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Corredor – Parte 2

Corredor – Parte 2

| Somir | | 8 comentários em Corredor – Parte 2

PARTE 1

Um homem carregando uma caixa de ferramentas aproxima-se da guarita em frente a duas imensas portas metálicas.

M2207: Tenho uma ordem de serviço lá em baixo.
S9102: Pedido confirmado. Aproxime-se do leitor de retinas.

O homem inclina a cabeça em direção a uma tela, onde sua íris aparece em destaque. A luz vermelha torna-se verde. As portas se abrem. Assim que ele entra na área de contenção, as maciças placas de metal começam a se fechar. Quando terminam o processo, outras duas igualmente imponentes abrem-se à sua frente. Um elevador é revelado, e ele desce até o último nível.

As portas abrem-se novamente. Outro segurança está diante dele.

S0822: 207.
M2207: 822.

Ambos trocam um sorriso e um olhar antes de S0822 começar a andar em direção a outra porta, essa no fim do hall do elevador. M2207 segue. Na sala posterior, o segurança aponta para cima, onde algumas das dezenas de lâmpadas na área anterior ao corredor estão apagadas.

S0822: Quatro e sete.
M2207: Certo. O que aconteceu com ele?

S9134 está sentado no chão, apoiado numa das paredes com cabeça entre os joelhos.

S0822: Começo de treinamento. Ele conversou com a voz.
M2207: Essa fase é sempre complicada. Bom, vou fazer logo o meu trabalho que esse lugar me deixa incomodado.
S0822: Faz bem. Quando terminar me avisa.

M2207 se afasta dos dois rumo a uma escada de serviço fixada na parede. Ela termina numa entrada para o teto do andar, de onde pode fazer a manutenção das lâmpadas locais. Com desenvoltura, ele vai engatinhando pela área apertada até chegar na primeira lâmpada apagada. Retira a placa na qual ela se apóia e começa a fazer alguns testes. Pelo buraco, consegue observar os dois seguranças e a entrada do corredor. S0822 fica imóvel na sua posição, S9134 também, soluçando e gemendo às vezes.

Está na segunda lâmpada quando sente o arrepio na nuca comum à chegada da VOZ:

VOZ: Se você vier para cá, eu faço você se encontrar com ela.
S9134: Cala a boca!
VOZ: Ela está tão sozinha. Deve estar querendo o papai. É tão escuro aqui…
S9134: Eu quero sair daqui, cara! Quem contou pra ela da minha filha?
S0822: Você. A voz só sabe o que você conta para ela. Eu disse que não era para conversar.
S9134: Não é verdade o que ele diz, né?
S0822: Não.
S9134: Por que ninguém avisa isso quando a gente é chamado pra cá?
S0822: Porque avisar aumentava a probabilidade de conversarem. Quanto menos curiosidade melhor. Você vai se acostumar.

Uma voz infantil vem de dentro do corredor:

VOZ: Papai?
S9134: Paulinha? Paulinha?

S9134 se levanta e começa a dar passos em direção à escuridão. S0822 puxa sua arma e aponta para ele imediatamente, que para onde está.

S9134: É a voz dela…
S0822: Não é. É uma voz de criança qualquer, ele sabe que você vai reconhecer qualquer uma nesse estado que está. Sua filha está morta e não está naquele corredor. Fique onde está.

VOZ: Papai, eu estou com medo. Cadê você?

S9134: Pode atirar, eu não vou deixar ela sozinha!
S0822: Pergunta alguma coisa pra ela. Algo que você ainda não contou para a voz. Qual o brinquedo preferido dela?
S9134: … qual… qual o nome do seu ursinho?

Silêncio.

Os seguranças se entreolham. S9134 respira fundo enquanto S0822 coloca a arma de volta no coldre.

S0822: Eu já perdi oito colegas para esse corredor. Chega. Volte para seu posto e ignore tudo o que vier de lá.

S9134 continua em choque, olhando para a escuridão. Ele passa a mão no rosto e solta um longo suspiro antes de voltar-se na direção oposta.

VOZ: Seus colegas estão comigo agora. Todos eles reclamaram que você nunca contava nada, nem dos riscos que eles corriam aqui. Tem um até que acha que você trabalha pra mim, ha ha ha.

S9134 olha para S0822, que continua impassível.

VOZ: Se você tivesse falado com eles um pouco mais, 822… um pouco mais… talvez eles não estivessem comigo. Às vezes até eu me pergunto se você não se diverte assim, mandando esses jovens para mim. Você gosta de ouvir os gritos deles quando eles finalmente entram?

M2207, que acompanhara toda a conversa até agora, fica distraído e não percebe que uma das placas sobre as quais se apoiava estava solta. Ela escorrega, tirando seu suporte. O homem da manutenção desaba alguns metros no chão de concreto. O som do impacto ecoa na sala, e o grito assustado da queda torna-se silêncio no chão.

S0822: MARCOS!

S0822 corre até o homem desacordado e observa uma poça se sangue começando a se formar da parte traseira da cabeça dele. O segurança se ajoelha ao lado do corpo desfalecido e segura sua cabeça em desespero.

S0822: Não! NÃO! SOCORRO! Marcos! Marcos!

S9134 vacila por alguns segundos, mas logo se aproxima dos dois.

S0822: Chama um médico! Por favor… por favor… não deixa ele morrer…

VOZ: Da última vez que você chamou um médico, demorou meia hora, não?

S0822: Cala a boca!

VOZ: Com todos os procedimentos de segurança… e quem trabalha aqui é disponsável, não?

S0822: Cala a boca seu desgraçado! CHAMA O MÉDICO!
S9134: Como eu falo com alguém lá fora?
S0822:

VOZ: O décimo não tem comunicação com o exterior. Ha ha ha. Medida de segurança que o 822 pediu, não é mesmo? O que acontecer aqui, fica aqui. O turno de vocês termina em… quatro horas. Mas eu tenho uma solução pra você, 822. O Marcos tem salvação. Mas só comigo.

S0822 começa a chorar.

S9134: Ela sabia disso, não? Que não podia sair daqui? Ele assinou o contrato como a gente, né?

VOZ: Eu estou sentindo que o Marcos é mais importante do que eu previa, 822. Ele é seu amigo? Parente? Namorado, talvez?

S0822: Você pode salvar ele?

VOZ: Eu posso tantas coisas, 822… traga ele e conversamos. Mas venha logo.

S0822 pega o corpo de Marcos e começa a arrastar em direção à escuridão do corredor. S9134 puxa a arma.

S0822: Sua arma não tem munição durante o treinamento. A minha tem e eu vou levar ele lá pra dentro.

VOZ: Ah, 822, nós vamos nos divertir tanto…

Continua…

Para ficar puto que a história não acabou ainda, para ficar puto por dois contos numa semana, ou para ficar puto só pela diversão mesmo: somir@desfavor.com


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