
James Randi
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Até 2015, era fácil fácil ganhar um milhão de dólares. Bastava comprovar qualquer fenômeno paranormal e embolsar o prêmio oferecido pela Fundação James Randi para a Educação. Quer dizer, em tese era fácil. Na prática, o prêmio esteve à disposição de qualquer um que tentasse por mais de 50 anos. Mais de mil pessoas tentaram, nenhuma conseguiu… James Randi é um cético, mas não se pode dizer que não dava chances para ser contrariado. Não Processa Eu!: James Randi
Mas, quem é James Randi? Nascido como Randall James em Toronto, no Canadá, em 1928, Randi é seu nome artístico. Aliás, não só Randi como “O Incrível Randi”. Durante mais de 40 anos, foi um mágico de sucesso, especializado em fugas impossíveis, seguindo os passos de Harry Houdini, seu grande herói. Randi conseguiu bater recordes de seu ídolo, mas a maior inspiração vinda do ilusionista húngaro, segundo o próprio Randi, foi na carreira de “desenganador”.
Houdini é talvez o nome mais reconhecido da história da mágica, mas também era um defensor da verdade. Durante muito tempo se dedicou a desmascarar médiuns e paranormais, mas sem deixar de fazer disso um show. A carreira menos conhecida de Houdini como um showman do ceticismo que realmente seria eternamente suplantada por seu fã canadense. Os dois tinham paixões muito parecidas, mas a história vai se lembrar de cada um por uma delas: Houdini sinônimo de mágico, Randi sinônimo de defensor do ceticismo diante da paranormalidade.
James Randi já era um mágico de sucesso quando assumiu um programa de rádio nova-iorquino no final dos anos 60, já muito vocal sobre fenômenos paranormais e a necessidade de analisa-los da forma mais científica e isenta possível. Como era sua profissão enganar as pessoas com os truques que apresentava nos palcos, tinha um ângulo muito próprio e eficiente para lidar com as alegações de paranormalidade: ao invés de tentar argumentar com as pessoas sobre as bases de suas crenças, ia direto na veia. Percebia e demonstrava com simplicidade como se faziam aqueles truques. E depois de tantas décadas, sempre foram truques.
O prêmio que oferecia para qualquer um que conseguisse demonstrar um fenômeno paranormal que Randi não fosse capaz de desmascarar como um truque estava ao dispor dos interessados desde 1964, mas Randi ainda não era suficientemente conhecido para alcançar todos os que pudessem reclamá-lo. Mas tudo isso muda em 1972, e graças ao “paranormal” mais famoso de todos os tempos: Uri Geller. Geller, um israelense naturalizado britânico, fazia sucesso estrondoso em programas de TV com demonstrações de supostos poderes psíquicos. Entre outros, entortava colheres só de encostar nelas, para o espanto das plateias dos anos 70.
Randi não deixou barato. Em pouco tempo descobriu exatamente qual era o truque de Geller e começou a fazer ele mesmo, quase sempre na edição seguinte onde Geller acabara de se apresentar. Ainda tirava onda deixando claro que era apenas um truque. James até escreveu um livro desmascarando Geller, que o processou por isso, mas como não estavam no Brasil, Geller perdeu (assim como perdeu todas as ações que moveu contra pessoas que provavam que ele era uma fraude). De uma certa forma, Randi e Geller aumentaram um a proporção do outro, o ilusionista israelense embasbacando plateias desinformadas, o canadense explicando logo depois que não passava de um truque. O que não impediu que muitas vezes o próprio James Randi ser acusado de possuir poderes paranormais e fingir que não! Tem gente que faz qualquer malabarismo para não mudar sua visão de mundo…
A presença midiática, facilitada pela desenvoltura e humor ácido de Randi, ainda o permitiu fazer um tour por programas de TV atrapalhando a vida dos inúmeros charlatões que aproveitaram a fama de Uri Geller para garantir uns trocados. Um dos casos mais divertidos foi o de James Hydrick, cujo poder era virar páginas de uma lista telefônica usando os poderes da mente. Randi sacou o truque rapidamente e propôs um desafio ao vivo para seu xará: mover a página de uma lista telefônica sobre uma mesa, mas ao redor dela colocou vários flocos de isopor. Randi sabia que Hydrick estava soprando discretamente as páginas que virava, e com o isopor por perto, não tinha como não provar na hora que acontecesse. Curiosamente, Hydrick disse que a energia do ambiente estava negativa demais no momento e não conseguiu fazer.
Com essa exposição, Randi caiu nas graças da provavelmente mais famosa e influente pessoa da história da TV americana: Johnny Carson. Carson apresentava um programa de entrevistas noturno com audiências de Globo dos (maus) bons tempos por aqui. Convidado várias vezes, numa delas fez um dos maiores serviços contra os evangelizadores de TV da história. Nos anos 80, um pastor americano chamado Peter Popoff fazia grande sucesso dizendo que conseguia curar as pessoas com a fé. Também chamava atenção por “falar com Jesus” e magicamente saber tudo sobre a vida de quaisquer pessoas que abordava em seus cultos lotados.
Carson entregou praticamente o programa todo, o minuto mais caro da TV americana na época, para Randi acabar com a raça de Popoff. E Randi sabia exatamente o que fazer. Infiltrou num dos cultos gente com leitores de ondas de rádio, na certeza que Popoff usava um ponto de som no ouvido e que a voz de Jesus na verdade era bem mais mundana. Assim que acharam a frequência correta, o truque do pastor ficou claro: seus assistentes pegavam algumas pessoas da plateia antes de começar o culto, enchiam elas de perguntas e deixavam tudo anotado. Quando chegava a hora certa, diziam para Popoff quem abordar e assopravam todas as respostas pelo rádio. O que, aliás, é basicamente o truque que todos os que alegam adivinhar coisas sobre pessoas na plateia fazem até hoje.
Para a felicidade geral da humanidade, Popoff faliu logo em seguida. Para a tristeza, conseguiu retornar décadas depois e arrecadou uma pequena fortuna fazendo os mesmos truques sujos. Randi ganha muitas batalhas, mas a guerra contra a estupidez humana ainda vai muito longe. Mas isso não quer dizer que ele desista: anos depois, ainda não satisfeito, resolveu trollar o mundo. Criou seu próprio paranormal.
Contratou um ator venezuelano desconhecido, ensinou pra ele alguns truques e usou o mesmo método que Popoff utilizava para fazer o médium Carlos enganar diversos meios de comunicação no final dos anos 80. Carlos ganhou grande projeção até Randi expor o que acontecia de verdade num grande programa jornalístico americano (que era cúmplice desde o começo). Embora ainda não vivamos num mundo onde as pessoas sejam capazes de pensar de forma crítica sobre truques óbvios disfarçados de paranormalidade, essa trollagem foi o último prego no caixão da empolgação e inocência da mídia americana com médiuns e coisas do tipo.
Até pela idade, depois disso Randi começou a diminuir seu ritmo de presença midiática, ficando mais focado na sua fundação e em ajudar pessoas que queriam desmascarar outros enganadores pelo mundo todo. Por décadas fez palestras e documentários expondo incontáveis truques e até mesmo fazendo gente que realmente se achava dotada de poderes mágicos perceber que não tinham, na verdade. Eu poderia passar páginas e páginas falando de tudo o que ele fez nesses últimos tempos, mas se tem uma coisa que realmente Randi se dedicou nessa fase, foi na luta contra as chamadas “curas espirituais”.
Porque ao contrário de um truque bobo como o que Uri Geller fazia, os curandeiros são genuinamente perigosos para as pessoas ao seu redor. E é claro que Randi não poderia ter deixado de olhar para o Brasil numa hora dessas. O alvo: João de Deus, um dos maiores golpistas da história deste país, e olha que isso é dizer muito no Brasil. João se diz médium e realiza cirurgias espirituais em incautos. Cirurgia espiritual sendo fazer um ritual maluco em cima de uma pessoa e dizer que ela está curada. Os que sobrevivem e se curam sozinhos ou através da medicina tradicional sempre saem falando que foi o poder dele que causou o resultado. Os que não tem a mesma sorte… bom, esses não tinham fé suficiente.
Randi ajudou um programa de TV australiano a fazer diversas reportagens sobre João de Deus e suas práticas absurdas, além de exporem como ele ganha sim muito dinheiro com sua suposta filantropia. Curioso que pouco ou nada tenha vazado na nossa mídia sobre isso. Bom, considerando que Lula e Xuxa estão entre as pessoas que já se consultaram com ele, é de se imaginar. Ponto positivo: Hugo Chávez também foi um dos pacientes de João de Deus. Então, vai… uma coisa boa ele fez.
Atualmente Randi já se aposentou até de sua fundação, que não oferece mais o prêmio, mas usa o dinheiro para oferecer bolsas de estudos para ciência e tecnologia. Randi se assumiu homossexual em 2010, e recentemente se casou com o “ex-médium” Carlos, cujo nome real é José Alvarez. Mas, mesmo que esteja curtindo seu merecido descanso no momento, podemos ter certeza que assim como Houdini influenciou Randi, Randi influenciou milhões. Alguns inclusive seguem os mesmos passos, como a dupla Penn&Teller, que também ficou famosa tanto pela magia como pela luta contra os enganadores profissionais.
Poucas pessoas podem olhar pra trás na vida e dizer que ajudaram tanto a tornar a humanidade menos idiota do James Randi. Pode até não parecer hoje em dia, mas ele foi o anticorpo perfeito para uma doença que estava fora de controle algumas décadas atrás. Podem apostar que os médiuns e afins estariam muito mais fora de controle atualmente se não fosse o barbudo ilusionista canadense alguém tão teimoso e obstinado.
E como ele mesmo diz: “sou um mentiroso, um golpista, um charlatão, mas eu te digo isso.” Às vezes é tudo o que precisamos saber.
Para dizer que é estranho ver eu falando bem de alguém, para dizer que não sabia como o velhinho era porreta, ou mesmo para dizer que agora que acabou o prêmio saberia como ganha-lo: somir@desfavor.com
Para ter certeza que minha blasfêmia está minuciosamente clara, por meio desta declaro minha opinião que a noção de um deus é uma superstição básica, que não há evidência para a existência de nenhum deus(es), que diabos, demônios, anjos e santos são mitos, que não há vida após a morte, paraíso nem inferno, que o Papa é um dinossauro medieval perigoso e intolerante, e que o Espírito Santo é um personagem de história em quadrinhos digno de risadas e escárnio.
Digitando com os pés, pois com as mãos estou aplaudindo
Sabia do prêmio, não do seu criador que. Deve ser uma cara bem interessante de se ter uma conversa.
Já sabia sobre o Houdini, mas foi maravilhoso descobrir que há mais gente se dedicando a desmascarar charlatões. Acredito que influenciar pessoas a ser menos crédulas é um grande serviço à humanidade, porque a maioria dos que gastam dinheiro para financiar showzinhos em igrejas ou curandeiros é simples, sem muitos recursos e poderia fazer melhor uso desses dízimos da vida se não acreditasse em milagres e aproveitadores.
É conveniente que tanta gente continue incapaz de perceber truques óbvios. Houdini, Randi e outros tiraram muito dinheiro do mercado da estupidez, mas, como esse mercado é grande…
A atriz Beth Lago também foi consultar-se por várias oportunidades com João de Deus…e, depois, diretamente com Deus…se há fé, intermediários para quê, afinal?
Já João de Deus, recentemente questionado pela Veja do porquê de ter escolhido o Sírio-Libanês para ser operado de um câncer no estômago e para realizar sessões de quimioterapia, em vez de buscar a cura lá mesmo em Abadiânia, indagou se haveria um cabeleireiro que cortasse o próprio cabelo…Mas ele não tem convênio com os médicos lá de cima?
Fosse eu o Dr. Fritz, o Dom Inácio de Loyola, ou qualquer outro dos médicos de lá do outro lado, faria um exame (espiritual e semanal) de toque nele para deixar de ser ingrato…
Em casa de charlatão, o espeto é mais afiado.
Adorei o texto!!
Não conhecia esse Papai Noel moderno não!
Mas conhecia a história do Houdini de desmascarar médiuns! Vou pesquisar mais sobre esse senhor!
Obrigada, Somir!
https://www.ted.com/talks/james_randi?language=pt-br
Aproveite a pesquisa e veja essa palestra dele no TED. O começo é fenomenal.
E o final “não fica por menos” (risos)
Nunca lembrava de ir saber que era ele, menos ainda do outro espaço que ele teve e de ter se divulgado “no TED”…Totalmente excelente ! Ótimo “Não Processa Eu”, Somir !
Um showman sempre vai ser um showman.
James Randi é um sujeito que não tem a glória que merece.
E nem a frequência que deveria. Bem que poderia ter tido um na Galiléia há uns dois mil anos atrás…
Não, os James Randi só têm permissão de encarnar na Terra a cada era astrológica. Ele é o James Randi de Peixes. Vai demorar pra vir o de Aquário.