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Acertando no alvo.

Acertando no alvo.

| Desfavor | | 13 comentários em Acertando no alvo.

Na madrugada do domingo (12) um homem armado abriu fogo contra o público de uma boate gay em Orlando, na Flórida (EUA), matando ao menos 50 pessoas, no pior ataque a tiros da história dos Estados Unidos.

Parece Desfavor da Semana, mas gerou uma discussão entre Sally e Somir.

Tema de hoje: depois do atentado, quem vai levar vantagem na corrida presidencial americana?

SOMIR

O tema dá pano pra manga nessa parte sim. O sufixo “gay” depois de boate cria novos elementos na história que o tornam capitalizável para Hillary e os democratas, mas o elemento “Omar Saddiqui Mateen” como perpetrador do massacre é inflamatório demais para que Trump e os republicanos não acabem saindo como os maiores beneficiários.

Embora os democratas estivessem dizendo “não disse?” a cada tiroteio acontecido no país nos últimos anos, é o “não disse?” de Trump sobre religião e etnia que tende a soar mais poderoso aos ouvidos dos ianques. Pudera, estamos falando de dois elementos muito fortes na cultura deles: por um lado a cegueira seletiva sobre os riscos da política de liberação quase que total de armas de fogo na maioria dos estados, por outro o histórico senso de segurança da posição geográfica do país em meio às tantas guerras que participam.

Ou seja: os democratas vão bater em algo que o americano médio não gosta de ouvir e os republicanos vão poder usar não só o discurso do medo como tirar vantagem até mesmo de uma segurança psicológica do povo sobre ataques de “estrangeiros” no seu solo. Por mais que Omar seja americano da gema, sua descendência tende a falar mais alto. Meio como aquela piada que fazíamos com o Fernando Meligeni: quando ganhava era brasileiro, quando perdia era argentino…

Omar era americano até ser mais conveniente taxa-lo como afegão. Sem essa presunção, a visão popular deles estaria mais alinhada com mais um dos “inevitáveis” tiroteios que malucos fazem sem nenhuma relação direta com as leis de armas de fogo deles, e portanto, bem menos relevante. Se não se mexeram quando um cara invadiu uma escola e matou crianças com um rifle automático, não seria uma boate cheia de adultos em sua maioria gays e latinos que iria fazer a diferença.

Mas, com a presunção de Omar estar alinhado com o Estado Islâmico (que obviamente assumiu o ataque, eles sempre assumiriam), muito pela sua descendência, aí a coisa vira terrorismo. E pra terrorismo, o americano médio está muito disposto a se mexer. Terrorismo em seu território mexe com os brios daquele povo, tornando-o extremamente explorável. Tenham em mente que o “Ato Patriótico” que deu poderes quase que ditatoriais às forças de segurança antiterrorismo locais foi aplicado logo após os atentados de 2001 e continua por lá até hoje.

Trump ganhou fôlego com cada atentado midiático (vulgo o que mata gente de lugares ricos) até aqui, cuspindo um discurso de ódio que encontrava imenso eco entre sua base eleitoral e até mesmo muitos dos indecisos. Se o que aconteceu em Paris já teve resultados positivos para o candidato/maluco, é de se prever que algo parecido em território americano tenha ainda mais poder. Gente desequilibrada feito o Trump costuma ter suas maiores chances em momentos de medo da população.

E isso me faz voltar no ponto do que cada lado vai tentar capitalizar e como um vai influenciar o outro: os democratas focando em algo que o povo prefere não ver, a falta de regulação na venda e porte de armas aliado a ao preconceito contra minorias. Nem estou fazendo o juízo de valor se a posição democrata é a mais correta aqui, mas, com certeza é a que gera a maior negação entre a população de lá. Se Hillary não navegar muito bem pela situação demonstrando ao povo que vai seguir a manada e pensar primeiro na ameaça terrorista, pode sim soar fraca diante de Trump e perder mais alguns votos.

E por aquelas bandas, as votações tendem a ser apertadas. As bases são muito bem definidas e o sistema distrital não permite que a maioria sempre vença… Trump não precisa cativar todo o público que o odeia neste momento, e sim aqueles que tem mais peso nos seus votos. É bem óbvio que o candidato republicano tem noção dos pontos exploráveis da mente do americano médio e até mesmo do ser humano médio: culpar estrangeiros pelos problemas locais é um clássico que não cansa de funcionar.

E mesmo que os planos de Trump beirem à infantilidade, construindo muros e banindo seguidores de uma religião de entrar no país (o que não teria impedido este atentado), quando o medo se instala no eleitorado, só querem alguém que tenha alguma ideia e coragem para implementá-la. Se ela vai funcionar ou não é secundário… vemos algo muito parecido por aqui, inclusive. Toda vez que um crime choca nossa sociedade, a resposta é aumentar a pena. Adianta? Não. Mas as pessoas sentem que algo foi feito.

Historicamente, ilusão de segurança vende muito mais que segurança na prática. Até porque a segunda opção exige muito mais do que uma ideia radical para ser alcançada. Quem busca atalhos vai ver no discurso de Trump e dos republicanos a salvação. Com o bônus dele não pactuar com nenhuma medida realmente impopular com o status quo como a regulação de armas de fogo.

Todo povo é explorável de alguma forma. Calha dessa situação ser especialmente explorável no contexto americano, não nos esqueçamos que Bush, notório retardado, foi reeleito na onda de comoção pelos atentados de 2001 mesmo com uma percepção de ter agido de forma errada nos momentos prévios e posteriores do 11 de Setembro. Medo gera conservadorismo. Conservadorismo fortalece homens que soam extremamente seguros de si e dispostos a fazer qualquer merda para acalmar a população.

Até preferia que Sally estivesse certa hoje, mas acredito que não vai ser assim. Se Trump ganha não sei, mas que vai ser mais apertado o resultado final do que seria sem esse atentado, nisso eu aposto sim.

Para dizer que é muito cedo na semana para política internacional, para dizer que não tem subsídios pra concordar com ninguém hoje, ou mesmo para dizer que quer ver o Trump no poder pelo mesmo motivo que queria que a Dilma ganhasse em 2014: somir@desfavor.com

SALLY

O maior atentado com arma de fogo já praticado nos EUA foi cometido na madrugada de sábado para domingo. Disso todo mundo já sabe, bem como dos detalhes sórdidos que a imprensa insiste em expor para conseguir cliques e audiência. O que ninguém sabe ainda e estamos propondo discutir é: quem se beneficia do ocorrido na corrida eleitoral americana?

Acredito que seja Hillary Clinton e os democratas, por um motivo muito simples: está todo mundo muito desesperado para fazer desse atentado um ato homofóbico e, ao criminalizar e repudiar a homofobia ou, por tabela, o preconceito contra qualquer minoria, se repudia também a postura radical de Donald Trump.

Reparem que o pai do atirador se apressou a dizer que a causa era homofobia, porque seu filho teria feito um comentário se queixando de ter que ver casais gays juntos em público. Soa estranho, ainda mais se pensarmos que, caso seja visto como um ato de terrorismo, o pai e toda a família serão deportados dos EUA. Não me admira que ele corra para chamar o presunto ainda quente do filho de homofóbico aos berros, é a hipótese que menos vai respingar na sua família.

Esta isca era tudo que os histéricos de plantão precisavam. Perderam o foco total, perderam o bom senso. Começou a gritaria anti-homofobia e ela está tão alta que não haverá espaço para mais nada. Odiar gays nunca esteve tão fora de moda e tão recriminado. A intolerância nunca foi tão mal vista. E nessa, Trump sai mais sujo do que pau de galinheiro. Ontem já fizeram uma manifestação de repúdio ao atentado em São Paulo, como se alguém pudesse ser a favor de uma atrocidade dessas. A causa da vez está instaurada.

Um sujeito chamado Omar, cujos pais são do Afeganistão, entra em uma boate lotada com artefatos (provavelmente explosivos) amarrados ao corpo e armas de fogo, objetos que não se encontram em qualquer esquina, precisam de algum planejamento para conseguir. Ele não é um curioso, ele tem a habilidade de, sozinho, tirar a vida de pelo menos 50 pessoas e ferir quase o mesmo numero, provocando o maior atentado com armas de fogo da história moderna dos EUA. Ao ligar para 911 ele jura lealdade ao Estado Islâmico. Ele parece um homofóbico ou um Lobo Solitário?

Quer saber? Mesmo se for um Lobo Solitário, Trump nem se fortalece tanto, pois ele levanta a bandeira de banir imigrantes e ter tolerância zero com eles, o que não adiantaria no caso, pois Omar era americano. Mas, ao que tudo indica, isso descamba para a homofobia mesmo, porque é o motivo que interessa ao maior numero de pessoas. Sabemos que hoje vence quem grita mais alto e tem um coro maior.

Até mesmo comentaristas da Globo News se descontrolaram dando lição de moral sobre tratar gay direitinho, chegando a meter opinião do brasileiro médio em comentários de rede social, jornais e revista e o tratamento dado aos gays pelos cristãos. Obviamente eu não sou contra gays, tenho um histórico aqui de oito anos defendendo-os, mas com dignidade. O faniquito de comentarista da Globo News foi vergonhoso. Isso só serve como termômetro para mostrar que esse atentado vai ser o 11 de setembro gay. Sim, gays são agredidos e perseguidos de forma escrota. Sim, existe preconceito. Mas nesse caso a causa primeira parece ter sido um atentado terrorista.

Hillary não é boba, ela vai capitalizar isso para sua campanha. Basta à intolerância, basta de não aceitação com quem é diferente do mainstream. Pronto, era o desempate que faltava. Ainda que Trump tenha se posicionado repudiando o atentado, em seus atos ele muitas vezes fomenta a intolerância. Não que isso influencie um terrorista, mas queima o filme de Trump. Ninguém gosta de quem se posiciona abertamente contra os valores vigentes. Pode até agir contra eles, desde que tenha a hipocrisia de fazer um discurso de adequação.

Trump vai perder popularidade no minuto em que sua mentalidade for comparada à de intolerantes como esse atirador. Em um país como os EUA, que hoje estão cheios de minorias ressentidas como latinos, negros e gays, isso faz diferença em uma eleição apertada. Basta ver a força que eles tem, acabaram de eleger o primeiro Presidente negro. É para esse sentido que ruma o barco.

Não vai dar tempo de Trump se reinventar, até porque sua imagem de preconceituoso já está tatuada na sua testa. Ele pode jogar a carta da segurança pública, das armas, dos imigrantes mas… quando já se encarregaram de estabelecer que o problema principal é a homofobia, Trump não pode abrir a boca para falar muita coisa, pois ele é parte do problema.

Vejo potencial para isso virar um grande evento, uma data histórica, um marco para uma série de mudanças na sociedade americana. A lona que montaram em torno desse circo é enorme, grande o bastante para definir até mesmo uma eleição presidencial. A imprensa comprou a tese da homofobia, pois além de vender melhor, é mais explorável, suscitando infinitas formas de exploração midiática.

Esperem por dezenas de programas de televisão, jornais, revistas e sites discutindo a problemática gay. Acabou estupro coletivo, só vai se falar na causa gay na próxima semana. A menos que alguém curre um filhote de panda, estupro não será tão cedo a pauta principal. Incrível como homem ainda tem mais poder que mulher, mesmo dando o cu.

E vai vender. Gays cada vez mais tem poder aquisitivo considerável e estão na moda. A imprensa mirou certo para o que lhe interessa: audiência. Calhou de, no processo, ajudar Hillary. Quanto mais indícios aparecerem de que o ato foi movido por homofobia, mais o atirador será comparado a Trump e menor será sua popularidade. O assunto será explorado à exaustão. Colegas e conhecidos do atirador aparecerão para contar histórias que reforcem essa versão, que, verdadeiras ou não, serão marretadas na cabeça de Trump: quem tem preconceito é pessoa escrota que pega em armas para matar inocente.

Mais uma vez, o Efeito Morgan (ver texto de sábado). Pelos motivos errados, se divulgam informações erradas, que geram desdobramentos que em nada ajudam as vítimas. Os EUA precisam é repensar sua política internacional e mentalidade paranoica com a qual conduzem seu país, é por isso que radicais se explodem e matam. Mas, bem, dizer isso agora é ser contra a causa gay. Deixa pra lá.

Para dizer que não gostou da nossa abordagem e que queria detalhes sórdidos do atentado, para dizer que já no segundo dia está de saco cheio da causa gay ou ainda para dizer que cogita currar um filhote de panda só para o foco da semana mudar: sally@desfavor.com


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