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Ministério da Ignorância.

Ministério da Ignorância.

| Desfavor | | 3 comentários em Ministério da Ignorância.

+O ministro da saúde, Ricardo Barros, adotou uma nova tática de comunicação nesta quinta-feira (19). Parece ter decidido ouvir mais e falar menos. Em suas primeiras manifestações, o ministro havia cometido alguns disparates – disse que seria necessário “conversar com a Igreja” para avançar no debate sobre o aborto (uma questão de saúde pública e educação, e não de foro íntimo, como a opção religiosa), numa entrevista ao jornal O Estado de São Paulo (…)

A série continua. Temos que falar de novo dos novos ministros. A coisa só fica pior… desfavor da semana.

SALLY

O novo Ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmou que vai convidar a igreja para discutir a questão do aborto no Brasil. Tanto a dizer…

Para começo de conversa, este senhor limpou a bunda com a Constituição, que tem como uma de suas premissas básicas o Estado Laico, ou seja, separar Estado de religião. Ele está envolvendo religião em uma decisão estatal que diz respeito à dignidade da pessoa humana e saúde pública. Ricardo Barros não é dono do cargo e não é dono do país, não pode fazer o que ele quer ou o que ele acha melhor. Seu cargo implica em limitações legais. Para agir em nome do povo ele deve respeitar os limites da lei e a principal lei deste país diz que não se podem tomar decisões estatais com base em religião. Então, não, ele não pode nem ao menos discutir a questão com a igreja como agente estatal.

Outra coisa: não é debate de opinião. Um Ministro que toma decisões de saúde pública baseado em achismo é um merda. É uma questão que requer especialistas da área da ciência para guiar até as medidas necessárias, sejam elas contra ou a favor do aborto. Estamos falando de saúde, não de fé. Cada macaco no seu galho. Se religiosos quiserem se inserir em outros Ministérios mais hippies, ligados a cultura ou coisa do tipo, vai lá e argumenta dentro do subjetivismo que a pasta permite. Mas não venham pisar no terreno da ciência, por gentileza. Muito menos defecar nele.

E, cá entre nós, será que ele vai chamar todas as religiões para opinar? Será que vai ter Pai de Santo sendo ouvido? Teremos o prazer de saber o que o Candomblé acha? Improvável. Vai ser aquele combo básico que compõe a massa eleitoral de católicos + evangélicos de sempre, que por sinal, nem precisavam ser convidados a discutir nada, já que todo mundo sabe como eles pensam. Eles acreditam que há vida humana quando temos apenas um zigoto, um aglomerado de células. Pessoas limitadas que deveriam dizer que estão comendo frango quando fritam um ovo.

Na lei brasileira nada impede a legalização do aborto, apesar de leigos idiotas gostarem de defender o contrário. O direito à vida é relativo e não absoluto, segundo a própria Constituição, que, para quem não sabe, prevê até casos de pena de morte. Então, lavem a boquinha antes de falar do direito à vida. E a vida começa com o nascimento: nasceu, respirou, tem vida. Mesmo que direitos do feto estejam protegidos, é feto se tiver sistema nervoso central, batimentos cardíacos e outros requisitos que um aglomerado de células não tem.

E digo mais: se a lei de transplante de órgãos te permite tirar a vida de quem teve morte cerebral, por qual motivo não se pode “tirar a vida” de quem nem cérebro nem sistema nervoso tem? Então, o argumento legal não cola. Não forcem a amizade que compromete a credibilidade. Nada na lei brasileira impede a legalização do aborto, tanto é que em alguns casos ele já é permitido, ao contrário da tortura, que é um direito absoluto, não permitido em caso algum, nem mesmo para salvar uma vida. Como diz Bilu, busquem conhecimento.

O mais perigoso, meus amigos, é que agora não estamos falando daquela gente burra, tosca, suada e oleosa do PT, que fazia tudo de forma acintosamente burra. Estes são mais bem instruídos, são perigosinhos. Ele revestiu seu convite de atitude democrática, como quem quer fazer parecer que todos devem ser ouvidos e que seria radicalismo não inserir todos os interessados na discussão. Sutileza é um perigo quando exposta ao povo brasileiro, que engole fácil qualquer bosta que se afirme.

A igreja não é interessada na questão do aborto por um único motivo: ele não vai ser obrigatório. O que se pretende é apenas que ele deixe de ser crime. Faz quem quer, quem é contra não faz. Em nenhuma outra decisão estatal envolvendo saúde pública desta natureza a igreja foi considerada. Alguém chamou a igreja para perguntar se achava bacana vender ou até distribuir camisinha de graça para a população? Não, né? Sabemos que eles são declaradamente contra, ainda assim, camisinhas são vendidas e distribuídas gratuitamente à população. Não está faltando coerência nos atos? Se aborto for submetido à igreja, abre-se um precedente perigoso. E se eles quiserem opinar sobre tudo? E se ele se posicionarem contra a venda de anticoncepcionais? Não acho que essa porta deva ser aberta.

Eu até concordo em chamar a igreja para discutir algumas questões estatais sim, como por exemplo, essa ridícula isenção de tributos. Chama eles para avisar que de agora em diante terão que pagar impostos, que tal? Ou então, por uma questão de coerência, vamos ouvir a opinião da igreja em TUDO. Aliás, faz melhor. Se a igreja vai se meter na esfera punitiva do Estado, passemos a jogar os corruptos na fogueira então. Talvez os métodos dela de fato sejam mais eficazes do que os atuais.

Legislar levando em conta a opinião da igreja, além de ser inconstitucional e imoral, é desleal com o povo. Você está privilegiando uma parcela da população que segue aquela religião e esquecendo de outra. É um retrocesso inaceitável que já vinha sendo cometido pelo PT (alguém se lembra de Dilma, que sempre se disse a favor do aborto, dizendo em plena campanha que era contra por pressão religiosa?) e agora é repetido de forma ainda mais perigosa.

Todo o discurso do senhor Ricardo Barros é uma vergonha. Soa, no mínimo, suspeito querer enxugar o SUS quando a proposta vem de quem teve como maior patrocinador de campanha um sócio de uma grande empresa de planos de saúde privados. Ok, o povão não vai fazer essa conexão, até porque, a verdade é que o povão é contra o aborto por questões religiosas, em tese, até que sua filha adolescente engravida do namoradinho, aí fazem aborto, mas negam até a morte.

Uma das coisas que mais me despertou nojo foi a justificativa que ele usou. Abro aspas para não correr o risco de ser tendenciosa ou cometer injustiças: “(…) Vamos ter de conversar com a Igreja. A decisão do Ministério não deve provocar resistência ou discussão”. Você está fazendo isso errado, meu caro Ministro Covarde. Nunca vi tanto medinho de cruzar uma linha socialmente imposta. Esse Ministro deveria usar fraldas de tão cagado nas calças que está. Medo de quem não quer causar resistência e discussão, pois está pessoa só vai conseguir estagnação.

Só se evoluí empurrando a linha mais para frente. Inovações que mudam e melhoram o mundo sempre provocam resistência e discussão. Não há crescimento na zona de conforto, não há conforto na zona de crescimento. Querer melhorar um país com essa visão covarde e conservadora é impossível. Você está ali para agradar a todos ou para fazer o que é melhor para o povo? Quer ter seu nome escrito nos livros de história como aquele que fez a diferença ou só mais um cuzão que protegeu o status quo?

Juro que não compreendo essas pessoas que conseguem ter os instrumentos para revolucionar, melhorar ou mudar a realidade e se acovardam. Se não vai legalizar o aborto, joga limpo e diz que não é o momento. Mas não, parece querer ficar bem com todo mundo e contemporizar o tema. Não dá, amigão. Isso acaba mal. Isso termina com todo mundo puto da vida com você.

E ainda tem os filhos da puta agourentos dizendo “Viu? Viu? Tiraram a Dilma, agora aguenta”. Então quer dizer que a solução era ficar com uma corrupta que dá rombo de 170 BILHÕES no país? Não, obrigada. Não quero nem um nem outro. O fato de vir uma bosta no lugar não é motivo para deixar corrupto no poder e quem pensa o contrário pensa bem pequeno. O fato de ter tirado uma corrupta que deu um rombo de 170 BILHÕES não me obriga nem me faz merecedora de aturar um bosta que veio em seu lugar. Tenho todo o direito de reclamar o quanto quiser e de fazer te tudo para que esse (e quantos bostas vierem) caia(m).

Viver para ver decisões vinculadas à saúde pública e ciência sendo discutidas com a igreja. Impressionante como o Brasil inventa toda semana um desgosto pior do que o outro para nos desanimar.

Para perguntar quem escreveu o texto de ontem, para dizer que em breve não poderemos mais usar métodos anticoncepcionais ou ainda para dizer que o novo governo está com o cu na mão por ser provisório: sally@desfavor.com

SOMIR

Posso ser suspeito por acreditar que o único trabalho para o qual crente está preparado é puxar carroça, mas quando alguém é indicado para ser ministro da saúde e começa a dizer asneiras desse nível, só reforça a ideia que é pós e não pré-conceito.

Vamos tirar algo logo do caminho: representantes da Igreja só tem algum discurso de autoridade no conhecimento da obra ficcional a qual se propuseram a estudar. Padres, bispos, pastores e gurus de todos os tipos por definição tem o mesmo grau de conhecimento da realidade de um grande fã de Harry Potter ou Senhor dos Anéis… leram livros sem nenhum embasamento científico ou compromisso com a realidade e lembram bem do que estava escrito neles.

Quando lembram, isso sim. Porque até para quem deveria ser especialista no universo fantasioso escolhido, é assustador como via de regra não agem de acordo. Os cristãos parecem nem saber de onde vem o nome da sua denominação religiosa, considerando que agem em desacordo com a maior parte dos ensinamentos de seu messias. O amor ao próximo passa longe de ser incondicional, e nesse caso específico, altamente modificado por um fetiche ancestral por regular a vida sexual alheia.

E eu tenho que me concentrar no cristianismo porque é evidente que o ministro pensava apenas nessa religião ao fazer seu comentário. Algum tempo atrás seria apenas a Igreja Católica, mas hoje em dia o que não faltam são os votos evangélicos, então eles entram na equação também. E, como a maioria dos ateus, eu sei mais sobre a religião deles do que eles mesmos, posso dizer que as restrições reprodutivas que seguem como se fosse a palavra de seu deus na verdade nem parecem ter sido ditadas pela divindade em questão. Pai e filho, quando citados, não parecem muito interessados nesse aspecto, ficando as leis ancestrais citadas ali muito mais a cargo de civilizações antigas cujos registros foram suficientemente preservados.

Mas, evidente, ninguém se interessa por isso. Não dá pra levar a sério a religião se você estudar ela direito. Gostoso mesmo é cagar regra e sentir-se poderoso controlando a vida alheia. Até entendo que muita gente goste dessa relação doentia de poder entre igreja e fiel, encontrando conforto em seguir as palavras de gente ignorante do passado e do presente, mas… estamos falando do ministério da saúde de um país em pleno século XXI. Foi mal, mas a religião é tão importante na questão do aborto quanto a opinião de um mendigo bêbado na esquina.

Não dá mais, não cabe mais ouvir esse bando de idiotas que tiveram mais de um milênio de poder sobre boa parte da humanidade e não conseguiram um milésimo do sucesso no aumento de qualidade de vida do ser humano do que a ciência moderna fez em menos de um décimo do tempo! Se não sabíamos melhor há séculos atrás, sabemos agora. Igreja cuida da fantasia coletiva de um juiz/voyeur mágico nos céus, o conhecimento científico cuida do desenvolvimento da sociedade humana.

Vamos falar de aborto? Questão de saúde pública? Então quem tem que ser ouvido é quem estudou sobre o assunto, quem sabe analisar dados estatísticos, quem conhece os pormenores médicos, quem entende de administração pública… velhos de saia e estelionatários (por mais bem intencionados que sejam) tem o mesmo discurso de autoridade que um Zé Ruela escrevendo um blog para umas dez mil pessoas, embora eu pelo menos tenha a humildade de ter estudado sobre o tema respeitando o conhecimento científico antes de abrir a boca.

Tudo bem que o ministro ouviu por ter dito essa besteira, mas isso foi pouco, muito pouco. Quem fala uma estupidez dessas tem que ser demitido, o que alguém com essa capacidade mental vai conseguir fazer no seu cargo? Voltamos ao assunto da semana passada: enquanto ministros forem indicações políticas e não mérito por conhecimento e experiência na área, as ações que precisamos ver realizadas para melhorar a vida do brasileiro vão continuar engavetadas por motivos como “malucos que acreditam no Papai Noel com outro nome vão ficar bravos”.

Criança, maluco e religioso fanático não tem querer. São pessoas que alguma deficiência cognitiva (mesmo que auto-imposta) que impossibilita a compreensão não só das ações que tomam como das consequências delas. Se alguém te diz que é contra o aborto porque uma massa gigante de macarrão e almôndegas a instruiu assim, você vai aceitar como motivo válido? O Estado está separado da religião principalmente para evitar que gente muito ignorante e/ou maluca tenha poder de decisão.

Quer acreditar na sua divindade? Divirta-se. Mas tem um custo: quem não aceita viver no mundo real não deveria tentar influenciar quem está. E nem precisa ser ateu para ser ministro, é só saber separar o que é o seu trabalho e o que é a sua crença pessoal. Nem se menciona algo como conversar com a igreja quando se é ministro da saúde. Foda-se a igreja, eles não tem nenhuma relação com o assunto. Faz o ministério da fantasia então, coloca o Ricardo Barros e façam dez reuniões diárias com a igreja, mas deixem gente competente e disposta de verdade cuidar da saúde.

Para dizer que gosta quando eu fico atacado com esse tema, para dizer que é religioso e não é retardado (nessa parte é sim), ou mesmo para dizer que em troca a igreja deveria escutar os ateus na parte de não estuprar criancinhas: somir@desfavor.com


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