
Orca miséria!
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+Um episódio envolvendo uma orca que pertence ao SeaWorld, dos EUA, está provocando polêmica e debate na web neste domingo. Durante uma apresentação no Loro Parque, nas Ilhas Canárias, Espanha, a Orca Morgan deixou a água e permaneceu cerca de 10 minutos do lado de fora da piscina. A cena chocou os espectadores e segundo a entidade de defesa dos animais “Dolphin Project”, indica uma “tentativa de suicídio.”
Sim, esse vai ser nosso tema hoje. E vai bem mais longe do que vocês imaginam… desfavor da semana.
SALLY
O assunto pode parecer bobo, mas ao final do texto você será capaz de entender a Big Picture. O caso da orca Morgan ilustra muito bem uma série de mecanismos perversos que se desenvolvem em diversos setores da sociedade, chegando a ser caricato.
Para quem não viu a notícia, segue um resuminho: em um parque aquático europeu, durante a apresentação, uma orca chamada Morgan simplesmente saiu do tanque e ficou do lado de fora por dez minutos, se recusando a voltar para a água. Isso é o fato. Vamos ver agora como ele foi apresentado e seus desdobramentos, para que vocês entendam sobre o que realmente é este desfavor da semana.
A notícia foi amplamente divulgada como uma “tentativa de suicídio” da orca. Essa babaquice não veio de graça, várias entidades histéricas (e agora sem credibilidade) como a Dolphin Project apresentaram o caso como uma aparente tentativa de suicídio. Bem, eles mais do que ninguém deveriam saber que baleias são mamíferos, tem pulmões e respiram ar. No dia em que uma orca quiser se matar, ela se afoga. Quem se suicida saindo da água é peixe.
Uma pesquisa mais cuidadosa nos leva à opinião de profissionais sérios como a bióloga marinha Ingrid Visser do Orca Ressarch Truth. Segundo ela, de forma alguma Morgan estava tentando se matar, muito pelo contrário, estava lutando por sua vida, já que a causa de ter pulado para fora do tanque e lá permanecido foi fugir da hostilidade das outras baleias, que a estavam ameaçando.
Obviamente esta versão foi pouco divulgada. As pessoas estão cada vez mais imbecilóides do que diz respeito a animais e, em sua arrogância, acreditam que todo animal tem sentimentos humanos, basicamente os mesmos que os delas. Projetam sentimentos seus nos bichos, seja ele um poodle, seja ele uma orca. O bicho reage a algo, a pessoa encaixa naquilo que ela acha ser a reação mais próxima que ela teria conhecida e decreta: a orca estava cometendo suicídio.
Animais tem sentimentos sim, talvez até mais evoluídos e sofisticados do que os nossos, mas não iguais. Animal não pensa como gente. É de uma imbecilidade sem precedentes observar um comportamento animal e enquadrá-lo naquilo que mais se parece com o seu comportamento/sentimento. Isso é coisa de gente demente que se acha o centro do universo e nem cogita a diversidade. O que você sente não é tão importante, lamento informar.
Morgan sofreu um bullying “das colega” e deu um tempinho do lado de fora do tanque para a poeira abaixar. Só isso. Foi só isso que aconteceu. Algo que talvez aconteça até mesmo quando estão em liberdade. A crueldade existe por si só, ao manter orcas em cativeiro, não precisa de uma tentativa de suicídio forjada. Confinar orcas em tanques, independente de qualquer coisa, é escroto, cruel e deve ser abolido. Porém, quando se usa a tentativa de suicídio (falsa) de Morgan como bandeira ou argumento para não confinar orcas, se enfraquece uma causa que originalmente tinha muita força.
Como se não bastasse este desfavor, a coisa ainda teve mais um desdobramento ruim. Diversas entidades protetoras de animais, seguidas em coro pelos seus fãs tão xiitas que nem ao menos se dão ao trabalho de pensar, começaram uma campanha para que todas as orcas em cativeiro fossem libertadas na mãe natureza, devolvidas ao mar.
Quem se diz amante dessa causa, presume-se, deve conhecer minimamente o assunto. Quem conhece minimamente o assunto deve se lembrar do que aconteceu com Keiko, a baleia que estrelou o filme Free Willy. Depois de muita histeria e uma pressão social insuportável, decidiram devolver Keiko para o mar. Um projeto milionário foi montado para reeducar Keiko, ensinar a viver na natureza e fazer uma readaptação gradual.
Keiko tinha acesso ao mar, mas também tinha a chance de voltar para o seu porto-seguro, uma grande estrutura de mais de sete milhões de dólares montada para ensiná-la a viver independente de humanos. Keiko ia e vinha, transitava livremente, enquanto os humanos idiotas pensavam que ela estava se adaptando. Vinte milhões de dólares depois, um dia Keiko sumiu. Todos acharam ser um bom sinal, ela finalmente foi viver em seu habitat natural. Só que não. Keiko morreu no mar, sozinha, com fome, de uma pneumonia. Foi vista pela última vez perseguindo um barco, desesperada por contato com humanos.
Então, se tem alguém que ainda pensa que depois de décadas em cativeiro um animais pode se virar sozinho na natureza, procura um bom psicanalista e se trata para tentar viver suportando a realidade sem negação: orcas que passaram sua vida toda em cativeiro estão quebradas de uma forma irreparável. Lide com isso. Lide com a culpa/responsabilidade de pertencer a uma espécie filha da puta que faz isso com outros animais. O homem é corno e cruel, mata a baleia que não chifra, é fiel.
O resumo do caso Morgan pode ser feito da seguinte forma: uma notícia falsa, sensacionalista e tendenciosa gerou uma horda de revoltados pelos motivos errados que clamam por uma solução que não resolve o problema, muito pelo contrário, piora a vida de quem estão tentando ajudar. Soa familiar para você?
Essa manipulação nojenta e essas pessoas idiotonas sem racionalidade impedem que se pense direito no que é realmente importante no caso: o bem estar das orcas. Porque se for parar para pensar, todo mundo está mais preocupado com outras coisas: escrotizar os parques, posar de bacana defensor dos animais ou até mesmo descontar desesperadamente em algum lugar ou em alguém a angustia de ver um bicho inocente sofrendo. Sim, pessoas surtam, projetam, piram ao ver sofrimento de inocentes.
Se não fosse essa histeria coletiva, talvez uma alma lúcida pudesse focar em uma solução que seja boa para as orcas. Como bem sugeriu o Somir em uma conversa nossa na semana passada, o ideal seria a criação de um santuário onde elas estariam sim no mar, porém protegidas, alimentadas e cuidadas até o fim de suas vidas. Aceitem: serão animais de cativeiro, deixar solto no mar não é uma opção. O melhor que se pode fazer pelas orcas é construir um santuário cercado e gigante no oceano e cuidar delas de perto, afinal, somos responsáveis pelos animais que domesticamos.
Assim elas não teriam mais que se apresentar, não levariam uma vida tão indigna e não nasceriam mais orcas em cativeiro, pois todas seriam castradas. Em poucas décadas orcas para espetáculo seriam apenas uma lembrança. Removendo elas dos tanques, retirando-as dos olhos do público, ninguém mais as caçaria e venderia no mercado negro para shows, afinal, uma orca não é nada que você possa esconder, não é mesmo? Hoje parques de quinta categoria compram novas orcas quando as velhas morrem e alegam estar sempre com a mesma. Enquanto tiver público, vai ter orca em cativeiro. Hora de aposentá-las em um santuário, para que tenham um resto de vida minimamente digna.
Em vez disso, temos dois polos insanos: gente tentando te convencer que as orcas gostam de se apresentar e fazem os truques porque elas querem e gente insana achando que dá para soltar o bicho na natureza depois de décadas de cativeiro desde que com alguma preparação. Todo mundo pensa em seus próprios sentimentos em relação ao sofrimento de terceiros em vez de pensar efetivamente no sofrimento de terceiros em si e no que é melhor para elas.
Então, não reclame do nosso tema. Não é apenas sobre uma orca que pulou para fora do tanque. É apenas um caso que ilustra o que há de mais doente na sociedade hoje em dia. Reflitam.
Para não entender sobre o que o tema de hoje realmente é, para aplacar sua culpa comemorando quando uma orca come um treinador e achar que fez sua parte ou ainda para envergonha a si mesmo dizendo que aconteceu coisa muito mais importante que uma baleia esta semana: sally@desfavor.com
SOMIR
O desfavor tem história com esses animais. Nossa mascote oficial é a Tilikum, a orca que fez de sua treinadora um pinguim num dia de fúria. Predadores alfa dos mares, sua única preocupação histórica foi achar alimento até que o ser humano achou bacana enfiá-las em tanques e fazê-las apresentar truques para nossa espécie. Passamos longe de qualquer histeria por “direitos animais” por aqui, mas realmente entendemos quando um desses animais perde as estribeiras nas situações onde são forçadas a viver. Numa realidade completamente diferente da qual estão preparadas para existir, presume-se que os comportamentos não sejam previsíveis.
E aqui, o ponto principal: não estamos tentando pensar com a cabeça da orca, tentando humanizar o animal no processo. Não sabemos exatamente o que causa os comportamentos como a da Tilikum e agora da Morgan, mas faz muito mais sentido acreditar que são reflexos do que seria natural para elas em seu habitat acontecendo naquele ambiente artificial. Orcas podem ter cérebros enormes, mas com certeza não pensam como humanos.
E é aí que muita gente perde a linha nessa história. Sejam os chativistas que decidem que Morgan estava tentando cometer suicídio, sejam aqueles que as prendem nos tanques acreditando que os animais entendem que estão sendo cuidados e que formam laços de amizade com eles. Todo mundo preocupado com humanizar a orca de acordo com seus próprios interesses e esquecendo que poucos pontos de vista podem ser tão diferentes do nosso quanto um superpredador aquático que pesa várias toneladas…
E poucas coisas são mais comuns que essa nossa mania de olhar para o outro achando que ele está vendo o mundo a partir da mesma perspectiva. Um clássico da falha de comunicação que não para de gerar problemas. Se mesmo entre dois seres humanos o ponto de vista sobre a mesma coisa ou ideia pode variar tanto, imagina só quando são duas espécies diferentes? Minha maior crítica aos ativistas de direitos animais é a forma como diminuem os animais acreditando que nossos padrões de felicidade são tão superiores que devem ser “impostos” a todas as espécies. Como se a única forma de se importar com nossos companheiros de mundo seja trata-los como humanos por essa ser a forma superior de encarar a realidade.
Por exemplo, ninguém sabe se no final das contas está melhor para a vaca ter sua existência garantida longe de predadores e sem passar fome jamais do que correr livre pelos campos como seus primos selvagens. Liberdade como condição de felicidade mal é consenso entre seres humanos… muita gente aceita restrições em troca de conforto. Aliás, nem sabemos se a vaca tem noção da própria finitude ou mesmo se a ideia de que vai morrer a incomoda de alguma forma “teórica”. Provavelmente não.
E olha que eu sou do time que enxerga méritos em impor um padrão de vida considerado superior em quem não parece ter subsídios para chegar nessa visão sozinho, como mencionei naquele texto do dilema dos índios recentemente. Tanto que se a pegada dos ativistas fosse algo arrogante do tipo “sabemos o que é melhor para o bicho querendo ele ou não”, eu até entenderia melhor o que acontece. Mas sempre é nessa linha de que “é isso que o bicho quer e não consegue expressar”… uma forma comodista de usar a voz de quem não a tem para impor a própria vontade.
Esse tema que escolhemos hoje é muito maior do que uma orca agindo de forma estranha. A mesma base que gera a manchete sensacionalista de que ela estava tentando se suicidar interfere na nossa visão de mundo em virtualmente todas as áreas onde se pode apontar uma “vítima”. Até sei que é insensível pra caralho puxar o assunto no meio deste texto, mas acredito na livre associação de ideias: quando ocorreu o caso da garota estuprada no Rio de Janeiro e a mídia se tornou monotemática, ativistas e/ou oportunistas se apropriaram da vítima, buscando o máximo de exposição possível mesmo que isso marcasse a garota para sempre. O duplo abuso.
A vítima é usada como palanque para interesses alheios e não há preço que não possa ser pago por ela diante da causa que passa a representar. A menina carioca virou vidraça de toda uma sociedade por ter sua intimidade devassada, por exemplo. E voltando para o caso da orca, ela é usada para defender uma ideia de justiça muito humana que provavelmente seria danosa para o animal caso fosse colocada em prática. Soltar um animal desses na natureza, como querem aqueles que imputaram a tentativa de suicídio na orca, é basicamente forçá-la a voltar para um ambiente hostil para o qual foi completamente destreinada a habitar.
A preocupação com a vítima tem o tamanho exato da causa que se quer empurrar a partir do sofrimento dela. Traçando mais um paralelo humano: a turma que é contrária ao aborto acredita na santidade inabalável da vida humana até o momento da criança nascer. Depois, vira marginal e cai na mão da turma que defende a pena de morte! A causa que vem do egoísmo, da vontade de estar certo, essa mastiga e cospe vítimas como se nada. Parece que a natureza do ser humano é tão focada em exploração que até mesmo quando a pessoa acredita estar fazendo o bem, tem que colocar esse fator na jogada.
Entender o que o outro precisa é um processo muito complicado, exige atenção e uma apurada habilidade de empatia que não são muito comuns entre nós, pessoas médias. Mas cagar regra, por sua vez, é extremamente fácil. Pensar como o outro não é imaginar seu cérebro dentro da cabeça dele.
Por isso eu até entendo como o que estamos falando aqui possa ser difícil de assimilar, exige um grau de abstração enorme. Mas, quem não sabe fazer… que aprenda antes de agir como se soubesse.
Para dizer que nosso ecochatismo só funciona com animais estéticos, para dizer que tentou entender o texto com a minha cabeça e deu merda, ou mesmo para dizer que ainda acha que estamos de sacanagem: somir@desfavor.com
A Sally e outros leitores: não foram só essas orcas que mataram treinadores. Keto que está no loro parque matou um treinador (Alexis) dois meses antes do ataque a Dawn.
Mas gente, que bosta mal escrita
Eu só queria dizer que está rolando uma campanha por parte de “””feministas””” de que donos de cachorros devem impedir que eles cheirem e se aproximem de cachorras. Porque isso invade o espaço delas sem saber se elas querem.
TÁ DE SACANAGEM!
Sério.
like it if u cry evrytiem
haahahahaha…
foi a noticia mais bizarra de todas
baleia se suicidar?
mapa mental: deve ter se entalado em algum canal dos tanques… Não!
Se jogou em alguma barra de ferro colocada em algum lugar por perto? Quem sabe para manutenção do espaço… Não!
Que mundo chato…
Ahhhh! Que bom que você apareceu! Meu telefone mudou, sou realmente eu quem está tentando falar com você!
S2
resolvido!
S2
Não temos nenhuma comprovação científica de que animais possam se matar intencionalmente. Esse último acontecimento do Seaworld é um sinal bem ruim, e a fama desses parques vai de mal a pior depois do documentário Blackfish (tem na Netflix). Keiko, Tillikum e Shamu (que matou uma treinadora) foram capturadas, tirados de seus grupos ainda bebês antes de aprender a se comunicar, perderam a habilidade de se relacionar. Orcas que nasceram em cativeiro tem limitações ainda maiores, além de piores problemas de comportamento. O mínimo que poderiam fazer seria obrigar todos esses parques a financiar um santuário, microship, treinamento de ressocialização e monitoramento vitalício pra esses animais.
Shamu também matou uma treinadora???
Corrigindo: Tilikum que matou a treinadora, Shamu mordeu uma treinadora e afundou ela na agua mas conseguiram resgatar. Tem uma lista aqui com relatos de acidentes nos parques
http://www.orcahome.de/incidents.htm
Sensacional!
No fim a insensatez prevalece. E os esquisitos “somos nozes” que não vamos pra nenhuma das bifurcações determinadas pela maioria.
Sim, ou você adota um “lado” ou é contra ambos!