Skip to main content

Colunas

Arquivos

Despacito

Despacito

| Sally | | 40 comentários em Despacito

Desde o começo do ano começou, muito timidamente, uma tendência à música latina em espanhol no Brasil. Sempre me perguntei por qual motivo a música brasileira era ouvida em toda a América Latrina e nunca chegavam músicas de outros países latinos por aqui. Hoje eu compreendo: outros países tem condições de cantar em outro idioma, mas o Brasil não tem qualquer condição de cantar em espanhol – e acha que tem.

Começou leve, com participações especiais, como por exemplo o colombiano Maluma com a “cantora” Anitta na música “Sim ou não”. Mas bateu forte, arrombou a porta, entrou e sentou no sofá com o “Despacito” do porto-riquenho Luis Fonsi. Uma música chiclete que invade sua mente e se aloja nela por dias, talvez semanas.

Despacito é um reggaeton de nível duvidoso (ritmo musical correspondente ao funk em prestígio, qualidade e público alvo), com aquela velha fórmula de música ruim: melodia chiclete, baixaria na letra e muita repetição. Vejam bem, não é elitismo, é racionalidade. Eu gosto do Despacito, porém tenho plena consciência de que musicalmente é uma merda cafona.

E a coisa não estourou apenas no Brasil não, a música é um fenômeno mundial. Está em primeiro lugar entre as mais tocadas no Spotfy, é a primeira música latina no topo da Billboard nos últimos 20 anos e muitas outras façanhas que não cabe explicitar no texto. Então, por pior que ela seja em qualidade, ela tem seu mérito.

O problema é: quando ficamos com uma música na cabeça, a tendência é que fiquemos cantando a música o tempo todo. Daí surge um pequeno obstáculo, o espanhol do brasileiro es muy fueda. Brasileiro vai à Argentina e pede “una Cueca-Cuela com muitcho gelo”. Percebem onde quero chegar?

Como cantar aquilo que você não entende? Existem dois caminhos. O primeiro é procurar entender, ver a letra em tempo real com a música, ver a tradução, compreender a pronúncia das palavras e cantar certinho. A segunda é pronunciar a coisa mais próxima do seu vocabulário com aquele fonema e foda-se a dignidade. Adivinhem qual foi a opção do brasileiro?

Alguns mais dignos fazem um esquema Karaokê Tabajara e substituem as palavras que não entendem por “na na na”. Ruim, sem dúvida, mas melhor do que deliberadamente substituir palavras: “DES-PA-CI-TO nã nã nã nã nã tu nã nã despacito, para que le nã nã nã nã nã”. O que seria uma ótima chance para aprender algo de outro idioma vira uma ode à preguiça. Na na na para vocês.

Mas o pior acontece quando as palavras não são substituídas de forma aleatória pela palavra mais próxima em português ou até por palavras que não existem em nenhum lugar do planeta Terra ou da galáxia. Ontem mesmo vi um cerumano cantando “Des-pa-ci-to quero respingar teu corpo despacito…”. Nosso querido pintor estava cantando em alto e bom som, sem qualquer constrangimento. Diante da minha cara de sofrimento extremo ele olhou e disse: “Que foi? Eu não sou obrigado a saber espanhol!”. Não, não é. Mas se quiser cantar em espanhol, é.

Não se enganem, espanhol parece fácil, mas não é. Justin Bieber, que chegou a regravar a música, passou vergonha quando resolveu cantar de improviso, sem sua colinha. Então, meus amigos, se Justin Bieber passou vergonha cantando, quais são as chances do brasileiro médio?

Curioso é que o mesmo brasileiro que tira sarro de quem canta errado em inglês está protagonizando um vexame bem despacito. O mesmo que dá ataque quando se erra uma letra, uma pronúncia ou até o nome de uma marca ou um artista em inglês estupra o espanhol sem dó. Parece que só a pronúncia em inglês é importante.

Gente que canta errado uma única palavra de uma música (“só pra você, insônia a mais não faz maaaal”) já fere meu TOC. Imaginem que tempos duros eu não estou vivendo, amigos, tendo meus ouvidos estuprados diariamente pelas mais diversas versões de Despacito feat Brasileiro Médio. Sabemos que o fone de ouvido é mera decoração para essa gente bronzeada: botam fone e cantam alto, ou seja, melhor seria se fosse sem fone, pois ao menos seria alguém cantando bem (todo mundo que canta alto canta mal e acha que canta bem, não sei que karma é esse).

Aí você não escapa de locais públicos como metrô ou academia com gente com fone de ouvido porém berrando. Essa semana ouvi um “Deeeespacito, quiero te chamar meu beijo despacito”. Dá vontade de cutucar o ombro da pessoa e perguntar se ela acha que essa frase que ela está berrando faz sentido. Outro: “Dessspacito, quiero chacoalha teu peito despacito…”. Apenas parem. Por favor.

Some-se a isso o fato de que, ao não entender o que está sendo dito, não se compreende do que a música fala. Despacito é uma preliminar cantada. A letra é extremamente sexy, quase que vulgar. No entanto, crianças de 4, 5 anos de idade estão cantando sem saber o que dizem. Claro, se nem os pais sabem, imagina se a pobre criança vai saber ou receber alguma orientação/limite?

Francamente, se algum pai acha ok sua filha de 4 anos cantar frases assim, eu só tenho a lamentar: “venha provar minha boca para ver como ela te conhece” ou “quero que você ensine à minha boca os seus lugares favoritos” (ué, a boca não conhecia a pessoa???) ou ainda “me deixe explorar seu corpo até provocar seus gritos e que você esqueça seu sobrenome”.

Você está ok com sua filha ou filho pequeno cantando isso? Se está, não deveria. Talvez ela não entenda, mas muito marmanjo por aí entende e não quero nem pensar com que olhos pode ver frases sexuais vindas da boca de uma criança. Mas não. Pais gravam vídeos dos filhos de 4, 5 anos cantando que querem fungar no pescoço do outro bem devagar e dizer baixarias em seu ouvido, para que a pessoa lembre quando não estão juntos. Parabéns, seu filho vai ficar felizão quando crescer e entender esse registro.

Mas, os desfavores não param. O desdobramento do Efeito Despacito vai muito além de pessoas cantando errado e crianças cantando putaria (muitas vezes errada). Uma vibe latina está entrando no país e, como brasileiro não admite não ser o maioral em tudo, já estão se travestindo em uma latinidade nagô que me entristece.

Todo mundo agora dança Zouk, todo mundo dança Salsa, todo mundo fala espanhol. Apenas parem. No Rio está ocorrendo uma explosão de festas latinas, onde homens comparecem vestidos como Pablo Escobar, crentes que estão arrasando. Não duvido que em breve comecem a virar moda nomes como Pablo (se bobear o brasileiro é capaz até de chamar uma criança de Pablito), Estebán ou Alejandro.

E tentam mostrar uma latinidade nagô completamente errada culturalmente. Ficam gritando “Ai caramba!”, expressão mexicana, quando toca uma música de um colombiano ou de um porto-riquenho. Fazem gestos como se fossem toureiros, algo culturalmente espanhol (diga-se de passagem, um país que está em outro continente!). Tem a cara de pau de abordar as mulheres nas festas latinas com um sonoro “Hola, que tal?”. Daí você responde em espanhol fluente, eles arregalam o olho e dizem “Eita! Fodeu”.

Americano Wannabe eu até entendo, pois apesar dos EUA ser um país muito do cagado, ainda consegue ser melhor do que o Brasil. Mas porra, Porto-riquenho Wannabe é foda. Parem. Parem com esse mix cultural de países de fala hispânica achando que é tudo um país só. Brasileiro acha que do Brasil para cima é a grande República da Salsa & Merengue, que vai até o México. Porra, cada país tem sua cultura, seu estilo, seu povo. Depois ficam putos quando desenho mostra macaco e jacaré na rua, né? Mas estereotipam do mesmo jeito.

E parem de importunar quem fala espanhol: “Você fala espanhol? Canta Despacito para eu ouvir?”. Filho, vai ser a mesma merda do Luis Fonsi, só que menos afinado, então, você ganha mais ouvindo no original. Mas só me faltava essa, por falar espanhol virei uma Embaixadora do Despacito no Brasil. Haja saco.

Resta torcer para que essa moda latina seja passageira e o brasileiro se dedique a estuprar outras culturas.

Para dizer que “Dez pras cinco” da Kefera é muito melhor, para dizer que erotização precoce de crianças é especialidade do Brasil desde É o Tchan ou ainda para dizer que quer uma tradução sincerona da letra, já que sites só disponibilizam uma tradução literal e sem sentido: sally@desfavor.com


Comments (40)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: