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Puxadinho trabalhista.

Puxadinho trabalhista.

| Desfavor | | 10 comentários em Puxadinho trabalhista.

+O Senado aprovou nesta terça-feira (11) o texto da reforma trabalhista. A reforma muda a lei trabalhista brasileira e traz novas definições sobre férias, jornada de trabalho e outras questões. O texto foi sancionado na quinta-feira (13) pelo presidente Michel Temer.

Reformou exatamente o quê? Desfavor da semana.

SALLY

Depois de 20 anos de hegemonia do PT, quem vocês acham que tem o monopólio dos contatos, propinas e amizades no Congresso? Por qual motivo um sujeito tido como “traidor” como Temer não foi simplesmente estraçalhado pelos lobos? Temer está ali por uma razão: se pai de filhos feios, que mais ninguém quer ser, e quando acabar de parir todos eles, será “saído”. Se for esperto, protela o nascimento desses aleijões para poder sair do cargo pelo decurso normal do tempo, se for burro, sai por impeachment.

Fato é que nasceu mais um filho feio de Temer, que, sabemos bem, apenas o pariu, ele foi concebido durante o Governo PT. Mas ok, quem vai levar a fama é o Temer e a gente realmente não se importa, não temos bandido de estimação, queremos que todos igualmente se danem. O nome desse filho feio é “Reforma Trabalhista”, e não, não é filho feio por tudo que você andou lendo por aí. Apesar de retirar sim muitos direitos importantes dos trabalhadores, nós conseguimos ver um desfavor ainda maior nele.

Existem formas de se conduzir um país, existem formas de se conduzir a lei. O ideal é que as formas de condução sejam pautadas na coerência, se não, acontece o que aconteceu com nosso sistema penitenciário: pensado para ressocializar, prevê que o preso seja solto em pouco tempo, pois presume que no período em que ele ficou preso, recebeu toda ajuda, apoio e subsídios para ressocialização. Como há uma incoerência neste processo (o preso só piora dentro da prisão), colocamos na rua bandidos muito perigosos todos os dias.

É justamente esta coerência que está faltando na reforma trabalhista. Não vou tomar lado e escolher por vocês o que é melhor: um sistema mais protetivo do trabalhador ou um sistema aberto que deixa o mercado regular. Há bons argumentos para defender ambos os lados. A questão é: essa reforma trabalhista é um híbrido, um Frankenstein, a prova viva que esses energúmenos que estão no Congresso não sabem fazer lei. É uma colcha de retalhos, com normas extremamente protetivas e normas extremamente liberais, uma mistura que obviamente não vai dar certo por faltar homogeneidade e coerência.

Não há uma linha de pensamento. Não há uma Big Picture. Não há um propósito maior. Há incêndios urgentes que precisam ser apagados (entenda-se, demandas de grandes empresas e empresários) e uma contrapartida para que o povo não se revolte muito (algumas benesses desconexas). Uma visão rasteira, imediatista e medíocre que tem tudo para dar errado. Quando você reúne um emaranhado de normas que não guardam harmonia entre si, é muito provável que o resultado final seja desastroso.

Falta visão de futuro, um pensamento mais profundo, reflexivo, voltado para o bem maior. Volto aqui na tecla do Ubuntu: eu sou porque nós somos. Enquanto todos não estiverem bem, você não estará bem. Fazer uma lei para favorecer uns poucos, na verdade, não favorece a ninguém. Mas, acima de tudo, falta inteligência e sutileza para esses coronéis cafonas e ignorantes que povoam o Congresso para entender tudo isso. Não tem nem ao menos uma vaga noção do problema, portanto, não há a menor esperança de solução.

Não é minha intenção te convencer de qual vertente é melhor, a protetiva ou a competitiva, na verdade, sinceramente, acho que nem eu mesma cheguei a uma conclusão definitiva. O que quero dizer é: chega de polarização. Parem de brigar defendendo lado.

Observem, tanto quem defende um lado quanto quem defendo o outro vai concordar comigo que, qualquer que seja o posicionamento adotado, ele tem que ser coerente. Qualquer boa intenção do mundo executada com normas incoerentes e de forma incoerente tende ao fracasso. O certo seria que ambos os lados se unam por uma nova lei coerente. Mas não, parece que vão continuar divididos, brigando entre si. Maravilhoso, assim a classe política continua fazendo o que quer enquanto o povo se mata.

Com essa reforma trabalhista conseguimos a proeza de: nem proteger o trabalhador, nem melhorar a competitividade e economia do país. Ou seja, gastou-se uma fortuna para mexer no que estava uma merda e agora está uma bosta. Esse é o modus operandi do Brasil: gastar fortunas em um processo moroso de mudanças que trocam seis por meia dúzia, isso quando não trocam por coisa ainda pior.

A raiz está na motivação, no propósito vislumbrado para realizar essas mudanças: beneficiar uns poucos. A premissa já é errada, dificilmente algo de bom saia de uma origem tão cagada. Uma visão pequena, que não percebe que beneficiar imediatamente a uns poucos e a si mesmo, a longo prazo, será terrível para todos. Arrogantes, superficiais, tapados, que continuam mandando por saber travestir seus interesses pessoais de preocupação com o país.

Estou profundamente ofendida com essa reforma trabalhista e com a forma que ela vem sendo apresentada à sociedade. Ainda que as normas, analisadas individualmente possam ser consideradas boas por alguns, bem, o conjunto é simplesmente desastroso e sem qualquer harmonia. Triste que não se perceba isso. Triste que sequer se entenda o que é uma linha de pensamento e se note quando algo sai desastrosamente dessa linha, para ambos os lados.

É muito além de 30 minutos para almoço, de gestante trabalhando em local insalubre, de trabalhador que ganha mal perdendo o direito a gratuidade de justiça, do fim da assistência gratuita na hora da rescisão do contrato de trabalho ou da autorização para negociar condições sem respeitar o mínimo previsto em lei. O desfavor é mais embaixo. Nasceu cagado, nasceu pelos motivos errados, foi construído da forma errada, por pessoas sem qualquer formação que, se bobear, nunca tiveram uma carteira de trabalho assinada. Enquanto esse Congresso de Tiriricas criar nossas leis, não há esperanças.

Chamem de elitista, chamem de esnobe: para fazer leis decentes é preciso conhecimento vasto sobre direito, sociologia, antropologia, lógica, futurismo, realidade social e muito, muito estudo. Não há condições de pegar essa gente feia, oleosa, com cabelo pintado de preto boneca, que erra concordância e fala de Jesus em plenário para ditar regras. Sai uma porcaria incoerente e inconsistente como essa reforma (que mais parece uma mutação!) trabalhista. Parem de criticar os sintomas. Vamos combater a doença?

Para dizer que queria o ponto a ponto como todos os sites e revistas fizeram, para dizer que como você está desempregado não se importa ou ainda para perguntar se Ubuntu não é aquele negócio de computador: sally@desfavor.com

SOMIR

Tem um tipo de resultado dos pedidos que faço para meus funcionários que sempre me irrita mais até que o porcaria: o quase-bom. Quase-bom é um estado do trabalho – físico ou intelectual – onde pode-se perceber que quem fez tem a capacidade de entregar mais, mas por algum motivo não fez. E esse grau de qualidade me irrita mais por um motivo bem específico: ao contrário do trabalho ruim, o quase-bom é “entregável”. Trazendo para a minha área: uma arte publicitária quase-boa é o suficiente para agradar a maioria dos clientes. E dá para se acomodar facilmente nesse nível de entrega.

Só que quem entrega o quase-bom e eventualmente o bom torna-se quase que indiferenciável da concorrência quase-boa. Sim, você fica acima da terrível média local de qualidade de serviços, mas apenas o suficiente para estar em outra vala comum. E aí, o quase-bom que conseguir vender seu produto ou serviço um pouco mais barato tem um diferencial muito mais poderoso para trabalhar. O que joga o mercado num leilão entre várias empresas trabalhando no quase-bom, e uma série de malucos sem capacidade de fazer as contas atropelando o mercado com preços que vão os fazer falir em questão de meses.

E essa pequena reclamação sobre o mercado para micro e pequenas empresas alinha-se muito bem com o objetivo deste texto: a reforma trabalhista proposta é quase-boa. Não é uma porcaria flexibilizar um pouco mais as relações de trabalho, mas também não é uma maravilha cutucar alguns direitos trabalhistas sem dar muito em troca. Consigo perceber claramente como essa proposta, como está, não agrada gregos ou troianos. Afinal, é um emaranhado de negociações entre partes com visões diametralmente opostas sobre como o mercado de trabalho nacional deve funcionar, e no máximo tem a função democrática de desagradar a todos meio que por igual.

Mas isso é quase-bom. Impossível criar algo bom para todo mundo ao mesmo tempo, mas não é utópica a ideia de definir um planejamento de longo prazo de como queremos que o Brasil entenda sua força de trabalho para agir de acordo. No mínimo deveríamos saber se queremos mão de obra generalista ou especialista. Quem quer generalismo – que as pessoas tenham muitas habilidades diferentes e raramente se aprofundem nelas, o que é positivo numa sociedade que tende aos serviços e a mecanização da produção – enxerga relações de trabalho flexíveis como positivas. Contrata e demite com facilidade, presumindo que o mercado seja menos chato com experiência e o Estado exija menos garantias para os trabalhadores.

Agora, se você quer especialistas – onde as pessoas trocam menos de emprego e tem tempo e capacidade de se tornarem experts em suas áreas – não é tão bacana assim deixar o mercado muito solto. Até porque a praga do quase-bom faz com que muitas empresas demitam funcionários com alta especialização para reduzir custos, e não contratem pessoas com décadas de experiência e muito conhecimento justamente para não pagar salários altos, que não se justificam num mercado de quase-bons. Se o Brasil desse uma guinada para aumentar o nível de qualidade dos serviços oferecidos, poderia manter mais mecanismos de proteção para pessoas que já tem ou pretendem ter alto saber em suas áreas.

Mas, até mesmo esse tipo de planejamento estratégico básico é ignorado por iniciativas como as do tema de hoje. O plano é não ter plano. O plano é fazer qualquer coisa que pareça positiva para conseguir um pouco mais de aprovação para um governo na UTI, e ser usado como mercadoria de troca para os abutres que sequestram nosso poder público. Difícil saber o que diabos essa reforma vai reformar, ou mesmo se tem alguma vantagem para o país, nem que seja no curto prazo. A situação está tão desalinhada com qualquer interesse de longo prazo do mercado de trabalho brasileiro que é de se perguntar que diferença ela faz…

Do jeito que as coisas funcionam hoje em dia, os direitos dos trabalhadores brasileiros existem para protegê-los de corporações gigantes explorando-os feitos escravos, um medo justificável no século que foram traçados. Mas depoius de tanto tempo, existem várias formas de burlar essas proteções. Se as proteções existiam por isso e os micro, pequenos e médios empresários pagavam um preço atrofiante por esse motivo, sinto informar que as grandes empresas atomizaram seus negócios, usando empresas menores para explorar funcionários. Compra a roupa de uma empresa pequena que explora bolivianos ao invés de montar uma fábrica com escravos, pronto.

Se a lei evitasse mesmo que as grandes empresas sacaneassem funcionários e as forçassem a pelo menos investir em especialização e educação da força de trabalho, vá lá pagar duas vezes e meia o salário de uma pessoa para contratá-la. Poderia até não gostar disso, mas tinha um motivo. Mas não funcionou. A safadeza encontrou um jeito. E agora os pequenos empresários pagam esse preço terrível sem motivos sólidos. Adianta pagar impostos altíssimos para financiar a JBS através de acordos sujos do BNDES?

Quase-bom não serve. Quase-bom é armadilha. Ou cuida dos trabalhadores brasileiros ou deixa eles se tentarem sozinhos, pelo menos.

Para dizer que gostou da definição de quase-bom, para dizer que preferia mais um Lacradores, ou mesmo para dizer que vai rir quando a Câmara barrar tudo de novo: somir@desfavor.com


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