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A parte que toca.

A parte que toca.

| Desfavor | | 8 comentários em A parte que toca.

Todos nós temos um ou mais artistas ou bandas preferidas na música. E muitas vezes a única chance de ver e ouvir essas pessoas ao vivo é comparecendo em shows gigantes e lotados. Sally e Somir discutem a validade de encarar isso.

Tema de hoje: Vale a pena pagar caro para ver sua banda favorita no Brasil?

SOMIR

Claro que vale. Não vale perder o emprego para ficar na fila, não vale deixar faltar comida em casa ou arriscar sua saúde terrivelmente, mas… pagar caro para ter uma experiência dessas, de vez em quando? Evidente que vale. E meio que já criando uma confusão no primeiro parágrafo: o nível do seu gosto musical tem tudo a ver com isso. Sinto muito dizer isso, mas tem tipos de música que atraem pessoas mais… como dizer… evoluídas. A minha experiência com shows grandes é totalmente composta de eventos onde a maioria das pessoas não eram exatamente expoentes do estilo BM de ser.

E talvez aí, a diferença entre a minha opinião e a da Sally: quando eu lembro de um show gigante, desconfortável e caro, eu lembro do show do Radiohead. O ser humano se comporta bem em eventos desse tamanho? Não, claro que não. Mas uma coisa é a turma do Carnaval se comportando mal e outra, desculpa a honestidade, é a turma que vai ver show do Radiohead. A diferença entre estuprar e não pedir licença para passar… então, eu entendo que possa estar tirando minhas opiniões de um mundo bem mais civilizado que o da Sally, mas mesmo assim, o clima do seu show combina mais ou menos com os fãs daquele tipo de música.

E, convenhamos: dependendo de onde vai a sua faixa de gostos musicais, você está mais confortável com o seu tipo de gentalha. A gentalha Radiohead tem o nariz um pouco mais empinado e é menos “honesta” nos seus sentimentos, o que pra mim gera uma convivência tranquila. A gentalha de um show de metal normalmente é mais fedida e dá umas porradas quando forma roda, o que eu pessoalmente consigo aguentar. A gentalha de um show de “fânque”, por exemplo, bom, essa realmente está totalmente fora dos meus hábitos e estilo de vida, então eu claramente não me sentiria bem num grande show de um dos expoentes do gênero.

E cada gentalha (nós incluídos) vai ter seus pontos positivos. A gentalha alternativa vai ser mais pacífica, a gentalha metaleira vai ser mais acolhedora (e todo nerd sabe que esse é o grupo que mais aceita as pessoas), a gentalha funk, sertanejo, pop… bom, essas devem ter suas vantagens para quem tem esse gosto. Se eu tivesse que pensar num show da Anitta, por exemplo, estaria do mesmo lado da Sally na discussão: não vale. Não vale pela música, pelo clima, pela gente que frequenta… mas é só pensar no tipo de show que combina com você que vai parecer muito menos doloroso o processo.

Claro que com o passar do tempo o ânimo diminui. Lembro que quando fui no show do Prodigy (éééé) quando aborrescente, foi energia pura o tempo todo, e sem usar nenhuma droga (pelo menos diretamente). No show do Radiohead, por exemplo, eu já estava mais velho e meio cansado lá pelo meio. Mas, faz parte do pacote que você comprou. Não sei se pagaria caro para ver qualquer banda que gosto hoje em dia num show megalomaníaco do tipo, mas eu tenho umas três ou quatro bandas que ainda me valem as horas de sofrimento e a pancada na conta bancária. Por isso que na pergunta de hoje tem a definição de banda favorita. Não estamos discutindo se shows em geral valem qualquer esforço, e sim se quando é um artista especial para você, vale o esforço.

Ver um show na TV é bacana também, mas é outra coisa. É que nem ver um DVD (lembra dos DVDs?) ou um especial da banda. O fator ao vivo não existe nem se for uma transmissão ao vivo. A graça de ver sua banda favorita in loco tem a ver com a experiência, a pirotecnia, a catarse coletiva. É um evento local sem tradução numa tela. Eu confesso que acho um conceito brega, mas tem uma coisa em estar cercado de pessoas curtindo a mesma coisa que você, que de alguma forma entendem a graça daquilo de forma parecida, um elemento inexplicável de conexão humana que só existe naquele ambiente.

E se você só vai em show pra ver se pega alguém ou para fazer uma social… bom, você não vai entender isso. Anitta OU Radiohead aqui. Se você pira e se identifica com as músicas, sejam elas pops ou alternativas, o show tem algo para te entregar que vai muito além do som ou da proximidade que o artista está de você. Quem sou eu pra dizer o que inspira e cativa cada um… mas posso te garantir que quem sabe do que eu estou falando sobre ter um gosto musical bem próprio e conectado com o que realmente se é e sente sabe também do que eu estou falando sobre experiência.

Cada um pode sentir isso com a música que quiser, mas tenha certeza que quanto mais de nicho é a música, mais gente desse tipo está congregada naquele ambiente. E os show ficam muito melhores. A gente passa o dia todo fazendo coisa chata para ter um tempinho de diversão e conexão, por que seria diferente num show? Desde que você vá tirar a experiência única daquele evento, sofrer com trânsito, filas e desconfortos em geral não passa da nossa vida cotidiana. Se você encara congestionamento para ir trabalhar, não parece estranho achar ruim justamente quando você vai ter uma recompensa depois?

Se você acha que shows da sua banda favorita não valem o preço e o esforço, eu sugiro achar um gosto musical que combina mais com você e com as pessoas que você quer conviver. E se isso nunca combinar, divirta-se com outro tipo de gentalha durante o show e volte pra sua vida normal depois. Todo mundo tem essa capacidade de trocar de gentalha querida de acordo com a necessidade. A culpa não é do show, é de quem vai nele.

Para dizer que eu estou ficando bom em disfarçar o elitismo, para dizer que seu gosto musical é mais alternativo que o meu, ou mesmo para dizer que eu só tenho enveja da sua gentalha (a minha é melhor!): somir@desfavor.com

SALLY

Hoje, um tema light, onde não há certo nem errado, apenas argumentos a ponderar em conjunto com suas prioridades: vale a pena pagar uma fortuna para ir a um show da sua banda favorita no Brasil?

Antes de mais nada, vamos diferenciar show de apresentação. Não estamos falando de um evento em um teatro, com cadeiras confortáveis e ar condicionado. Estamos falando de show, aquele ao ar livre, aquele com público de seis dígitos, pois a intenção é justamente confrontar o perrengue que ele implica x o que ele tem de bom.

Vocês sabem que quando eu sou fã, eu sou fã com força. Não uma fã normal, que sabe as músicas da banda. Sou uma fã que acompanha e comenta cada notícia do ídolo, reescreve sua biografia com palpites pessoais e dorme 3 horas por noite para fazer a cobertura dele em um reality cagado. Me falta equilíbrio e sanidade. Ainda assim, eu não pagaria caro para ver minhas bandas/cantores favoritos em um show.

Show no Brasil é sinônimo de bagunça, transtorno e desconforto. Preços de ingressos astronômicos, que às vezes ultrapassam os mil reais (oh yes, Rio de Janeiro, baby!) para um evento onde sequer haverá um banheiro decente, onde a fila para comprar uma água (cara pra caralho) pode demorar horas, onde não há a menor infraestrutura para nada me fazem broxar. Cheguei a uma idade onde quero conforto, não aventura. Na verdade, verdade verdadeira, eu acho que nasci assim, mas durante muito tempo me obriguei a fazer essas bostas por pressão social. Bem, não mais.

Temos a questão da segurança, que para mim pesa muito. Não me refiro apenas à criminalidade, pois isso já faz parte do dia a dia do carioca. Falo também de todas as merdas que podem acontecer quando temos mais de cem mil pessoas reunidas e consumindo álcool (e talvez outras drogas). Não dá certo em um país pouco civilizado como o Brasil. Multidão + bebida = estresse. Principalmente se você for mulher, com cara de idiota e um metro e meio de altura. Pagar caro para levar uma porrada de dano colateral pela briga de dois bêbados que estão ao lado, para ser puxada pelos cabelos ou para aturar qualquer reflexo da falta de civilidade alheia é algo que não me atrai. Não tem música no mundo que valha isso.

Além disso, o show em si é 10% do tempo que você vai investir no evento. Vai ter que sair de casa cedo, (pois geralmente esses eventos de grande porte não são em centros urbanos e sim na casa do caralho), pegar um trânsito infernal, (pois vai ter muita gente indo para o mesmo lugar), enfrentar dificuldades com transporte, (transporte público abarrotado ou falta de lugar para estacionar com preços extorsivos) e enfrentar as intempéries climáticas enquanto fica horas na fila.

Os desdobramentos de sair de casa cedo são que, fatalmente, em algum momento, você vai precisar comer, beber água e ir ao banheiro. Tudo isso, em uma arena de show, pode ser muito caro, demorado e desagradável. E se a ida já foi cansativa, imagina a volta! Na ida vai cada um em um horário, já na volta… acaba o show e sai todo mundo junto, formando filas e congestionamentos bizarros! Tudo isso de torna mais trágico se você pensar que a pessoa sai dali cansada, depois de ter passado mais de dez horas fora de casa, provavelmente de pé. Não, obrigada. Vejo pela TV. Pode não ser a mesma coisa, mas ao menos tem uma privadinha limpa e uma comidinha bacana para compor o evento. Sério mesmo, estou vendo a hora que meu corpo vai se fundir com o sofá, cada vez menos tenho vontade de sair de casa para esses grandes eventos.

É uma particularidade minha usar viagens como unidade monetária. Lembro que queria muito ir a um show que custava, só o ingresso, R$ 800,00. Ai pensei: isso é um final de semana em Buenos Aires, o que eu prefiro? Viajar, sempre. Não sei qual é a sua unidade monetária: roupa, livros, cursos, jogos de videogame… não importa. Quando você confronta um prazer passageiro como um show, que dura poucas horas, dificilmente ele vença sua unidade monetária. É uma experiência bacana? É sim, mas acho muito cara e trabalhosa para o que ela dá em retorno.

Fora que, muitas das vezes, o artista está cagando baldes para aquele show que ele está fazendo na República das Bananas. Entram bêbados no palco, esquecem a letra, fazem um show mais ou menos. Sabemos que as bandas que acabam passando por aqui são aquelas que costumam estar mais em decadência do que no auge. Isso quando não são umas fraudes criadas em laboratórios/gravadoras, que só cantam em playback, fazendo do evento uma espécie de show de ventríloquo dançado. Então, reflitam. Depois dos 30, passionalidade é problema emocional. Será que vale realmente à pena tanto transtorno?

A parte visual do show também deixa a desejar. Por mais que o áudio não seja o mesmo de um DVD da banda, certamente no visual se aprecia o show muito melhor pela TV. No meio da muvuca dificilmente você vai conseguir ver os detalhes da apresentação (ao menos se for anão como eu). Só se ficar lá na frente, o que implica, entre outras coisas, em risco de morte por esmagamento de órgãos no alambrado. Pagar caro, passar perrengue para ver o artista do tamanho de uma moeda de um real? Não, tô fora. Não acho que compense.

Vamos pensar friamente: o que um show te acrescenta, além da oportunidade de ver um Fulano cantando? No que sua vida melhora? Que bagagem você leva disso? Como isso te torna uma pessoa melhor? Show é lazer vazio. Nada contra, pratico diversos tipos de lazer vazio, mas porra, pagar tão caro e ter tanto transtorno por algo que não transforma sua vida? Não me parece razoável. A mim não sobra dinheiro para jogar mil reais pela janela por duas horas de música, nem tempo para perder em todo esse processo de deslocamento e filas. Tenho outras prioridades.

Nenhum evento onde 90% do tempo seja sofrido e apenas 10% seja bom me interessa. Horas de deslocamento, horas de fila tomando sol na moleira ou chuva nos cornos, banheiro imundo, comida e água ruins e com muita fila de espera, violência, assédio, horas e horas de espera (alguém já viu um show começar na hora?), risco alto de falta de comprometimento do artista, mais transtorno para voltar para casa. Na boa, duas horas bacanas não compensam essas outras 12 horas de extremo perrengue que vou passar. Não tenho mais idade nem vontade. Joguem pedras, eu trabalho demais e, no resto do tempo, eu me exercito demais. No tempo livre eu quero é conforto.

Para dizer que eu nasci com 83 anos de idade, para dizer que duvida que eu não enfrentasse 3 dias de fila para ver o Pilha mandar um playback decadente ou ainda para concordar comigo de forma anônima, por causa da pressão social: sally@desfavor.com


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