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Cinetose.

Cinetose.

| Sally | | 34 comentários em Cinetose.

Você enjoa em viagens longas, ou até em trajetos curtos quando utiliza meios de transporte para sua locomoção? Já preferiu percorrer grandes distâncias a pé só de pensar no mal estar de subir em um ônibus ou um carro? É chamado de fresco por isso? Tamo juntos, amigos. Você não é fresco, você é portador de uma doença, devidamente classificada no CID-10. Desfavor Explica: Cinetose.

Cinetose, também conhecida como Mal do Viajante ou Enjoo de Movimento, é uma doença que se caracteriza pela sensação de enjoo ou náusea quando se anda em qualquer meio de transporte, ou se movimenta o corpo de forma não habitual. Assim, ela pode atacar mesmo que você esteja em um barco ancorado, que balança com as ondas do mar sem se locomover ou até em um brinquedo de parque de diversões. É mais comum em crianças, mas pode persistir até a vida adulta.

Ela também ocorre, com menos frequência, quando a pessoa se desloca a pé ou faz exercícios, se movimentar o corpo de uma forma atípica. Em casos ainda mais raros, pode acontecer com a pessoa em repouso, desencadeada por estímulos visuais, como por exemplo uma imagem na TV que contenha muitas cores em movimento ou jogos na primeira pessoa, aqueles onde você tem a falsa sensação de estar se deslocando dentro do jogo sob o ponto de vista do personagem.

O principal desconforto gerado pela Cinetose é o enjoo (que infelizmente costuma terminar em vômito), mas ela também pode causar sudorese, mal estar generalizado, palidez, taquicardia, salivação excessiva, perda de equilíbrio, queda de pressão, fadiga, dor de cabeça e outros sintomas.

A Cinetose nada mais é do que seu organismo colapsando por não conseguir entender o que está acontecendo: o corpo está parado, mas o ambiente está em movimento, isso gera estímulos conflitantes e o corpo não sabe a qual deles reagir, causando um tremendo revertério que culmina nesse mal estar todo.

Nosso corpo tem um sistema de equilíbrio que cruza dados de três estímulos diferentes para entender se estamos parados ou em movimento: 1) visão (informação levada pelos olhos) ; 2) Labirinto (uma região da orelha que detecta qual é a posição da cabeça em relação ao corpo e se estamos em movimento) e 3) Propriocepção (sensação de movimento que os músculos e pele dão ao corpo, por exemplo, se você fechar seus olhos, consegue tocar seu nariz com o dedo, pois sabe onde está o nariz e o dedo).

O corpo pega estas três informações, junta e com isso compreende o que está acontecendo. Via de regra funciona muito bem: pernas se mexendo, olhos vendo a paisagem passar, labirinto indicando desloamento = você está andando. Tudo ok. Mas, eventualmente, em algumas pessoas, o corpo surta e se confunde: pernas paradas, cenário parado, mas labirinto indica deslocamento: a pessoa está em carro em movimento, mas tudo que o corpo pensa é “What The Fuck, acho que está andando mas está parado!”. É que nosso cérebro nasceu e foi evoluindo dentro de seres humanos pedestres, ele não está totalmente preparado para transporte por veículos e ainda pode ter dificuldade em identificar e compreender esta realidade.

Quando se instaura essa confusão, se o seu cérebro pudesse falar, ele diria “mas que porra é essa que eu não estou entendendo! Os músculos não estão se mexendo, o cenário está parado, mas o balanço do corpo captado pelo labirinto indica movimento? Como? COMO? Wtsgdfskjj”. Essa mensagem contraditória chega ao cerebelo, que não entende nada igualmente e surta.

Na tentativa de decodificar e de compensar as informações contraditórias que estão chegando, o corpo acaba desencadeando a sensação mal estar. O cérebro sabe que tem algo errado, mas não consegue entender o que. Com isso, para te proteger, ele desencadeia um sinal vermelho no corpo, que gera a produção de alguns hormônios associados a estresse, responsáveis pelos primeiros sintomas de mal estar.

A cereja nesse sundae ocorre quando, depois de tentar exaustivamente entender o que está acontecendo, sem sucesso, o cérebro busca a segunda coisa mais parecida com isso para tentar tomar uma providência e resolver… que seria, no caso, envenenamento. Se está tudo se mexendo à sua volta sem que você esteja se mexendo, bem, você deve ter ingerido algo que te fez muito mal. Na mãe natureza, esse lugar horrível de onde felizmente nos afastamos, a causa mais provável desse desencontro de informações, ou seja, de ver o mundo girar estando em repouso, é a ingestão de algo venenoso.

Sim, a sensação de andar de carro é lida como muito parecida com a sensação que um envenenamento daria, portanto, a providência inteligente a tomar para resolver o problema é fazer você sentir um tremendo desconforto e enjoo, até vomitar tudo. Apesar do vexame, tenha em mente que seu corpo está apenas tentando salvar a sua vida. A dignidade perece, mas a intenção é boa.

Por isso algumas condutas pioram o problema. Por exemplo, ler dentro de um veículo em movimento costuma ser fatal, costuma desencadear uma crise na hora, pois concentra seu olhar em algo totalmente em repouso, reforçando ao cérebro a sensação de “como caralhos estou em repouso se percebo que estou me movimentando?”. Pelo mesmo motivo, o banco traseiro do carro também costuma piorar a situação, tudo que a pessoa vê é o interior do carro em repouso, reforçando a contradição.

Em compensação, olhar pela janela aberta, tomando vento na cara, pode ajudar. Há um estímulo físico (pele sentindo o vento na cara) e visual que indicam deslocamento, isso pode ser suficiente para que o cérebro bata o martelo e se convença que você está em deslocamento, e não sendo envenenado. Também é comum que a pessoa não sinta os sintomas quando está dirigindo, mas sinta quando está no banco do carona. Isso acontece porque ao dirigir, ela se movimenta e também foca a atenção e o olhar para o lado externo, em constante movimento, tornando ao cérebro mais fácil de compreender o deslocamento com estes dois estímulos: perninha que mexe + cenário que passa = ok, entendi, estamos andando e não sendo envenenados, suspende o vômito que foi alarme falso.

Então, agora que você entendeu o problema, pode fazer a sua parte para tentar melhorá-lo. Se estiver passando por uma crise de Cinetose, ajude seu cérebro a te ajudar: a chave está em fazer ele perceber com o maior número de estímulos possíveis, que você está sim em movimento: olhar apenas para fora do veículo, preferencialmente para o horizonte, para que os olhos registrem um deslocamento inequívoco, manter o vento na cara para que o corpo entenda que você está se deslocando (cachorros > humanos) e até se movimentar se isso for possível (pessoas que andam em navios costumam se sentir melhor).

Outras medidas que costumam ser efetivas são: não sentar de costas para o sentido de deslocamento do transporte (ex: em trens ou metrô, sente de frente para direção na qual o trem está indo), evite bebidas alcoólicas no dia da viagem, evite viajar de pé, tente olhar para o horizonte ou paisagens distantes e evite ambientes muito quentes ou com odores fortes (pode reforçar a tese do envenenamento no organismo). Ficar de estomago vazio não resolve, ao contrário do que muitos pensam, não vai evitar o enjoo e só vai te deixar mais fraco.

Se possível, peça ao motorista que não dirija muito rápido nem faça curvas bruscas. No avião, tente sentar na parte do meio da aeronave, que é menos impactada pelo movimento. Em navios, tente caminhar ao ar livre, evite cabines sem janela (o corpo precisa perceber que está em movimento, olhar para fora ajuda) e dê preferência a cabines na frente no meio do barco.

Mulheres são mais propensas à Cinetose do que homens e, além do sexo, existem alguns fatores que aumentam o risco dela aparecer no meio do seu deslocamento: gravidez, labirintite, ansiedade ou enxaqueca deixam a pessoa mais vulnerável. O meio de transporte também pode influenciar, alguns confundem o cérebro mais do que outros. O pior é o transporte marítimo. Estudos estimam que cerca de 40% das pessoas que andam em barcos ou navios sintam algum grau de Cinetose. O transporte mais camarada é o avião, onde as crises são mais incomuns. Na dúvida, tenha sempre algum remédio para enjoo com você, geralmente ele basta para evitar o mal estar.

Existe tratamento, porém nem sempre o problema é curado ou totalmente eliminado. Uma terapia de reabilitação realizada. O médico competente para bater o martelo em um diagnóstico de Cinetose é o otorrinolaringologista, porém, acredite, essa terapia de reabilitação deve ser conduzida por um fonoaudiólogo e pode melhorar em muito sua vida. Não se esqueça de pedir sempre um medicamento SOS para te salvar em caso de uma crise.

Cinetose é doença, não é brincadeira nem frescura. Se você presenciar uma pessoa tendo uma crise, passe as dicas deste texto e, se for possível, pare o transporte e deixe ela andar por uns 20 minutos em terra firme. Pode até ser chato e atrasar a viagem, mas mais chato do que isso é ter que limpar vômito do carro.

Para dizer que finalmente entende o motivo de enjoar tanto em viagens, para dizer que o medo do envenenamento explica os vômitos violentos em jatos ou ainda para reclamar que estava comendo quando leu este texto: sally@desfavor.com


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