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Aleatoriedade conjunta.

Aleatoriedade conjunta.

| Somir | | 2 comentários em Aleatoriedade conjunta.

Um disco voador em forma de maçã cruza os céus de Tóquio para o espanto de cinqüenta lutadores de sumo maquiados. Oi! Essa frase não faz o menor sentido, mas eu desconfio que a maioria de vocês é capaz de construir uma imagem mental disso. Provavelmente não a mesma que a minha, mas uma imagem da mesma forma. A frase não tem nenhum objetivo real no texto além do fato de eu não ter a mínima ideia que essa cena existia até começar a escrever. De uma certa forma, o simples fato de eu chamar atenção para essa cena aleatória a fez existir. Disco voador, maçã, lutadores de sumo… de onde vem essas coisas?

Como humanos, temos uma certa facilidade em tirar essas ideias do “éter” e tentar fazer senso delas, muitas vezes até criando conceitos totalmente válidos na vida real a partir disso. Quem não costuma ter essa habilidade são as inteligências artificiais. Programar a aleatoriedade é um dos maiores desafios para quem tenta simular a mente humana, e não à toa: nem faz muito sentido para nós mesmos. Por que as ideias surgem na cabeça do jeito que surgem? Se fosse minimamente fácil, convenhamos que não teríamos tanto mercado para psicólogos e psiquiatras nesse mundo.

Quando computadores precisam agir de forma aleatória, vulgo nos surpreender com algo que não foi explicitamente pedido para ele, costuma usar algoritmos de sujeira. Coisas tão sem padrão aparente que fica muito difícil extrair delas os mesmos resultados sempre. Um desses padrões é o Big Bang, ou, o que restou dele. A radiação de fundo do universo, aquela que gera a famosa imagem que o Hubble captou há alguns anos (e que ilustra a postagem de hoje) é o resultado da expansão de toda matéria visível pelo universo nos últimos bilhões de anos. É o “barulho” da explosão inicial ainda ecoando por todas as partes, de uma certa forma. Sabe quando você vê aquela estática na tela de TV ou o chiado de um rádio sem uma estação selecionada? É isso. O ambiente é cheio dessa massa virtualmente aleatória de sinais.

Então, quando um computador quer fazer algo aleatório, busca inspiração na natureza caótica da… natureza. O sistema gera um número qualquer para ser a base de outros algoritmos pré-definidos, basicamente só começando o processo com uma aleatoriedade. E mesmo assim, uma feita para ser aleatória. Nossos processos mentais não são assim, tem algo adicionando aleatoriedade em cada um dos passos de uma ideia. Além disso, não faz parte do plano original de um pensamento humano começar baseado em algo randômico.

Como emular o verdadeiro processo de criação humano? Ou, faz sentido tentar isso? Quem está mais certo, o processo humano ou o processo “robótico”? Porque vamos pensar no seguinte: se você fosse capaz de só pensar em coisas úteis e construtivas o tempo todo, pensaria em qualquer bobagem aleatória? Faz sentido que os computadores não estejam planejados para desperdiçar tempo nesse processo insano que é a mente humana, mas por algum motivo, funciona. Criamos tantas coisas úteis e interessantes todos os dias. Algumas mentes avançam a humanidade décadas por vez com grandes ideias.

E aí, começo a pensar: é o cérebro humano que é tão impressionante ou é o conjunto deles? Quem é criativo de verdade? Para cada ideia espetacular de uma pessoa, milhões de vazias vindas de outras. Talvez a coletividade apresente um número de ideias aleatórias tão grandes que eventualmente uma combinação vai funcionar muito bem. É como se fosse a analogia dos infinitos macacos com máquinas de escrever, mas… com nós como os macacos.

Até que ponto o segredo do nosso sucesso criativo está em colocar ordem no caos? Não é possível que computadores com um imenso potencial de cálculos ainda não consigam buscar o verdadeiro poder do caos para montar novas ideias. Processamento por processamento, nossos cérebros são notáveis por si só, mas nem tanto que uma máquina não consiga batê-los. Humanos são máquinas orgânicas, no final das contas. Neurônios são pequenos, mas os transistores dentro dos processadores também.

Já era para termos inteligências artificiais compatíveis com um ser humano médio no ritmo atual. Os servidores de uma rede social já lidam com mais data por segundo que toda a humanidade somada. Não era para ser difícil, mas é. Ninguém consegue explicar para um computador ainda como aprender sozinho, nem com empurrões iniciais. O fator aleatório faz muita falta. Sozinha uma máquina não tem sequer motivação para gerar alguma novidade.

Então, somos tão incríveis assim? Talvez não. Talvez todos nós juntos com milhares e milhares de anos de micro mutações de ideias ocorrendo em sequência que sejamos capaz de criar uma inteligência. Talvez nem nós mesmos sozinhos sejamos capazes de criar essa inteligência “real”. Um ser humano criado sem estímulos humanos fica severamente limitado, de formas irrecuperáveis até. O que eu quero trazer de ideia aqui é que nenhum de nós é inteligente por conta própria, somos apenas neurônios do grande cérebro que é a humanidade, algoritmos de “barulho” gerando impulsos aleatórios para todos os outros, até que por pura chance um deles torne-se conhecimento humano reprodutível.

De certa forma, o universo só existe se tiver alguém que se importe com o conceito de existência. E sem um gerador de ruído como uma espécie consciente, jamais poderíamos ter tido essa percepção. Eu lembro de já ter lido e ouvido muito sobre consciências coletivas, mas sempre achei uma baboseira mística… só que diante dessa lógica, talvez sejamos um mesmo. Não uma alma conjunta ou algo do tipo, mas uma inteligência conjunta. Um ser humano é tão capaz quanto a soma das suas conexões com a compreensão coletiva. Sozinhos temos uma parte do processo, mas não todo ele. Se cada pessoa tivesse que inventar a escrita antes de escrever, jamais teríamos deixado registros, como, de fato, não deixamos pela maior parte da nossa história. Se cada um tivesse que aprender todos os detalhes sobre o funcionamento do corpo humano sozinho, nossos médicos estariam formados com setenta anos de idade, e ainda sim seriam bem ruins.

A inteligência humana só existe em conjunto. Mesmo que o indivíduo esteja isolado, tudo o que sabemos é compartilhado de alguma forma. E você está sendo contaminado por isso agora. O que a sua parte do processo diz sobre isso?

Para dizer que foi bem aleatório, para dizer que queria a conclusão da história, ou mesmo para dizer que assim que entender, me explica: somir@desfavor.com


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