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O som do tempo.

O som do tempo.

| Desfavor | | 19 comentários em O som do tempo.

Sally e Somir tem gostos musicais bem diferentes, mas costumam concordar no que acham tosco e de baixa qualidade (gostando ou não). Mas sempre há espaço para uma discussão, e nesse caso, estamos comparando o cenário musical de 1996 com o de 2016. Visões completamente diferentes… os impopulares ouvem e cantam junto.

Tema de hoje: o cenário musical melhorou ou piorou nos últimos 20 anos?

SOMIR

Apesar de eu ser elitista e achar o gosto musical de todo mundo que não sou eu péssimo, faço isso suficientemente atento ao fato de que música é extremamente relacionada a isso mesmo: gosto. Virtualmente impossível definir um gosto como certo ou errado, cada um sabe o que lhe interessa e empolga. Agora, eu argumento sim sobre gosto musical ser pobre ou rico. Não tem relação com quanto dinheiro a pessoa tem, mas sobre o grau de refinamento desse gosto. E isso não tem nada a ver com o estilo musical preferido, também.

É possível ter um gosto musical rico preferindo música clássica ou preferindo axé. Realmente é mais raro que a segunda opção aconteça na prática, mas não é como se fosse uma regra. Gosto é gosto, oras. Não sou especialista nisso, mas já ouvi vários amigos músicos e alguns conhecidos profissionais da área elogiando demais artistas inimagináveis para mim, mesmo sem eles mesmos gostarem dos estilos dessas pessoas. Falavam sobre a paixão desses artistas pela música, a busca de novidades, a capacidade técnica… vários elementos que me ajudaram a rever preconceitos contra artistas ditos mais… populares. Assim, fica a liberdade de não gostar sem necessariamente criticar a capacidade e a habilidade dessas pessoas de criarem e interpretarem suas canções.

Começo assim para estabelecer um ponto: é muito comum que gente mais elitista, assim como eu e aposto que vários de vocês, esqueça que mesmo nos estilos que não nos agradam pode existir sim muito talento e qualidade musical. Só não nos atrai. E é derivado desse ponto que finalmente defino o meu argumento aqui: o cenário musical com certeza melhorou, e muito, nas últimas duas décadas. O que gera a confusão é que ele aumentou exponencialmente e por pura força dos números, temos mais contato com as coisas que não gostamos.

Não deixa de ser a base do meu argumento geral sobre a melhoria da vida humana ano após ano (em média): uma era de tanta comunicação e acesso a informação gera mais exposição ao que nos desagrada, mas isso não quer dizer que não acontecia em proporções até maiores antigamente. Um cego que por um milagre começasse a enxergar veria muitas coisas feias pela primeira vez, mas isso não quer dizer que essas coisas não estavam lá antes, não é mesmo? Eu até posso ir mais longe com a mania da mídia em massa se concentrar em aspectos ruins, por serem mais vendáveis, mas é melhor eu voltar logo para o cerne deste argumento…

As pessoas tinham um gosto musical médio ainda mais pobre em 1996. Não por serem burras, mas por serem limitadas. Limitadas pelo acesso à música… com a internet engatinhando, as rádios extremamente poderosas e a indústria fonográfica vivendo basicamente de recuperar grandes investimentos em propaganda e divulgação, a pobreza era praticamente inescapável para a maioria de nós. Sim, havia um filtro muito maior para fazer uma música entrar em nossas casas, mas esse filtro não se baseava em qualidade musical. Na verdade, era totalmente focado em vendas.

Se você se lembra de ótimas bandas que ouvia naquela época (e pra não me sentir velho demais, espero que a maioria de vocês lembre), não se esqueça também que o ser humano tem uma incrível habilidade chamada memória seletiva. Lembra de ter ouvido aquela música genial da sua banda de rock favorita? Mas aposto que não lembra das outras vinte que conseguiram emplacar sucessos na mesma época. Estava curtindo Wonderwall do Oasis? Bacana, né? Mas de cinco em cinco minutos tinha alguém tocando a porra da Macarena também! Lembra? O Skank tinha lançado Garota Nacional… e o É o Tchan a Dança da Bundinha…

Memória seletiva é uma proteção natural contra os horrores da mídia de massa passada, mas sempre cria essa ilusão de que “no meu tempo era melhor”. Não era não. Era limitado. No que você podia encontrar de bom e no que você era bombardeado de ruim. O tempo se encarrega de lavar essa sujeira da parte ruim e te deixar com as coisas que você mais gosta. Hoje em dia o cenário musical é absurdamente maior. Em todos os sentidos.

Então eu estou argumentando que é a mesma coisa? Não, claro que não. Posso até usar uma analogia “copo cheio” dizendo que a profusão de artistas produzindo como nunca, mesmo num cenário equilibrado de coisa boa e porcaria, oferece tantas oportunidades de ouvir as coisas que você gosta que compensa e valida a ideia de que melhorou. Tem mais coisa boa, oras. Pensem na seguinte analogia: em 1996, vivia-se numa sociedade com 100 pessoas atraentes e 100 horrorosas. Em 2006, são 1.000.000 de atraentes e 1.000.000 de horrorosas… a chance de pegar uma dessas pessoas atraentes não aumenta? É melhor estar nessa realidade, não?

Mas não é só esse argumento. O grande argumento se chama internet e música digital. As gravadoras perderam muito do seu controle, quase faliram. Os artistas ganharam uma liberdade incrível de fazerem o que tem vontade, sem ficarem presos em vendas de discos e dados de mercado. Nem é o que eu gosto de ouvir normalmente, mas ótimo que uma Beyoncé da vida possa tirar um álbum conceitual da bunda depois de brigar com o marido e não ter ninguém pra impedir. Nessa pixotada impensável em tempos de controle estrito de gravadora, eu nunca ia saber que tem uma música dela que eu gosto, por exemplo. Temos mais opções, inclusive dentro dos próprios repertórios dos artistas, sem aquela obrigação social de vender álbum, todo mundo ficou mais solto.

E, podemos escutar música por música agora! Nada de engolir um CD inteiro por causa de uma só… até pune quem só faz uma que presta ou tem apelo comercial, em comparação. E rádio… rádio é coisa que se escuta dentro do carro agora. Todo mundo com fone de ouvido! Tirando gente mal educada que toca música bosta no último volume (que sempre existiu), o ser humano médio está mais compartimentalizado nos seus gostos musicais.

E, por último, sim… se você não tem gosto musical pobre e escolhe as coisas que escuta ao invés de vegetar diante do que a mídia joga na sua cara, é inquestionável que as oportunidades de encontrar e curtir bandas e músicas diferentes subiram tanto que dá até medo de pensar em como seria não viver nos dias atuais. Eu mesmo posso me usar de exemplo: antes da internet banda larga, eu gostava de Limp Bizkit… depois dela, virei fã de Radiohead. Opções fazem toda a diferença.

Para dizer que eu só estou sendo elitista por esporte, para dizer que ainda não entendeu a introdução, ou mesmo para dizer que depois de tantos clipes BM é tarde demais pra defender o ponto: somir@desfavor.com

SALLY

A música melhorou ou piorou nos últimos 20 anos?

Infelizmente piorou. Na década de 90, por mais bostas musicais que tenham existido, existia também o filtro das gravadoras. Não era qualquer um que tornava uma música sua disponível ao grande público. Para isso havia que passar por uma peneira mínima e, ainda que muitos pulassem essa cerca e entrassem pela janela, havia um filtro em grande escala.

Hoje não. Hoje com redes sociais, com YouTube e tantos outros meios de se divulgar trabalhos musicais, qualquer pessoa pode colocar uma música sua à disposição. E pior, no Brasil, se for bem ruim, viraliza. Para nooooooossa alegriaaaaaa.

Hoje existe mais conteúdo ruim circulando oficialmente como música. Em minha opinião, isso torna a música como um todo pior. Claro que tem muita gente boa que nunca teria chances em gravadoras que conseguiu um lugar ao sol graças à internet, mas, minha gente, pensem no ser humano: vocês acham que a esmagadora maioria é boa ou ruim? Pois é.

Além de democratizar o acesso a todos, também passamos por uma forte crise de criatividade, que já foi inclusive tema de outro texto meu. A impressão que tenho é que nada de inovador está sendo feito, tudo está sendo copiado, reciclado. Quando você sai à rua e vê um cartaz anunciando o filme das Tartarugas Ninjas, percebe que faz tempo que neguinho não tem condição de criar algo novo. As músicas de hoje não inovam, apenas seguem a tendência vigente.

Não que as pessoas hoje estejam mais incompetentes, nem acredito que seja isso. É a demanda do mercado que direciona a criação. Com essa democratização ao acesso, o público que determina o que será produzido não são os amantes da música ou do gênero, aqueles que passaram uma vida degustando aquilo e tem conhecimento. É o povão, o brasileiro médio, o latino-americano médio, norteamericano médio, o ser humano médio.

Sabemos que a maioria do mundo é composta por medíocres (também foi tema de texto meu). Não medíocres no termo ruim, mas medíocres enquanto média mesmo. Então, se o mercado foi aberto para a maioria, (já que hoje não se paga caro por um CD, música pode ser obtida de graça), é normal que a produção acabe se adequando a essa média. A música de hoje é medíocre. Houve sim um retrocesso não apenas na música, mas em diversas esferas criativas.

Isso pode ser sentido na adoração que os mais seletivos tem por bandas antigas. Isso explica porque Aerosmith cobra oitocentos reais por um show no local mais desconfortável do Rio de Janeiro e lota. Isso explica porque Guns n´Roses continua em turnê com um Axl gordo e decrépito cantando as exatas mesmas músicas de vinte anos atrás. Isso explica porque eu ainda escuto Roxette e Bom Jovi na minha playlist.

Eu não sou a média. Você não é a média. Então, normal que tenhamos essa visão de que, em termos gerais, a produção musical está caindo. E, vejam bem, eu tenho um gosto PÉSSIMO para música, como vocês podem ter notado no parágrafo anterior. Se EU, que gosto de Guns n´Roses e Oasis estou sentindo a coisa descacetar, imagina quem tem um refinamento ainda maior que o meu!

O que acontece é que pessoas como a Shakira aqui de baixo (esta semana o chamaremos com nomes de divas pop, para compor com o tema) se fecha no seu mundinho e foca no nicho que ele criou. Cata o que gosta, monta uma playlist e acha que isso significa que tudo melhorou. Quem tem contato geral com o mundo lá fora sabe que, em termos gerais, piorou, com a diferença que podemos escolher a la carte o que ouvimos por não sermos mais reféns de radio. Eu quero ver se colocar a Beyoncé aqui de baixo para ouvir TODAS as músicas da atualidade: será que ele vai achar que em termos gerais melhorou ou piorou?

Pesquisem as músicas mais tocadas 20 anos atrás (tem muita merda, eu não nego), mas comparem com as mais tocadas hoje e vejam os diversos tipos de câncer musical que se abateram na sociedade: sertanojo universitário, funk massificado, pseudo-cantores paridos por reality shows de música e tantos outros. Internacionalmente também observamos essa bostificação com o aumento de ritmos grotescos como Cumbia e todo tipo de fast music que atenda às massas.

Hoje o cenário musical é descartável. É muito difícil encontrar uma banda boa criada recentemente que se mantenha ativa e lembrada por anos e produzindo músicas que sobrevivam por décadas. A massa medíocre mastiga e cospe as músicas como um chiclete, sempre atrás do próximo hit. No meu entender, isso quer dizer que a qualidade piorou. Não creio que tenhamos clássicos criados em 2016 que serão lembrado mundialmente dentro de vinte anos.

Não pense na sua playlist de hoje. Ela não reflete a situação atual da música e sim sua escolha pessoal. Ligue o rádio e escute as mais tocadas, depois me conte se acha que melhorou ou piorou. Vá ao YouTube e veja os clipes musicais mais vistos e depois me conte se você acha que melhorou ou piorou.

É isso que acontece quando você democratiza antes de educar: a maioria medíocre dita a regra e puxa a produção social para baixo, pois ganha força de mercado. Hoje música é feita para agradar a essa massa, a essa maioria.

Só tem que explicar para a Rihanna aqui de baixo que se ELE conseguiu garimpar umas musicas mais bacaninhas hoje do que em 1996, isso não reflete a realidade da música nos dias de hoje. Universo Umbigo, sempre o mesmo problema quando escrevemos o Ele Disse, Ela Disse…

Para chamar o Somir pelo nome de alguma diva pop, para dizer que melhorou pois não aceita viver em uma era tão cagada ou ainda para dizer que não sabe avaliar por só escuta a la carte o que você gosta: sally@desfavor.com


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