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Relatos de um médium cético.

Relatos de um médium cético.

| Desfavor | | 5 comentários em Relatos de um médium cético.

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Relatos de um médium cético.

Olá pessoal, após muito tempo sem escrever eis que estou de volta. Desde a primeira vez que coloquei meus pés na Umbanda, tenho vontade de escrever sobre mediunidade e em como ela influenciou minha vida. Apesar de ter um pé no espiritismo, continuo sendo uma pessoa cética e vivo em um eterno conflito de acreditar desacreditando. Em todos os momentos que eu começo a me envolver demais com o lado espiritual, chega algum cético estilo Somir e me deixa com a pulga atrás da orelha. Por outro lado, aprendi muito sobre a vida conversando com os guias que me acompanham. Em uma conversa com uma preta velha, ela me incentivou a sempre escrever as coisas que sinto, então é isso o que irei fazer. Não pretendo converter ninguém, nem convencê-los a acreditar nas minhas experiências pessoais. Quero apenas compartilhar algumas coisas que aconteceram em minha vida e tentar demonstrar que muitas vezes a experiência espiritual é mais simples do que parece. Espero que gostem.

I – O soldado

Meu primeiro contato com o exército foi aos oito anos de idade, quando fiz uma excursão para conhecer a Escola de Cadetes de Campinas. Ao chegarmos lá, fiquei maravilhado com a marcha militar e todos os aparatos bélicos. Em determinado momento, me afastei do grupo e me aproximei de um soldado que estava parado perto de uma porta. Fiquei olhando pra ele, principalmente para a arma que ele portava no coldre. Ele me olhou e perguntou:

_Você quer segurar a arma?

Respondi que sim e ele tirou a arma do coldre, retirou a munição e disparou um tiro com a arma vazia para se certificar que estava segura. Ele me entregou a arma e senti o peso dela em minhas mãos. Na minha cabeça de criança, era a coisa mais pesada que eu já tinha colocado as mãos e mal conseguia manejá-la corretamente. Outra criança do grupo estava se aproximando quando o soldado disse:

_Melhor me devolver agora.

Devolvi a arma, ele recolocou a munição e a guardou no coldre. A outra criança então voltou para o grupo, já que estava interessada apenas na arma. Então o soldado colocou a mão no meu ombro e disse:

_Ao segurar essa arma, você sentiu um pouco do peso que é servir o país. Quando fizer 18 anos você voltará aqui e irá servir o exército, então sentirá novamente o peso da responsabilidade que é decidir entre a vida e a morte.

Ao voltar para o grupo, contei o que tinha acontecido, mas ninguém acreditou em mim. Todos no momento estavam prestando atenção em uma apresentação de blindados e o único que havia me visto com o soldado não fazia questão de falar que aquilo era verdade. Então apontei na direção em que o soldado estava, insistindo para que fossem perguntar para ele. O soldado havia sumido e fiquei conhecido como mentiroso até o dia em que mudei de escola. Porém aquela situação nunca saiu da minha cabeça e dez anos depois lá estava eu na escola de cadetes, tentando escolher aonde eu iria servir. Ao longo desses dez anos entre minha infância e minha adolescência, tentei não dar tanta importância para a profecia do soldado. Porém, quando o capitão da companhia me perguntou “Você vai querer mesmo servir?”, essa lembrança me fulminou como um raio e só consegui dar uma resposta:

_Sim, eu quero.

Foi uma resposta que me arrependi várias vezes de ter dado, principalmente quando os superiores decidiam sacanear os novatos. Por outro lado, a convivência no quartel me ensinou muito sobre hierarquia, responsabilidade, companheirismo e firmeza. Não é algo que recomendo para qualquer um e acho a seleção militar ridícula, já que muitos recrutas levavam o conhecimento militar para pessoas envolvidas com a criminalidade. De qualquer maneira, todos os dias que eu servi me lembrei do que aquele soldado havia me dito, principalmente a parte que eu teria a responsabilidade de decidir entre a vida e a morte. Até que certo dia, um sargento que se dedicava fortemente a tornar minha vida um inferno tirou guarda comigo.

Eu gostava de tirar minha guarda no paiol, que ficava escondido no meio de um matagal e era considerado o lugar mais perigoso do quartel. Todo armamento e munição ficava lá, então podia ser visado por bandidos. Além disso, qualquer faísca podia ser o suficiente para mandar o lugar pelos ares. Naquela noite, no meio do matagal, vi o tal sargento se aproximando para fazer o reconhecimento do meu posto. Olhei para a arma e me lembrei de todas as vezes que ele me humilhou. A cada passo que ele dava na minha direção, eu pensava se devia atirar ou não. Seria fácil dar uma desculpa de que ele havia errado a senha da guarda ou algo do gênero, mas algo falou mais alto e não atirei. Ele continuou me humilhando até o meu último dia de serviço, sem saber que eu havia pensado em atirar no meio de sua cabeça.

Após esse dia, minha mediunidade foi se abrindo aos poucos e comecei a ter minhas primeira experiências com o outro lado. Para quem não conhece, a brigada de Campinas fica em uma fazenda que por si só é cheia de histórias. Durante o meu ano servindo, conheci um cabo que jurava de pés juntos que havia escoltado o ET de Varginha. O mesmo cabo jurava que tinha atirado em disco voador que havia pousado no paiol, então não dei muita credibilidade para as histórias dele. Porém, lá estava eu de novo, tirando guarda no paiol quando começo a escutar um barulho. Deixo o fuzil em posição de tiro e aguardo. Do meio das árvores sai um militar com capacete, mochila e todo paramentado para uma batalha campal, o que não era comum. Gritei para que ele parasse e se identificasse, mas ele continuou vindo em minha direção. Dei um segundo alerta para ele parar, avisando que ia atirar. Ele não parou, então engatilhei a arma e me preparei para o tiro. Meu coração estava acelerado e a adrenalina já tomava conta, quando ele sumiu diante dos meus olhos. Confuso, fiquei procurando-o achando que tinha se escondido em algum lugar e nada. Para não me meter em confusão, retirei a bala engatilhada, fiz o tiro de segurança com a arma sem munição e continuei o resto da noite como se nada tivesse acontecido.

Depois daquela noite não tirei mais guarda no paiol, achando que iria fazer alguma cagada se continuasse passando a noite lá sozinho. Mudei meu posto de guarda para o palanque do Coronel, um lugar mais iluminado e mais próximo da guarita do batalhão, que era aonde dormíamos durante as noites de guarda, que eram extremamente estressantes. Caso fossemos pegos desprevenidos em algum momento, mesmo nos momentos de descanso na guarita, era prisão na certa. Eu mesmo já fui preso por ter sido pego dormindo, então tentava manter o máximo de atenção possível. Eis que de repente, vejo com o canto dos olhos alguém do meu lado no palanque do Coronel.

_Peguei você soldado. – ouvi a pessoa falando e já me preparei para passar uma semana preso no quartel. Porém, ao me virar, não havia mais ninguém ali e pude respirar aliviado por ter sido apenas uma ilusão.

Histórias como a minha eram comuns entre os recrutas e entre os veteranos também. Todos em algum momento haviam presenciado coisas estranhas no quartel, desde fantasmas a extraterrestres, mas ninguém gostava muito de ficar falando sobre o assunto, para não ser chamado de maluco. Mesmo tendo minhas próprias experiências, eu não acreditava nessas histórias e achava que tudo tinha uma explicação lógica. Só que eu sou meio medroso e em outra noite lá estava eu tirando guarda na vila de oficiais, um bairro próximo do quartel, quando vejo uma luz distante lá no céu. De saco cheio de passar a madrugada inteira ali de pé, falo comigo mesmo:

_Bem que podia ser um disco voador e vir aqui me buscar.

A luz começa a se aproximar e sinto um frio na espinha. Ela fica a alguns metros do chão, iluminando tudo ao seu redor e continua em minha direção. Fico inquieto, pois na vila dos oficiais tirávamos guarda sem armamento e minha única proteção eram meus próprios punhos. A luz para num determinado ponto e começa a esquadrinhar o terreno. Depois disso volta a vir na minha direção e já estou me tremendo todo. A poucos metros de mim, a luz para novamente, aponta na minha direção e uma voz pergunta:

_Ei soldado, tudo tranquilo por aí?

_Sim senhor. – respondo.

O helicóptero continuou seu caminho, esquadrinhando a área ao seu redor. Percebo então que eu havia urinado nas calças e passei o resto da noite fazendo o máximo possível para secar o xixi. No dia seguinte ainda precisei ficar o dia inteiro no quartel cheirando a mijo e não teve muito como disfarçar. Descobriram que eu havia me mijado, mas justifiquei que havia feito nas calças para não abandonar o posto da guarda. No final das contas fui elogiado pelos superiores, mas sacaneado sem piedade pelos outros recrutas.

Independente das histórias e dos sustos, minha maior experiência naquele ano foi com meu avô. Quando jovem, meu vô sonhava em servir o exército, mas foi dispensado por morar em zona rural. Por isso, não tive dúvidas de que o convidaria como meu padrinho de boina preta. O curso da boina preta foi de uma semana, mas pareceu durar uma eternidade. Imaginem uma semana de suor, cansaço, estresse físico, estresse mental, sujeira e dor que terão uma pequena noção do que é essa desgraça. Não tive que tomar sangue de frango nem nada do gênero, mas quando cheguei em casa estava tão cansado que dormi dois dias seguidos. Dessa maneira, quando meu avô me entregou a boina preta, eu chorava feito criança. Até que um brilho dourado acima da cabeça dele me chamou a atenção e fiquei tentando entender o que era aquilo.

Naquele ano faltou verba e o serviço militar durou apenas seis meses, sendo que o normal é um ano. Fui dispensado e voltei a viver minha vida normal. Algumas semanas após minha dispensa, meu avô começou a sentir muitas dores nas costas e precisou vir para Campinas, para fazer alguns exames no hospital. Ele dormiu no meu quarto e eu fiquei a noite inteira acordado, olhando para aquele estranho brilho dourado na cabeça dele. Na manhã seguinte tomamos café da manhã juntos e ele disse que não queria ir para o hospital por causa de um mal jeito nas costas. Mesmo assim meu pai o levou para o hospital e meu avô ficou internado para uma análise mais detalhada. Após um exame de Raios-X, descobriram um câncer e até tentaram fazer uma cirurgia de emergência. Durante a cirurgia, descobriram que tumor havia tomado vários órgão e meu avô acabou falecendo. Durante o velório minha avó veio falar comigo:

_Se ele não tivesse ido para o hospital, teria continuado vivo. – ela disse

_Mas vó, ele estava com muita dor e isso só ia piorar.

_Obrigado meu neto, por ter convidado ele para te dar a boina preta. Ele ficou muito feliz e não falava de outra coisa, de como ele realizou o sonho dele através de você.

Outros dez anos se passaram até eu começar na Umbanda. Durante meus primeiros meses no terreiro, participei de um curso de desenvolvimento para aprender a utilizar a mediunidade. O primeiro guia que senti foi o Exu, mas muitos terreiros não permitem que o Exu seja o primeiro guia a ser incorporado, por ser uma energia muito difícil de ser controlada. Por isso, só me abri ao Exu quando me senti mais seguro com relação ao processo de incorporação. Durante essa experiência, ele se apresentou a mim e algumas coisas começaram a se encaixar na minha cabeça. A primeira vez que o vi em minha mente, fui pego de surpresa.

Meu Exu se apresentou como um soldado.

Texto dedicado a Antônio Preto Cardoso, meu querido avô.

Por: Tender


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