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Agatha Christie

Agatha Christie

| Sally | | 35 comentários em Agatha Christie

Será que devemos esperar que a sociedade permita o empoderamento feminino? Ou quem quer vai lá e faz? Hoje muitas mulheres choramingam sobre falta de oportunidade, enquanto que no século passado ela conseguiu se destacar e ser reconhecida como a melhor no que fazia, à frente de todos os homens do mundo. Uma mulher notável, que quebrou várias barreiras no seu tempo e com uma história de vida muito interessante que vale a pena ser contada. Desfavor Explica: Agatha Christie

Agatha Mary Clarissa Christie nasceu na Inglaterra, filha de americanos com boa situação financeira. Foi educada em casa, com professores particulares e só na adolescência frequentou uma escola. Vocês devem imaginar que mulheres não dispunham de muito prestígio e voz naqueles tempos, mas, mesmo assim, Agatha conseguiu se destacar de tal forma que até hoje mais ninguém, homem ou mulher, atingiram sua marca.

Segundo o Guiness Book, suas obras venderam cerca de quatro bilhões de cópias. Isso a coloca como a romancista mais bem sucedida da história e, na categoria de autor mais publicado de todos os temos, como terceira colocada, perdendo apenas para a Bíblia e para William Shakespeare. Um feito e tanto para uma mulher nascida em 1890.

Casou-se com 24 anos, em 1914, idade que ainda hoje é considerada tardia em muitas culturas. Seu marido foi convocado para a guerra e, enquanto isso, ela optou por trabalhar como enfermeira em um hospital e depois em uma farmácia, o que lhe deu bagagem para escrever com propriedade em seus livros, principalmente nos casos de assassinato por envenenamento. Apenas cinco anos depois de casada, teve uma filha. Em 1926 ela se divorcia do marido. Isso mesmo, 1926, divórcio, “mãe solteira”. E virou uma mulher muito bem sucedida.

Não teve um começo de carreira fácil como escritora. Seu primeiro livro nasce em 1916, graças a um desafio lançado pela sua irmã. Agatha confessou que tinha vontade de escrever um romance policial e a irmã riu e duvidou que ela fosse capaz. Movida por esse desafio, ela escreveu o livro, mas ele só foi publicado em 1920, depois de ser rejeitado por seis editoras, em uma época onde não havia a abundância de oportunidades dos dias de hoje.

O grande marco na sua carreira foi a publicação do livro “O Assassinato de Roger Ackroyd”, onde ela transgrediu uma regra vigente dos romances policiais: pela primeira vez o narrador da história era o vilão. Dali para frente ela inovou no gênero policial, criando finais sempre surpreendentes que quebravam o padrão convencional da época.

Em 1926, seu marido lhe disse estar apaixonado por outra. O que seria tolerado por muita mulher na época, e até mesmo nos dias de hoje, foi repudiado por Agatha. Em vez de “lutar” por seu casamento, ela fez as malas e, além de sair de casa, desapareceu do mapa. Seu carro foi encontrado batido contra uma árvore, com faróis acesos, com pertences seus do lado de dentro. A polícia começou a investigar o caso, que foi um escândalo na época, pois a autora já era relativamente famosa. Uma forte pressão para desvendar o mistério do seu desaparecimento fez a polícia trabalhar incessantemente, pois temiam parecer incompetentes. O caso caiu na boca do povo e causou comoção pública, durante dez dias não se falou em outra coisa.

Começaram buscas, mobilizando a polícia, que chegou a oferecer uma recompensa em dinheiro para quem tivesse notícias dela. Antes de desaparecer, ela deixa “encontrável” desabafo por escrito detonando seu marido. A polícia imediatamente começou a desconfiar de seu marido, ao descobrir tudo sobre a amante e o futuro divórcio. Foi a primeira vez na história em que a Inglaterra usou aviões para procurar uma pessoa desaparecida. Mergulhadores também foram acionados. Ao todo, cerca de 15 mil pessoas, incluindo voluntários, passaram dias procurando por ela.

Até famosos se aventuraram na busca por Agatha. Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Homes, estava determinado a encontra-la. Além de seguir as pistas racionalmente e formular teorias para ajudar a polícia, também apelou para o sobrenatural. Ele era adepto do espiritismo e chegou a levar luvas encontradas no carro para um médium, na tentativa de obter alguma resposta. Obviamente, não deu certo.

Onze dias depois, ela foi reconhecida em um hotel de luxo. E não pensem que ela estava deprimida chorando em um quarto. Foi vista foi vista dançando, jogando bridge, fazendo palavras cruzadas e lendo jornais, numa boa, se divertindo. Para completar, se hospedou com um nome falso, usando o sobrenome da amante do marido. Agatha, essa fanfarrona. Foi vista inclusive subindo ao palco e cantando. Só descoberta porque um hóspede (um dos músicos da banda com a qual ela cantou!) estava de olho na recompensa em dinheiro oferecida para quem desse informações sobre seu paradeiro.

Até hoje se discute o que aconteceu nesse desaparecimento: há quem diga que foi uma jogada de marketing para promover o lançamento de seu livro “O Assassinato de Roger Ackroyd”, que de fato virou best seller, há quem diga que era um plano dela para simular o próprio assassinato e incriminar o marido traidor e há quem diga que ela sofreu um acidente de carro e perdeu a memória, sendo esta última pouco provável, já que a pessoa que a encontrou a abordou por seu nome real e ela respondeu.

Anos depois, ela se casou com outro homem. Não bastasse ser um segundo casamento, o que já geraria polêmica na época, ela ainda escolheu um rapaz 14 anos mais jovem do que ela. Calma que tem mais: se recusou a adotar o nome do marido, pois já era conhecida por seu nome anterior. Tudo isso já não soa muito comum hoje em dia, na época então, era quase que impensado.

O rapaz trabalhava com arqueologia e ela ficou fascinada pelo assunto. Viajou o mundo todo com ele, acompanhando seu trabalho e adquiriu mais conhecimento para usar em seus livros. Em 1930 ela lança seu maior sucesso, o livro “Assassinato no Expresso do Oriente”, talvez seu livro com o final mais surpreendente. Só no ano do lançamento, livro vendeu 3 milhões de cópias.

Apesar de serem obras de ficção, seus livros sempre partiram de experiências reais da autoria. Por exemplo, o livro “Assassinato no Expresso do Oriente” surgiu depois que Agatha ficou presa na neve dentro deste trem com outros passageiros, neste mesmo trajeto. No livro, adivinha, um grupo de pessoas fica preso no trem por causa da neve. A maior parte das suas obras também tem um médico ou fatos médicos relevantes, influência dos tempos onde aturou nessa área e não raro usa cenários onde ela viveu ou viajou. Agatha partia da realidade e a partir dela criava ficção.

Agatha escreveu mais de 80 livros, muitos sucessos de vendas até hoje. Seu diferencial foi inovar nos romances policiais, criando desfechos inesperados e imprevisíveis. Mais: ela sempre fez questão de frisar a importância de jogar limpo com seus leitores. Em cada livro seu, o mistério só era solucionado depois que ela se assegurava de que o leitor tinha todas as informações necessárias para matar a charada. Ela fazia questão disso e chegava até a recriminar os leitores quando eles não conseguiam solucionar o mistério, apontando como ela deu todas as pistas necessárias. Ela não detém apenas o recorde de autoria mais vendida do mundo, ela também tem o livro mais espesso do mundo, com mais de 30cm (cerca de 4032 páginas) e a peça teatral de maior duração em cartaz do mundo, “The Mousetrap”, que estreou em 25 de novembro de 1952 e até hoje continua em cartaz.

Mesmo sem ter frequentado uma escola como seus irmãos, ela adquiriu muito conhecimento na infância com a ajuda de sua mãe, que lia muitos livros para a filha. Agatha credita sua boa escrita ao grande numero de livros que teve acesso na infância. Como costuma acontecer com pessoas notáveis, ela conta que sua escrita era fruto da influência destes tantos livros da infância mas também de sua observação: onde ia, ela levava um caderninho para anotar fatos ou dados curioso que lhe chamassem a atenção, desde crimes, curiosidades e até venenos. Ela era escritora até nas suas horas livres, estava sempre com a cabeça aberta a procura de material para seus livros. Além de tudo, tinha uma visão social apurada. Criticava o fato das pessoas se preocuparem mais com os culpados dos assassinatos do que com as vítimas, por exemplo.

Escrevia com facilidade, chegou a escrever um livro em apenas três dias. Também escrevia em qualquer lugar, tudo que precisava era de uma mesa e uma máquina de escrever. Muitos de seus livros foram escritos enquanto acompanhava seu segundo marido em viagens pelo mundo. Também era capaz de variar gêneros. Além dos romances policiais, pelos quais ficou famosa, ela escrevia romances não policiais, poesias e livros infantis. Também escrevia roteiros de peças teatrais e chegou a escrever duas autobiografias.

Agatha Christie morreu com 85 anos, de pneumonia. Antes de morrer recebeu vários títulos como Doutora Honoris Causa em letras e Dama no Império Britânico, conferido pela Rainha Elizabeth II, fã de seus livros, entre muitos outros. Era uma mulher a frente do seu tempo que conseguiu abrir espaço mesmo sem educação formal e ocupar o topo de uma carreira intelectual.
Um exemplo do que o mundo precisa: mulheres que façam, mulheres que mudem a história de dentro para fora, em vez de ficar reclamando e pedindo empoderamento de fora para dentro. Uma mente brilhante que criou mistérios difíceis de desvendar mesmo cem anos depois. O mundo precisa de mais mulheres como Agatha Christie.

Para dizer que mesmo em 2016 você não teria coragem de fazer metade das coisas que essa mulher fez cem anos atrás, para perceber que se era possível naquela época é perfeitamente possível hoje ou ainda para reclamar que eu dei spoiler de um livro com quase cem anos de idade: sally@desfavor.com


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