto, o Brasil explodiu naquela pancadaria polarizada: se você é a favor, está defendendo pedofilia. Se você é contra, é um moralista babaca conservador censor.

Não demorou muito para que os argumentos sobre o fato se desviem para argumentos sobre os argumentadores. No lugar de um debate saudável sobre limites e proteção às crianças, onde todos convergem juntos para um objetivo comum (fazer o que é melhor para as crianças) veio mais um show de horrores de ofensas, ameaças e longos discursos dos donos da razão.

Difícil escrever sobre isso, pois muito já foi dito. Difícil trazer algo novo. Mas, mais difícil ainda é não falar sobre um assunto que gerou tanta repercussão. Não dava para ser Desfavor da Semana, pois consideramos que ensino religioso confessional é mais grave que um fulano pelado no chão do museu, mas não dá para ignorar o assunto esta semana.

O que mais me entristeceu vou deixar para o final, pois precisa de contexto para ser compreendido. A segunda coisa que mais me entristeceu é que fiquei com a sensação de que ninguém tinha razão, talvez por estarem todos argumentando com a clara intenção de ter razão, e não de debater, o que gera uma distorção de percepção e de raciocínio: tudo que é dito milita a favor do convencimento e não da reflexão e solução do problema.

Quem foi a favor disse que nudez é uma coisa natural, debochou daqueles que se chocam um pênis e que crianças frequentemente vem os pais pelados. Disseram também que nudez está presente em vários outros momentos (quadros, esculturas, TV) e ninguém nunca se revoltou contra isso, disseram que os pais das crianças autorizaram que elas estivessem lá, que em momento nenhum a criança tocou no pênis do homem ou fez qualquer coisa de caráter erótico, pois crianças não tem maldade, que índios andam nus na frente de crianças e isso nunca matou ninguém.

Vamos lá. Nudez não é natural em nossa cultura, independente de discutirmos se deveria ou não ser: não o é. Tanto que se você sair pelado no meio da rua, incorre em crime. Eventualmente pode ser autorizado de forma pontual, em algumas praias, mas certamente não podemos dizer que a nudez em público seja natural.

Ninguém se chocou com um pênis, as pessoas se chocaram por um pênis estar acessível aos olhos e ao alcance da mão de crianças. Não sei se crianças daquela idade convivem com um pai pelado dentro de casa, não tenho filhos, não tenho como julgar, mas certamente não é comum que crianças convivam com estranhos pelados, com o pênis à mostra.

Sim, a nudez está presente em muitos outros momentos, mas isso não significa que ela seja inofensiva para crianças, tanto é que existe classificação etária para protege-las de imagens que supostamente podem causar algum dano. Um programa de TV ou um filme com nudez certamente terão restrição de horário e um aviso indicativo. Além disso, para a cabeça de uma criança, é diferente ver o Davi de Michelangelo pelado do que ver um homem real pelado, não é uma comparação válida quadros ou esculturas com pessoas reais. Há quadros que retratam feridos e mortos e certamente o trauma em ver um ferido ou morto ao vivo seria mais impactante na criança.

Os pais autorizaram. Ok, mas existe um limite legal mínimo do que os pais das crianças podem chancelar. Existem mães que prostituem as filhas e isso não é aceitável só porque a mãe autorizou. Se for algo que seja nocivo para a criança, a lei intervém, o Conselho Tutelar intervém e se encarrega de dar a esta criança a proteção que os pais deveriam ter dado e não deram. Então, aval de mãe não autoriza tudo, não é argumento, sobretudo no Brasil, um país onde os pais tendem a ser relapsos com seus filhos.

Criança não precisa ter maldade para que a exposição precoce ou de forma inadequada a pornografia lhe cause um dano. Não sou especialista, não sei se causa ou não, não tenho competência para entrar nesse mérito, mas dizer que criança não tem maldade não é argumento. Muito menos pensar que por não ter encostado no pênis do sujeito não houve dano. Acredito que dificilmente algum pai ou mãe se sentiria confortável ao ver a filha passando a mão em um homem pelado que ela nunca viu fora desse contexto, ou seja, mesmo sem passar a mão nos genitais, é algo que merece ser pensado, refletido e não imediatamente descartado e taxado de inofensivo. Será que não abre uma porta? Até que ponto a criança entende o contexto ou se banaliza a nudez e contato físico?

Índios andam pelados, mas é outra cultura, outra realidade. Índios matam deficientes físicos quando nascem. Muitos praticam estupro com normalidade. Práticas propagadas por tribos indígenas são totalmente reprováveis em nossa cultura, e até mesmo consideradas crimes, portanto, não tem como descolar um ato de outra cultura e com isso tentar provar que ele se adequa à nossa.

Quem atacou esta performance disse o seguinte: não é arte, é pedofilia, o museu deveria proibir esse tipo de coisa, o museu deveria proibir que crianças presenciem esse tipo de coisa, o “artista” deve ser punido, o museu deve ser punido, compararam o evento com homens ejaculando em mulheres no ônibus e acharam bem feito que funcionário do museu foram agredidos por conta do ocorrido. Vamos lá.

Bastante perigosa essa ideia de “não é arte”. Eu realmente não acho que seja, mas é uma opinião minha e me parece extremamente nocivo que se defina o que é arte pautado na minha opinião ou na de um grupo. É bem simples: não gosta? Não consuma. Não gosta e acha que faz mal à sociedade? Acione o Judiciário, para que peritos especializados, pessoas que dedicaram sua vida a estudar a mente humana, digam se isso pode ou não pode causar um dano à criança. Censurar por você não achar que aquilo é arte abre um precedente horrível que acaba mal. Não aprenderam nada com os erros do passado?

Pedofilia é a prática de atos de natureza sexual com crianças. O que tínhamos ali era um sujeito jogado no chão, inerte, que em momento algum encostou nas crianças, as crianças foram até ele e encostaram nele. Veja bem, em minha opinião é bastante errado permitir que crianças vejam ou encostem em um homem estranho nu (em qualquer parte do seu corpo), mas pedofilia, não é. Não vamos banalizar o crime, por gentileza, pois chega até a ser um desrespeito com quem já foi vítima desta atrocidade. A lei penal não permite interpretação extensiva. Não é pedofilia, ponto final.

O Museu deveria proibir esse tipo de coisa? Não. Acho nojento, acho de péssimo gosto, acho medonho, mas proibir algo por desagradar a um grupo é um caminho muito equivocado. Como já disse, se há fundado receio de que isso provoque um mal à sociedade ou às crianças, o caminho não é censura no grito “por eu não aprovar” ou “eu, a Nobody Sally” achar que faz mal e sim o Judiciário, com a devida análise de pessoas avalizadas a dizer se isso efetivamente causa um mal. Muito achismo para o meu gosto, todo brasileiro se acha perito.

O Museu deveria proibir que crianças vejam esse tipo de coisa? Mesmo que eles quisessem, não é possível. Hoje, a classificação etária é meramente indicativa. Já ocorreram outras celeumas por pais levarem filhos a filmes inadequados e em todos os casos o entendimento foi no sentido de que o aviso de conteúdo inapropriado é obrigatório, mas a palavra final é dos pais da criança. Se alguém achar que aquela criança está sendo exposta a um conteúdo nocivo, pode acionar o Conselho Tutelar e denunciar os pais, mas o Museu não pode barrar a entrada de crianças e muito menos vai tirar uma exposição por causa de pais sem noção. Concorde ou discorde, estas são as normas do país onde você vive, então, culpe o Poder Público, não o Museu.

O “artista” não tem culpa. Seque sabemos se ele tinha consciência de que haveria criança no local. O “artista” não tem qualquer obrigação de zelar pelo bem estar do filho dos outros. Nem o artista, nem o museu. Esta responsabilidade é dos pais da criança, que estavam ali e acharam adequado que suas filhas participem daquilo. Então, se for para responsabilizar alguém, responsabilizem a mãe da criança. Mas isso ninguém quer fazer, pois sabe-se que hoje em dia dá merda criticar mulher. Tanto o “artista” como o Museu fizeram tudo dentro da legalidade, com aviso indicativo, atuando até onde a lei permite.

O evento me pareceu inadequado sim, mas não há comparação com um homem ejaculando em uma mulher em um ônibus. Um é uma violência sexual, uma postura ativa, covarde, sem escolha. O outro é um evento de péssimo gosto que talvez cause algum tipo de dano à criança, porém de outra natureza, tanto é que são tratados de formas diferentes pela lei.

Endossar agressão a funcionários do Museu vai além da ignorância, é mau-caratismo. A responsabilidade é da mãe da criança, apenas da mãe, o Museu não tinha respaldo legal para impedir a entrada destas crianças e, mesmo que tivesse e houvesse falhado, não é agredindo funcionários que se resolve o problema.

Para não pagar de omissa, segue minha opinião, que é apenas minha opinião, ou seja, pode estar errada, pode ser revista, deve ser usada para refletir não para convencer: por alguma razão que eu desconheço se convencionou “proteger” a criança de contato com o nu durante a infância, é assim que as coisas são. Se isto merece ser modificado, que o seja de uma forma pensada, estudada, racional. Não é mamãe dizendo “Ah, mas EU não vejo nenhum problema nisso!”. Você não está avalizada, com seu achismo, a decretar que isso não causa nenhum mal para a criança. Considerando o risco, me pareceria prudente que as pessoas sejam menos arrogantes e tomem uma decisão como esta com mais embasamento, pelo bem de seus filhos. Permitir que uma criança apalpe um estranho pelado pode passar uma mensagem errada para a criança. É preciso pensar não apenas se é adequado fazê-lo, como também qual é a melhor forma de fazê-lo. Acredito que essa mãe foi arrogante e irresponsável e não está protegendo a filha como deveria.

Agora vamos falar do que realmente me preocupa nisso tudo. Verdade dolorosa: eu estou cagando e andando para as crianças do Brasil. Não tenho filhos justamente por achar que este país é um lixo de lugar para criar crianças. Vou além, acho que pais que tem filhos no Brasil tem mais é que se foder, pois sabiam da merda que isso aqui era e botaram filho no mundo mesmo assim. Então, vai reclamar com o Papa. Pega tua indignação, volta no tempo e usa camisinha, pois ao colocar um filho neste país você automaticamente o sujeita a todo tipo de desmando, descaso e violência, não venha de indignado, pois estas eram as regras do jogo e você topou sujeitar seu filho à grande tsunami de bosta que é este país. Faz as malas e sai ou então assuma responsabilidade por ter colocado um filho em um país assim sem encher os ouvidos de quem teve o bom senso de não fazê-lo. Vocês não vão mudar o Brasil, ficar gritando e brigando não resolve nada.

Passado este desabafo, o que me preocupa, enquanto pessoa insensível aos problemas infantis, é o desdobramento disso. Uma horda de pessoas emputecidas com uma série de escaralhamentos sociais que vem acontecendo tendem a reagir procurando o lado oposto, para fazer cessar o que consideram ser um abuso. O lado oposto a essa suposta libertinagem, baixaria e putaria que sempre foi o Brasil é o ultra-conservadorismo, a repressão, a ditadura.

Cambada de filhos da puta, me ouçam com atenção: eu entendo que vocês estejam putaços com esse grau de baixaria que está acontecendo (eu também estou), mas porra, parem de reagir com raiva, com ira, com revanchismo, se não vocês vai acabar criando um cenário onde a porra do Bolsonaro vai se eleger no ano que vem como herói moralista! Não é preciso um extremo para combater o outro, por sinal, os dois extremos são igualmente ruins.

Então, por gentileza: pelo caminho da luz, da informação, do debate. A putaria que é este país não vai mudar com Presidente moralista, apenas vai ficar mais camuflada. Isso te basta? Espero que não. Não estamos em busca de vingança e sim de um país melhor, certo? Espero que sim.

Para me parabenizar por ter conseguido ofender a todos sem exceção, para mais uma vez usar o discurso de que se eu não tenho filhos não posso falar (posso sim, o blog é meu, se não gosta não leia) ou ainda para dizer que o mundo está tão maluco que para dizer o que mais ninguém diz tivemos que nos tornar ponderados: sally@desfavor.com


Comments (47)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: