Skip to main content
Logan

Logan

| Somir | | 8 comentários em Logan

A última (em tese) aparição de Hugh Jackman como Wolverine nos cinemas é um desastre! Um desastre para os outros filmes baseados em heróis dos quadrinhos. Eu confiava tanto na premissa do filme que fiz questão de não saber nada sobre ele – nem mesmo o trailer – antes de ir ao cinema. Não queria saber a história, não queria saber a classificação etária, não fui procurar nem os outros atores que estariam no filme. Decisão acertadíssima. Por isso, já aviso que vou falar sobre o filme hoje, e se você ainda tem a oportunidade de ver sem te contarem muito sobre o que é esse filme, aproveite. Vá ver e só leia este texto depois.

E se você já está aqui, ou viu o filme ou não liga para ter a mesma experiência “às cegas” que eu tive. Vai ter spoiler até dizer chega, então, todos avisados, certo?

Logan acerta no alvo quando resolve contar uma história pequena. Minúscula até pelos padrões de outros filmes baseados em quadrinhos. Nada de exércitos de alienígenas invadindo o planeta e destruindo cidades, nenhum vilão extremamente poderoso ameaçando a existência do universo, não… Logan é um filme sobre personagens e suas relações. Claro que tem ação para manter qualquer um entretido, mas ao contrário de 99% dos últimos filmes do tipo que saíram nos últimos anos, você é convidado a se importar com as pessoas.

O filme gasta seu tempo te fazendo conhecer as personagens principais, não os poderes incríveis dos heróis, mas como é a vida deles com esses poderes. Confesso que eu me diverti com vários dos últimos filmes da Marvel e da DC (sim, até da DC!) sobre o universo dos quadrinhos, mas depois de quinze minutos de Logan, os outros filmes pareciam estragados para sempre.

Você não percebe como se importar com as pessoas na tela faz falta até alguém fazer isso direito. Logan tem provavelmente a melhor cena inicial do gênero até hoje: uma aula de como definir o tom da história e de como colocar peso nos acontecimentos da cena. A primeia palavra do protagonista é um “fuck”, estabelecendo que não vamos ver mais um filme de super heróis, que aquilo ali é algo à parte.

Eu tinha noção que seria um filme mais adulto que os outros da série, mas não o QUANTO seria. Logan é violento e visceral até dizer chega, mas o sangue e as tripas não são um veículo de exagero e humor como foi em Deadpool, por exemplo, apesar das cenas pesadas, é tudo muito sóbrio e relevante para a história. Quando Wolverine usa suas garras para cortar membros e furar cabeças logo nos primeiros minutos do filme, não parece gratuito, aliás, muito pelo contrário: as cenas são tão pesadas e passam tanto impacto que você começa a entrar na cabeça dele… imagine só uma (loooonga) vida de dispensar esse tipo de violência terrível? É claro que Logan está traumatizado até seu limite.

Gosto de filmes extremamente violentos e com cenas grotescas, mas garanto que eu me recuei na cadeira do cinema e fiz caretas com muitas das cenas de pancadaria sangrenta do filme. Não porque eram as coisas mais pesadas colocadas numa tela, mas porque cada porrada tinha peso e consequência. As cenas de ação são tão bem montadas que seu cérebro tende a esquecer a suposta invulnerabilidade do protagonista. Parece que todo mundo pode morrer a qualquer momento, e que não tem escapatória milagrosa. O filme quase entra naquele território Game of Thrones onde você nunca está seguro sobre a sobrevivência de personagens da trama.

E aí mais um motivo pelo qual outros filmes de heróis de quadrinhos estão estragados pra mim: seres com esse grau de poder são devastadores. Wolverine puto da vida é uma força da natureza que deixa uma trilha de pedaços de corpos pelo caminho. Só resta torcer para que essa força esteja caindo sobre seus inimigos, porque não há controle disso. O fato de fazer os poderes de Logan terem tanto peso dramático nas cenas, de ver o sangue voando e as mortes instantâneas de praticamente qualquer um que dá de cara com suas garras finalmente dá ao herói o tamanho que ele deveria ter.

Outros filmes passam tanto tempo tentando demonstrar o tamanho das capacidades de seus heróis ao destruírem cidades e explodir tudo no caminho que acabam esquecendo uma das coisas mais básicas da psique humana: a empatia. Por mais que seja grandioso explodir um prédio com um raio, a maioria das pessoas vai se sentir muito mais “ameaçada” com a ideia de uma violência terrível causada contra elas. Ver Logan cortando um braço fora como se fosse uma faca quente na manteiga traz aquele impacto pra vida real de forma muito mais poderosa que um gigante verde explodindo robôs ainda mais gigantes.

E temos que falar sobre as consequências dos poderes para cada um. Professor Xavier começa o filme com mais de 90 anos de idade, escondido numa caixa d’água desativada e sendo sedado constantemente. Xavier, para quem não sabe, é um dos mutantes mais poderosos que já existiu e tem em sua mente a fonte deles. O filme responde a pergunta do que acontece quando o cérebro mais poderoso do mundo fica doente. Os poderes de Xavier continuam gigantescos, mas ele está gagá. É o tipo de coisa que só aumenta a tensão sobre os poderes mutantes, muito mais do que um vilão com capacidades ilimitadas. Xavier, sendo o perigo que é, só nos faz enxergar melhor o que tem por trás de Logan. Era bem mais fácil ter matado seu mentor e se livrado do problema.

O bacana é que o filme estabelece um dos heróis mais famosos e admirados dos quadrinhos como um perdedor amargo vivendo num mundo que já não faz o menor sentido para ele. A história do filme diz que mutantes pararam de nascer há décadas, os que sobraram ou morreram ou estão muito velhos. Wolverine, com seu fator de cura, continua relativamente jovem como uma relíquia de tempos antigos, desconectado de quase todos. E dá pra sentir isso na história, nas cenas… esse é o grande diferencial de Logan, você consegue descrever tanto os personagens principais quanto os coadjuvantes e vilões como algo além de suas roupas e poderes. É por isso que as cenas de ação funcionam!

E falando em ação, vamos falar de X-23, a criança do filme. Sou da teoria que crianças estragam quase todos os filmes que participam, mas até nisso Logan soube fazer funcionar. A garota, que é filha (genética) de Wolverine, passa mais da metade do filme sem falar, o que é sempre um alento, e nas outras partes ou está eviscerando pessoas ou sendo um bicho do mato em geral. Até por isso é divertida a aproximação entre Logan e a garota, não é uma asneira de relação forçada pelo roteiro, e sim uma relação entre pai e filha que se estabelece por atos de ambos. Eu normalmente odeio crianças em filmes, mas a de Logan quase que rouba a cena dele de tão bem montada e interessante.

E eu mencionei a vantagem de ter uma história pequena: a primeira metade do filme é sensacional numa mistura de filme de ação competente e drama com humor negro sobre três pessoas muito diferentes forçadas a fazer uma viagem juntas. Espetacular. A segunda metade do filme perde um pouco o gás por ter que começar a desenrolar a história e encaixar questões maiores que o trio e suas aventuras. Mas mesmo assim, a segunda metade do filme é mais forte e emocional que todos os outros filmes de quadrinhos que eu já vi.

Logan (o filme) é pesado sem ser gratuito, é divertido sendo ranzinza, e sabe ser bem emocional sem ser piegas. Eu normalmente não faço análises de filmes, mas esse merece. Wolverine “morre” no auge. Medo de quando fizerem o reboot, mas enquanto isso, vamos curtir esse momento. Filmes de super heróis podem ser muito bons sim. Ouvi a comparação que Logan está para os filmes de quadrinhos assim como Cavaleiro das Trevas está para os quadrinhos: o momento onde o mercado percebe que dá para subir o nível e conversar com outro público numa boa. Espero que continue assim.

Para dizer que se eu gostei deve ser chato, para dizer eu não contei o spoiler do filme, ou mesmo para dizer que chorou mágrimas lásculas: somir@desfavor.com


Comments (8)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: