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Influencers de Cristo…

Influencers de Cristo…

| Desfavor | | 50 comentários em Influencers de Cristo…

+Eles têm milhões de seguidores, formam opiniões entre jovens de fé, fazem piadas com o sagrado e desafiam a hierarquia das igrejas evangélicas.

O verniz moderninho do Youtube e outras redes sociais não deveria esconder a mentalidade retrógrada e ignorante dessa gente, mas aparentemente está. Desfavor da semana.

SALLY

Aparentemente duas raças complicadas se fundiram: Youtubers com crentes pregadores. Esta semana vimos despontar na mídia os Influencers de Cristo. Sim, Youtubers de Cristo estão virando moda e influenciando jovens.

Assim como os Youtubers originais, eles abrem um canal no Youtube para transmitir apenas conteúdo seu. Usam uma linguagem moderninha, fazem Memes, criam bordões e gírias e até paródia de funk proibidão, tudo voltado para converter pessoas, especialmente jovens, à religião evangélica. Muitas coisas aborrecem nesta nova modalidade circense de lavagem cerebral, vamos a elas.

Religião é uma escolha personalíssima, uma jornada interna, não externa. É algo que se busca para gerar paz e melhorar a vida da pessoa, conforme suas necessidades (de falar com um amigo imaginário para encarar a dureza que é o mundo real). Essa busca espiritual, esse olhar para dentro, está se perdendo. Hoje a religião se busca olhando para fora, pensando no que será mais legal de ostentar. Uma busca espiritual feita com base em marketing? Não me agrada. Os motivos pelos quais se escolhe uma religião não tem que ser um Youtuber cool que você deseja imitar.

Para deixar mais claro meu ponto, façamos o seguinte exercício: se o seu filho escolhe seguir a profissão tal por ter visto um Youtuber que exerce esta profissão e fala bem dela, você vai achar a escolha acertada ou leviana? É uma escolha vocacional, que deve ser tomada de dentro para fora, conforme as aptidões pessoais e não conforme o que se quer ostentar, caso contrário deixa de ser escolha e vira mera adesão a modismo. A escolha deixa de ser focada no que faz bem para a pessoa e passa a ser focada no que faz a pessoa parecer cool.

Mas, pior do que isso é passar uma versão mais palatável, camuflada e atraente de algo tão nocivo. Acredito que se você está aqui lendo o Desfavor, já foi devidamente peneirado e está bem ciente das nossas ressalvas com evangélicos. Gente que pede dízimo, gente que acha que fazer sexo antes do casamento é pecado, gente que acredita que o diabo é responsável por tudo de ruim em vez de se responsabilizar por seus erros… não temos muito apreço por evangélicos por aqui.

Nesses vídeos os Youtubers de Cristo fazem uma religião retrógrada, ultrapassada e castradora parecer muito bacana. Não é. Propaganda enganosa é pouco, isso é recrutamento, tal qual o Estado Islâmico faz em vídeos cheios de aventuras, convocando jovens a se juntarem a eles. A postura, a forma de se expressar e até mesmo as roupas desses Youtubers são incompatíveis com religiões evangélicas no geral, são concessões, iscas, chamarizes para atrair novos seguidores.

Baixo. Bem baixo da parte dos evangélicos. Baixo e hipócrita. Liberar o que sempre condenou apenas para ganhar adesão de fiéis é como autorizar vendedor de loja a mentir sobre o produto para que ele bata sua cota de vendas. Só reforça como estamos diante de um negócio onde o que interessa é captação de clientes, a qualquer preço. Uma religião que não tem coerência, não tem ética e não tem limites.

Tem até “programação” destinada a converter crianças, usando dos mais escrotos recursos. Só falta dizer que a Galinha Pintadinha é de Cristo! Tenham vergonha na cara! A razão pela qual pessoas começaram a migrar para o Youtube foi a busca por liberdade de expressão, coisa que televisão e jornais nem sempre permitem. Criou-se um ambiente livre, sem submissão a patrocinadores, onde quem atrai a atenção do público se estabelece, onde o único critério seletivos é a audiência, livre de pressões externas. Agora chegam essas criaturas e usam esse ambiente para doutrinar. Revoltante.

O espaço é livre? Sim, claro. Jamais passaríamos nem perto de sugerir censura. Mas, temos o sagrado direito de criticar as incoerências que percebemos neste movimento. Uma religião que prega algumas regras medievais tentando posar de moderninhos? Para, para que ofende a minha inteligência!

O mais triste é o Brasil é hoje um criadouro de adultos carentes e despreparados para encarar as porradas que a vida dá sem um suporte imaginário. Se com alguns desagradáveis berros no microfone em igrejas em bairros nem tão nobres pastor já angariava uma boa quantidade de fiéis, agora com essa versão online e moderninha, o recrutamento vai ser ainda maior.

É realmente decepcionante perceber que passam as décadas e o brasileiro médio ainda precisa dessa muleta emocional e que está totalmente vulnerável a qualquer discurso que gere a sensação de pertinência. A vontade de ser aceito, de ser elite dentro de algum lugar, de se sentir especial, é tanta que o faz fechar os olhos para a incoerência que um Youtuber de Cristo.

O recado que eu vejo disso é claro: Pastores, façam o que quiserem quando quiserem, pois meter o cacete em algo hoje e aderir a esse algo amanhã não gera qualquer problema. Não é necessário ter coerência para ser seguido e respeitado. Façam qualquer merda, preguem qualquer merda, com força e veemência e, se quiserem, meses depois, façam exatamente o oposto do que vocês endemoniaram, que tá tudo bem, ninguém vai se lembrar ou se importar.

É isso aí. Até religião no Brasil é esculhambada. A pessoa adere ao que quer, o que não quer ela não segue. É religiosa, mas é “não praticante”, o cúmulo do ridículo. Escolhe o que quer seguir e o que não quer, tipo self service de Cristo. Já comentei que eu sou alpinista não praticante? Me digo alpinista mas nos finais de semana deito no sofá e durmo em vez de subir montanhas. É religioso mas faz sexo antes do casamento, usa métodos contraceptivos. Que tipo de esquizofrenia será esse? Deve ter uma classificação médica para essa disritmia cerebral que acomete boa parte da população.

Assim, os Youtubers de Cristo são seletivos: apesar de Youtube ser uma ferramenta do diabo, criada para lavagem cerebral dos jovens, como tanto pregam pastores evangélicos, eles, e somente eles, podem usar. Durante anos, quem acessava o Youtube ia para o inferno, sem escalas. Agora, veja bem, não é bem assim. Qual é a credibilidade que pessoas que distorcem e retorcem suas regras e argumentos podem ter? No Brasil: Toda. É a religião que mais cresce. Esse mix de falta de proteína na primeira infância com ensino público cagado torna o país uma fábrica de evangélicos, e agora a produção será em larga escala…

Para dizer que Deus fez as pazes com o Youtube e por isso agora pode, para perguntar se tem wi-fi no céu ou ainda para dizer que valeu só pela paródia que fizeram de “Despacito”: sally@desfavor.com

SOMIR

Os evangélicos ganham mais e mais seguidores todos os dias, sendo de longe a religião que mais cresce no Brasil. Isso pode ser explicado por regras mais brandas que as igreja católica e a famosa baixa capacidade intelectual do brasileiro médio, mas eu sugiro olharmos um pouco mais para o elemento mercadológico dessa religião para encontrar explicações mais claras para o fenômeno, inclusive no tema da modernização da comunicação que é o tema de hoje.

A Coca-Cola tem uma marca muito forte, antes das gigantes da tecnologia assumirem, sempre foi considerada a mais valiosa do mundo. Mas de nada adiantaria ser reconhecida se as pessoas não pudessem comprar, certo? A marca investia muito em propaganda, mas investia o dobro em distribuição. E isso fazia a diferença: você conseguia comprar a bebida no centro da cidade mais movimentada ou no bar pé sujo mais longínquo. Só vende quem está disponível! E nesse ponto os evangélicos deram um baile nos católicos: como a estrutura do negócio era descentralizada ao ponto de qualquer um poder abrir uma igreja na sua garagem, em qualquer fim de mundo, gerou acesso real para milhões de pessoas que não tinham tempo ou mesmo saco para frequentar as igrejas católicas.

A Apple quase faliu apesar de ter sido a primeira a lançar um computador nos moldes modernos. O problema é que enquanto os computadores lançados por eles tinham arquitetura fechada, isso é, só a Apple podia produzir qualquer coisa relacionada com eles, a IBM resolveu liberar geral: qualquer um poderia fazer a sua versão do PC, do jeito que quisesse. Isso fez com que milhares de empresas adotassem o formato da IBM, barateando tudo e dando muito mais opções às pessoas. Os católicos são a Apple nessa analogia. Como a “arquitetura” do produto evangélico é aberta, qualquer um pode criar sua versão e baratear (nesse caso tornar as regras para salvação da alma mais brandas) como bem entender. Se você não quer ter padrão nenhum de pensamento e mesmo assim se sentir seguro sobre sua suposta vida eterna, o produto dos evangélicos é perfeito!

E quando vamos considerando esses pontos, não podemos esquecer do elemento mercadológico mais importante: os incentivos fiscais. As montadoras de carro fazem uma estratégia sempre que precisam construir novas fábricas, procuram as cidades que dão descontos ou até mesmo isenções totais nos impostos. E mais, criam empresas de fachada para terceirizar partes da produção só para poderem explorar os trabalhadores sem repercussões na principal. Isso funciona tão bem que é a regra. Complicado lucrar quando tem alguém sempre pegando uma parte do dinheiro. As igrejas gozam de uma absurda isenção fiscal no Brasil, mas existem outras formas de ter gente pegando seu dinheiro: na igreja católica existe uma estrutura de poder centralizada que define o quanto cada pessoa pode receber e algumas regras internas contrárias ao enriquecimento pessoal (nos graus mais baixos). Os evangélicos, por sua vez, trabalham sem dificuldade alguma: o dinheiro que conseguem arrancar de pessoas pobres e desesperadas pode ser integralmente adicionado à riqueza pessoal daqueles que fizeram o trabalho sujo direto.

Então, está na cara que o negócio evangélico é muito mais lucrativo para os intermediários do que o negócio católico. Isso já explicaria muito da evolução da igreja, mas estamos no Brasil, e sempre piora. Lembram da isenção fiscal das igrejas? Isso significa que elas são perfeitas para algo com cada vez mais demanda neste país: a lavagem de dinheiro. Paraísos fiscais e empresas de fachada já estão na mira da polícia, mas complicado achar o dinheiro roubado se ele for misturado com os dízimos de fanáticos. Igrejas evangélicas são os novos paraísos fiscais, e muitos políticos já estão desesperados para encontrar pastores parceiros para esconder o fruto da sua corrupção. Vamos ver uma nova fase de crescimento ainda mais acelerado da fé evangélica no Brasil por causa disso. Sim, os políticos que se diziam evangélicos lavavam dinheiro por lá faz tempo, mas agora todos os outros querem um pedaço desse bolo. É quase impossível seguir o rastro do dinheiro com tanta gente envolvida e a bagunça das doações em tantas pequenas igrejas ao mesmo tempo.

E só aqui que eu quero entrar no tema de hoje, porque se a forma de comunicação moderninha dos evangélicos atuais fosse perigosa só para tornar ainda mais burros e atrasados os brasileiros… bom, seria só mais uma gota num oceano de ignorância. Mas a coisa fica mais e mais feia: com esse buraco aberto para sumir o dinheiro da corrupção, podem apostar que as igrejas vão investir mais e mais na captação de fiéis para tornar ainda mais difícil o reconhecimento dos rios de dinheiro roubado que estão passando por suas empresas da fé. Não só esses youtubers evangélicos contribuem para o atraso intelectual humano, como vão tornar mais e mais poderosos os mecanismos para esconder o dinheiro da corrupção política.

Se igreja evangélica não desse uma quantidade imensa de dinheiro, podem ter certeza que não teria se popularizado tanto. E mesmo com a confiança que essa gentalha muda qualquer regra sagrada para aumentar os lucros, isso ainda quer dizer que não vão faltar recursos para fortalecer ainda mais o poder político delas (ninguém com mais de dois neurônios achava que os políticos evangélicos se importavam com a moral e os bons costumes do país) e criar mais e mais mecanismos para girar dinheiro sujo. Isso pode muito bem significar um novo capitalismo de amigos baseado em sumidouros de dinheiro público em igrejas ao invés de construtoras e frigoríficos… como se os evangélicos precisassem de mais poder…

Há algum tempo atrás eu dizia que não temia uma teocracia no Brasil justamente por causa da ausência de religião nos evangélicos (como eu sempre digo, se você quer saber sobre uma religião, pergunte a um ateu, porque quem tem fé não estuda de verdade), mas não estava pensando direito em como eles poderiam usar o sistema para aumentar ainda mais seus lucros e facilitar os crimes contra o patrimônio público. Isso é um perigo. E com youtubers virando suas próprias sedes de igrejas, a atomização continua crescendo, tornando ainda mais impossível encontrar o dinheiro que vai passar – cada vez mais – pelos evangélicos para desaparecer.

No final das contas, é tudo pelo dinheiro mesmo.

Para dizer que agora entendeu como religião funciona, para dizer que a Apple se recuperou (não sei se torço pra ICAR fazer o mesmo), ou mesmo para dizer que ficou mais deprimido ao perceber essa parte da lavagem de dinheiro: somir@desfavor.com


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