
Terra de garotos.
| Desfavor | Desfavor da Semana | 11 comentários em Terra de garotos.
+De acordo com a OECD, 41% dos brasileiros não se interessam por política, o que nos coloca como segundo país do planeta menos engajado no assunto.
A foto te chamou a atenção, né? Mas a notícia escolhida é essa mesmo. E tudo se conecta como desfavor da semana.
SALLY
Um relatório usando critérios bastante coerentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OECD) aponta o Brasil como o segundo país do mundo onde as pessoas MENOS se interessam por política. Essa constatação endossa nossa teoria tantas vezes comentada por aqui: o brasileiro gosta de parecer ser, mas seus atos não se alinham com seu discurso, pois quando mais ele diz ser uma coisa, menos ele a é.
Um país onde as pessoas brigam com a amigo por causa de política, passam horas por dia em rede social escrevendo sobre o assunto em rede social e até vão às ruas tretar, bater, apanhar e serem presos por políticos que nem brasileiros são é o segundo colocado em menos se importar com política. Mas que vergonha, não? Discurso vazio, Brasil. Não me admira que votem em incoerentes hipócritas, o povo coloca este jeitinho de ser em prática todos os dias.
Se o brasileiro se importasse com política o PT não tinha ficado mais de dez anos no poder, roubando acintosamente. Figuras como Collor e Maluf não se elegeriam reiteradas vezes. O brasileiro saberia em quem votou nas últimas eleições e os motivos da sua escolha. Não. Não tem interesse em política, tem interesse em estar certos. Escolhe um lado (partido) que ostente o que eles acham bacana ostentar e aderem a ele, apenas para ficar repetindo slogans e vestir um estereotipo que sei lá por qual problema de autoestima lhes faz bem vestir. Daí em diante permanecem nesse grupo para toda a eternidade, não importa o quanto o partido se mostre escroto e corrupto. O que importa é ter a sensação de pertinência em um grupinho. Defendem bandidos com unhas e dentes por não querer perder o grupinho.
Sem qualquer estudo, sem qualquer preparo, sem qualquer conhecimento, cospem opiniões em tom de verdades e falam bosta por cima de bosta, com uma certeza assustadora. Não apenas sobre política, é lamentável a oratória estrume envolvendo as prisões de Sergio Cabral e Gatorinho, evocando o Princípio da Presunção de Inocência, estuprando instrumentos legais, legítimos e constitucionais como a prisão temporária e a prisão preventiva. A pessoa não quer discutir política, ouvir o outro lado, refletir, coletar informações. Ela quer estar certa, agredir e antagonizar, com base em achismo. Sinceramente, eu acho que o brasileiro nem ao menos sabe o que é discutir política. Discutem a vida dos políticos, as acusações dos políticos, mas política? Não conseguem.
O grande vexame protagonizado por Garotinho esta semana é um belo exemplo disso. O Rio de Janeiro rachou em dois grupos: meia dúzia de gatos pingados que acham que o ato feriu a dignidade do Garotinho (spoiler: Garotinho feriu a dignidade de Garotinho, no dia em que fazer escândalo evitar prisão, estaremos com problemas) e uma maioria esmagadora com sangue nos olhos que acha que ele tem é que se foder muito, que torce não apenas para que ele seja preso, como também torturado, que apanhe, que seja maltratado e por final assassinado no presídio “para aprender”. Em momento algum se discute política. Se discutem pessoas, vingança, juízos pessoais de valor. Ruim. Péssimo. Não sei nem por onde começar. É evidente que esta discussão passa longe de política, mas além disso, é bizarra mesmo para outras áreas. Vamos olhar mais de perto o vídeo?
Como vocês podem ver no vídeo que disponibilizamos, a partir dos 7 minutos e 50 segundos Garotinho começa a dar ordens nos policiais que estão ali para transferi-lo para o presídio: “Eu não vou. É o caralho que você vai me levar”. Ele continua afirmando que não vai. Talvez pelos muitos anos de criminalidade, ele não saiba bem como a justiça funciona. Ele acha que a vontade dele se sobrepõe à lei, pois, bem, foi uma vida toda assim. Custa mudar o mindset do dia para a noite.
Ele esperneia, xinga, ameaça os policiais. Sua esposa Rosinha, e sua filha Clarissa dão um barraco classe Z que mostra ser possível tirar a pessoa de Campos mas impossível tirar Campos da pessoa. Nesse ponto, palmas para o Cabral, a finesse como foi até o presídio mostra claramente a diferença de nível entre as duas famílias. Na roubalheira são a mesma merda, mas Cabral teve um pouco mais de dignidade, tomada logo depois com a vazamento em redes sociais dele com cabelinho raspado e uniforme de presidiário.
Confesso que quando vi o vídeo, me solidarizei com aquela família. Eu, mais que ninguém, que já trabalhei para eles, sei o quanto são criminosos, inescrupulosos e filhos da puta, porém, o sofrimento ali era verdadeiro. Ver a Clarissa chorando e implorando para ir na ambulância com o pai me deu um aperto no peito. É que eu, não sei se vocês se lembram, sempre consegui me colocar no lugar de bandido e, apesar de ser bandido, sentir o sofrimento alheio. Eu sempre fui categoria em afirmar que não é por ser bandido que deva ser torturado, destratado, sacaneado. Continua valendo. Não acho que Garotinho tenha que ser torturado, maltratado e muito menos morto. Se você pensa o contrário, reflita, evolua como ser humanos, pois você é tão desprezível quanto aqueles a quem ataca.
Percebem o quanto a discussão está “antes” de política? Estamos discutindo a base, o essencial, o primordial. Direitos Humanos, tortura, vingança. O Brasil está tão involuído que precisamos discutir a base antes de chegar sequer perto de uma discussão verdadeiramente política. É como pedir para um bebê que começou a engatinhar para correr uma maratona. Estamos séculos distantes de uma possibilidade de discussão política. Só que ninguém sabe ou aceita isso, se acham os politizadões, porque agora é status ter uma opinião sobre partidos e candidatos.
Minha comoção com o sofrimento das Garotinhas não durou muito. Logo depois vi um vídeo dela intimidando um médico para dar um laudo (falso) que mantivesse o pai no hospital. Coisa feia. Tudo na vida eles conseguiram assim, com intimidação, mentira, corrupção. Lembrei daquela época negra na minha vida, em 2006, onde ele fez uma greve de fome para conseguir o que queria (candidatura à presidência), tentando acuar aqueles que o contrariavam. Obrigou todo o funcionalismo público a comparecer a atos de apoio a ele. Em um desses atos, uma pessoa próxima a ele na qual eu confio muito me confidenciou que ele não estava fazendo greve de fome porra nenhuma, que colava frios na parte interna da tampa da caixa de água do vaso sanitário e comia escondido.
Tem muito texto meu nesses oito anos de blog contando o que ele fazia e como ele fazia, não vou me repetir. Essas coisas todas passaram pela minha cabeça em um flash. Garotinho sentiu pela primeira vez o que é não poder comprar, intimidar ou manipular com contatos o Judiciário. Aquele escândalo que vocês viram não é sincero, ok? Aquilo é factoide. Ele fez questão de deixar claro que “seria morto” se fosse ao presídio pois “prendeu” traficantes. Não é verdade, quem prendeu foi o Judiciário, e ele tem é muita amizade com traficante e milicianos. Mas, ao gritar essas coisas e fazer um escândalo coreografado para virar Meme ele ganhou a certeza de que seu recado está dado: não ver ter um brasileiro que não veja esse vídeo. Tanto está que todo mundo viu o vídeo e aqui estamos nós falando dele. Orquestrado. Talvez não a esposa e filha, mas ele? Orquestrado. Podem acreditar.
O próximo passo, vocês já devem imaginar, é que algo que indique um atentado contra a vida de Little Boy desponte no presídio, para que ele consiga ser colocado em prisão domiciliar alegando que sua vida está em risco. Já deve estar tudo combinado nos mínimos detalhes. Não creio que, por mais que todo o Rio de Janeiro saiba notoriamente o quanto ele é truqueiro, algum juiz se arrisque a vê-lo assassinado. Seria uma merda sem tamanho que respingaria no juiz que não lhe deu a liberdade. É uma chantagem velada, vai ter que ser um juiz com muito culhão para bancar esse blefe.
A jogada do lado oposto é transferir ele para Curitiba. Vamos ver quem ganha. Eu aposto forte nos Garotinhos, eles conseguem ser bandidos em um nível que vocês sequer imaginam e estão partindo para cima com todas as armas. Enquanto eu via o vídeo dele sendo levado esperneando para a ambulância (é o enfartado com mais força e disposição que eu já vi na vida!) lembrava dele em uma reunião rindo debochadamente de alguns alertas e dizendo “Isso aqui é Brasil, sabe quando eu vou ser preso no Brasil? Nunca”. Quem diria, o nunca chegou. Não tem que ser torturado, não tem que ser morto. Mas preso? Preso sim, até porque atende todos os requisitos para uma prisão excepcional (constitucionalmente prevista). Que pague dentro dos limites da lei por todo o mal que fez, inclusive a mim. E que prensam esposa e filha também, investiguem que vocês vão ver o quanto de ilegalidade tem nessa família.
Sabem o que é mais curioso? Para muito brasileiros, depois de ler este texto, vai ficar a certeza de que nós discutimos sobre política. Não. Nós discutimos sobre pessoas, sobre Judiciário, sobre dignidade, sobre família, sobre tudo menos política. É que para conseguir ter uma real discussão sobre política, é preciso um nível intelectual que brasileiro, em sua maioria, não tem. É isso… brasileiro não sabe falar sobre política. Discute sobre pessoas, sobre leis ou sobre alianças e acha que está discutindo sobre política. Desconhecem o conceito de ideologia ou qualquer outro conceito abstrato vinculado à política. Nem fidelidade partidária se consegue na República das Bananas, o que se pode esperar?
Lamentável. Tanto o espetáculo grotesco protagonizado por Garotinho quanto o outro lado torcendo para que ele seja torturado e morto. Mas principalmente, lamentável que emitindo esse tipo de opinião, contra ou a favor, o brasileiro ache que está falando de política.
Para caçar textos antigos com todos os podres da família Little Boy, para dizer que quando o povo é muito sacaneado e brutalizado o sentimento de vingança tosca é inevitável ou ainda para espernear se humilhando e depois dizer que feriam sua dignidade: deixe seu comentário.
SOMIR
Bandido sendo preso passa longe de ser desfavor. Cabral e Garotinho são duas novas bem-vindas adições ao rol de corruptos vendo o sol nascendo quadrado com o desenrolar das investigações da Lava-Jato e suas cada vez mais numerosas filiais. Por isso resolvemos fazer esse mix de assuntos, e tentar fazer uma análise no cerne da questão, o que nos resultados apresentados pela verdadeira notícia escolhida para hoje demonstra onde é que mais erramos.
Erramos. Todos nós. Os que se importam ou não… a questão aqui é que quando falamos de política, não há muita lógica em deixar os outros para trás. No final das contas, sofremos todos juntos com os resultados. Faz tempo que falamos aqui sobre a “futebolização” das posições políticas do brasileiro, como se tudo fosse uma grande guerra de torcidas focadas apenas em vitórias momentâneas. Mas há algo maior aqui do uma mera peculiaridade local: o mundo todo parece estar seguindo no mesmo sentido, a eleição americana que não me deixa mentir.
E o que acaba acontecendo com essa disputa de torcidas é que apesar de nomes de políticos estarem cada vez mais presentes no dia a dia das pessoas, a discussão política esvazia-se em proporção direta. Quanto mais pensamos em Lulas, Cunhas e Cabrais, mais longe estamos de falar de política. O conceito é muito maior do que simpatias e antipatias momentâneas, interessar-se em política significa acumular conhecimento sobre o sistema que nos rege e as formas como ele pode ser usado para termos resultados positivos.
A briga que vemos acontecendo todos os dias não aborda verdadeiramente os temas que influenciam nosso cotidiano. Muito menos sobre mecânicas para implementar ideias sobre uma sociedade mais eficiente e justa… é basicamente o conjunto das biles de um povo frustrado amargando todo o cenário político nacional, quase que como numa admissão de impotência perene. Homens, mulheres e Garotinhos corruptos e incompetentes são viáveis no Brasil justamente por esse motivo.
Elege-se personalidades e não políticas. Oras, como vamos reclamar de fisiologismo se de uma forma ou outra estamos pactuando com a manutenção desse sistema? Você entende a visão política dos candidatos nos quais votou nessa última eleição? Pior: você acha que eles mesmos entendem a própria plataforma política? O problema de eleger personalidades é que elas por definição estão programadas para a auto-manutenção: quem é eleito quer ser reeleito porque a única função percebida dessa pessoa é deter o poder para si. Se não há um contexto ideológico por trás desse representante, o que ele vai fazer além disso que a maioria acaba fazendo?
E não, agradar sua base de eleitores não conta como posicionamento político. Isso é manutenção do cargo; o representante do povo com certeza deve refletir suas vontades, mas não necessariamente de forma direta, atendendo pedidos como um garoto de recados. Quem tem posicionamento político entende que está tentando implementar uma ideia muito maior do que uma lei ou uma obra e tem que agir de acordo com isso, seja lá o quanto sua base esperneie. O Brasil passa longe de ser o único culpado nessa história toda, mas aqui vemos uma combinação desastrosa de esvaziamento de contextos políticos aliada a um sistema que já vem viciado em corrupção de outros carnavais. O que, francamente, explica o baixo interesse do brasileiro em política… não é como se tivessem exemplos disso para formar alguma opinião.
E aí vemos a reação que está acontecendo agora mesmo com as prisões de Cabral e Garotinho, assim como aconteceu com o Cunha, com o Dirceu e toda aquela corja que está sendo pega nos últimos tempos: reações essencialmente pessoais, sem contexto político. Se as pessoas falharam com a lei, que paguem esse preço, mas se os políticos falham em suas atribuições do cargo, todos nós pagamos muito caro por tabela. É muito divertido ver o Garotinho dando chilique ao ser preso, mas é desastroso que esse cidadão tenha conquistado e mantido tantos cargos de poder no decorrer da vida.
Onde há fisiologismo tão evidente não vão faltar exemplos de incompetência e falta de um plano maior para guiar os rumos do Estado. Há de se tomar muito cuidado com uma certa euforia por ver gente que merecia ser presa finalmente encontrando seu destino; é uma fase de tratamento de sintomas que ainda não está lidando com a verdadeira doença. Se os corruptos caindo são as feridas no corpo moribundo, o desinteresse do brasileiro por política e medidas de transformação social duradoura é o veneno que consome o corpo de dentro para fora. É o que impede o começo de uma cura.
Complicado eu apontar aqui o que você deveria entender como interesse em política, de uma certa forma o sistema democrático até presume um certo distanciamento do cidadão médio dessas questões mais complexas, fazendo os cidadãos escolherem seus representantes que vão viver de pensar e agir nesse sentido. Mas o vazio que vemos na discussão política brasileira é tamanho que pelo visto não estamos sequer interessados o suficiente para passar esse problema pra frente: fica acordado implicitamente entre nós que ninguém vai pensar nisso, nem mesmo os… políticos.
O mínimo deveria ser um “amor” maior pela escolha do seu representante, que idealmente já deveria sinalizar sua visão política para facilitar esse processo. Mas com uma atrofia tão grande quanto a pesquisa demonstrou, vai demorar muito para flexionarmos esse músculo político, como nação. A felicidade de ver corruptos caindo é grande, mas não o suficiente para mascarar que há pouco tempo atrás provavelmente escolhemos gente ainda pior do que os recém-presos para os mesmos cargos. Melhor tratar os sintomas do que não fazer absolutamente nada, mas está mais do que na hora de admitir que a maioria de nós não se importa o suficiente com o que poderia mudar esse país para melhor.
Você votou numa política ou numa personalidade nessa última eleição?
Para dizer que o tema ficou menos chato com o Garotinho esperneando, para dizer que ainda não sabe o que é política então, ou mesmo para me chamar de petralha coxinha bobo feio e chato: somir@desfavor.com
Discute-se sobre políticos ou partidos, não sobre política ou propostas. Infelizmente.
Desde criança sempre me interessei por política, acontece que essa palhaçada que se transformou o país, dividido entre “coxinhas ” e “petralhas” tem me afastado do assunto. A falta de perspectiva em ver alguma mudança a curto ou médio prazo também me desmotivou.
Mas aproveitando pra alfinetar um pouco mais o little boy, vocês ouviram o que o Boechat falou pra Clarissa em seu programa no sábado de manhã? Foi um nocaute épico! Ele também falou sobre essa tal greve de fome…
Não vi! O que ele falou???
https://www.youtube.com/watch?v=G99MITWjyTA
* ” (…)Eu entrevistei o seu pai por um tempo e disse que pelo menos para a dieta estava sendo bom, e ele ficou zangado na enrevista (…) “
* ” (…) ele está no grupo, na classificação, na categoria do tipo de homem público que tem que ser varrido da Justiça Brasileira; e quando eu tava falando de destruir o projeto político dessa gente e desses grupos isso inclui você, inclui sua mãe; assim como o filho do Sérgio Cabral, que também se elegeu deputado federal (…) “
DSVS
Sally, bem que você disse que ele logo conseguiria desenrolar uma prisão domiciliar. E nem foi preciso forjar algo na cadeia.
Vão pegar ele, se ele não fugir. Pode demorar mas vão pegar.
Nesse mesmo.
Procurei por “political interest”, “political engagement”, “civic engagement”… E nada
Estranho… dá um google
Sally, onde encontro a pesquisa original da OCDE?
No site da OCDE?
Vasculhei lá muito e não achei :/
Procurou neste site?
https://www.oecd.org/