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Chapeuzinho vermelho.

Chapeuzinho vermelho.

| Sally | | 31 comentários em Chapeuzinho vermelho.

Era uma vez, numa pequena cidade às margens da floresta, morava uma menina de pele clara e louros cabelos cacheados. Um dia, com um retalho de tecido vermelho, sua mãe costurou para ela uma curta capa com capuz; serviu-lhe perfeitamente, combinando muito bem com seus cabelos louros. Daquele dia em diante, a menina não quis mais saber de vestir outra roupa, senão aquela e, com o tempo, os moradores da vila passaram a chamá-la de “Chapeuzinho Vermelho”.

Além da mãe, Chapeuzinho Vermelho não tinha outros parentes, a não ser uma avó bem velhinha, que nem conseguia mais sair de casa. Morava numa casinha, no interior da mata. De vez em quando ia lá visitá-la com sua mãe, e sempre levavam alguns mantimentos.

Um dia, a mãe da menina preparou algumas broas das quais a avó gostava muito mas, quando acabou de assar os quitutes, estava tão cansada que não tinha mais ânimo para andar pela floresta e levá-las para a velhinha.
Então, chamou a filha:

MÃE: Chapeuzinho Vermelho, vá levar estas broinhas para a vovó, ela gostará muito. Disseram-me que há alguns dias ela não passa bem e, com certeza, não tem vontade de cozinhar.
CHAPEUZINHO: Vou agora mesmo, mamãe.
MÃE: Tome cuidado, não pare para conversar com ninguém e vá direitinho, sem desviar do caminho certo. Há muitos perigos na floresta, um lobo muito mau foi visto por ali!
CHAPEUZINHO: Tomarei cuidado, mamãe, não se preocupe.

A mãe arrumou as broas em um cesto e colocou também um pouco de queijo e presunto, para que a avó possa fazer um sanduíche. Deu um beijo em Chapeuzinho Vermelho e a menina saiu em direção à casa da avó. Chapeuzinho saltitava e cantava pela floresta quando foi abordada por um grupo de pessoas com cartazes que gritavam palavras de ordem.

PESSOA 1: Sabe o que é isso que você tem aí nesse cesto?
CHAPEUZINHO: É para minha vovozinha! Tem pão, queijo, presunt…
PESSOA 1: MORTE, é isso que você tem nesse cesto
CHAPEUZINHO: Desculpe, não estou entendendo…
PESSOA 1: Esse pobre animal teve que morrer para que sua vovozinha disfrute de um sanduíche, você acha isso bonito? ASSASSINA!
CHAPEUZINHO: Mas eu…
PESSOA 2: CRIMINOSA! MONSTRO!

As pessoas começaram a se aproximar de Chapeuzinho com uma postura agressiva. Com medo, ela pegou um punhado de terra no chão e jogou no rosto das pessoas que se aproximavam. Enquanto elas tentavam tirar a terra dos olhos, Chapeuzinho correu para o meio da floresta para se esconder dessas pessoas. Quando já estava distante, ouviu alguém que a chamava. Um delicado cervo, com uma boina vermelha na cabeça a olhava.

CERVO: Psiu!
CHAPEUZINHO: É comigo? *esfregando os olhos sem acreditar
CERVO: Sim. Qual é o seu nome?
CHAPEUZINHO: Chapeuzinho Vermelho. E o seu?
CERVO:
CHAPEUZINHO: Prazer…
CERVO: Porque me olha com essa cara?
CHAPEUZINHO: É que eu nunca vi um cervo falante, achei estranho
CERVO: Porque eu sou cervo eu não tenho que ter voz? É isso?
CHAPEUZINHO: É… não sei… acho que sim, normalmente cervos não falam
CERVO: Discurso típico da elite nórdica, fascista, racista, que tem preconceito contra negros, pobres e nordestinos!
CHAPEUZINHO: Oi?
CERVO: FASCISTA! FASCITA, ISSO É O QUE VOCÊ É! BURGUESA QUE QUER CALAR AS MASSAS!

O Cervo desfere uma cuspida que acerta em cheio o rosto de Chapeuzinho, que, em estado de choque, começa a dar passos para trás e se afastar sem entender nada.

CERVO: Volta aqui, fascista, elite branca, reacionária! Ainda não acabei!
CHAPEUZINHO: Você cuspiu na minha cara! Não quero nem chegar perto de você! Vou contornar o rio só para não ter que passar ao seu lado, seu maluco!

Chapeuzinho sai de forma apressada, olhando para trás, para ver se o Cervo não a seguia. Graças a essa distração, acaba pisando em algo mole que estava no chão e, para sua surpresa, ouve um grito de dor.

CHAPEUZINHO: Não acredito, pisei na bosta!
BOSTONARO: AAAAAAIIIIII!
CHAPEUZINHO: Você fala?
BOSTONARO: Tinha que ser petista, para vir aqui me agredir!
CHAPEUZINHO: Oi?
BOSTONARO: Essa capa vermelha… sua comunista de merda!
CHAPEUZINHO: Tem um cocô me xingando? *esfregando os olhos novamente
BOSTONARO: Merecem ser todos torturados mesmo! Vocês comunistas são a escória deste país!
CHAPEUZINHO: Senhor Tolete, eu juro, foi sem querer, eu estava olhando para trás e não vi quando…

Chapeuzinho foi interrompida. Por entre os arbustos, aparece o Cervo Jã e ele não estava sozinho. Trouxe reforços. A seu lado, um burrinho bem idoso.

JÃ: É ela, Zé, é ela!
CHAPEUZINHO: Me deixem em paz!
BURRO: NÃO VAI TER GOLPE! NÃO VAI TER GOLPE!
CHAPEUZINHO: Claro que não vai ter golpe, eu nem sonhei em bater em alguém!
BURRO: OUVIRAM DO IPIRANGA ÀS MARGENS PLÁÁÁÁCIDAS…
CHAPEUZINHO: ME DEIXE EM PAZ, SEU BURRO!
BURRO: VOCÊ ME CHAMOU DE BURRO? *cuspindo na cara de Chapeuzinho
JÃ: Tinha que estar na companhia desse bosta!
BOSTONARO: VIADO!
JÃ: SEU MERDA!

Aproveitando a confusão, Chapeuzinho corre ainda mais para dentro da mata, limpando o rosto. Avista um grupo à distância e se sente aliviada ao perceber que são mulheres. Corre para pedir por socorro. Quando se aproximam, percebem que elas estão mantendo um prisioneiro amarrado a uma árvore. Ela se aproxima desconfiada e percebe que quem está amarrado à árvore é um lobo. O lobo está machucado, parece ter sido agredido.

MULHER 1: Cuidado, mocinha! Não chegue muito perto, ele é um predador sexual, um estuprador!
LOBO: *bufando e revirando os olhos
CHAPEUZINHO: O que está acontecendo aqui?
MULHER 1: Eu estava passando por aqui e ele pulou na minha frente para me estuprar!
LOBO: Pela milésima vez, o que eu disse foi “Vou te comer!”
MULHER 1: TÁ VENDO? VOCÊ ESTÁ DE PROVA! PREDADOR SEXUAL!
CHAPEUZINHO: Moça, ele é carnívoro… ele só queria se alimentar, você é que confundiu as coisas
MULHER: Ah, claro, agora você vai me julgar! É por isso que o mundo é dominado por machistas opressores, por causa de mulheres como você, que culpabilizam a vítima!
LOBO: Não adianta, eu já tentei explicar, não escutam
CHAPEUZINHO: Pessoal, vamos ser racionais?
MULHER 1: SUA MACHISTA! SUBMISSA! ESCRAVA DO SISTEMA! NÃO VOU ME CALAR! VOCÊS NÃO VÃO ME INTIMIDAR!

Em um movimento rápido, Chapeuzinho desamarra o lobo. As mulheres saem correndo e gritando.

LOBO: Obrigada, Menina
CHAPEUZINHO: Você é o lobo mau, de quem eu deveria ter medo?
LOBO: Sim, mas não precisa ter medo, eu desisto, estou indo embora para outra história
CHAPEUZINHO: Indo embora?
LOBO: Sim. Aqui eu não consigo comer ninguém sem que uma horda de ativistas furiosos depreendam segundas intenções. Outro dia ataquei um judeu e precisa ver o escândalo que foi, me chamaram de nazista para baixo. Vou procurar aqueles três porquinhos e assoprar a casa deles, lá a coisa está mais tranquila. Obrigada, viu? Tchau.

Chapeuzinho se despediu do Lobo e continuou sua jornada. Depois de tantas fugas, ela estava perdida, não sabia para onde ir. Foi quando ouviu uma voz vinda de cima:

MACAQUINHO: Perdida, Menina?
CHAPEUZINHO: Quem disse isso?
MACAQUINHO: Eu *descendo da árvore
CHAPEUZINHO: Você fala? Um macaco que fala?
MACAQUINHO: Você me chamou de que?
CHAPEUZINHO: Macaco. Está errado? Você é um mico? Nunca sei a diferen…
MACAQUINHO: MACACO? MACACO? VOCÊ NÃO TEM RESPEITO NÃO?
CHAPEUZINHO: O que foi que eu fiz de errado dessa vez?
MACAQUINHO: Não sou um macaco, sou um Simiodescendente!
CHAPEUZINHO: Um o que? Desculpa, nunca tinha ouvido esse termo…
SÍMIODESCENDENTE: RACISTA!
CHAPEUZINHO: De novo não…

O Símiodescendente chama outros simiodescendentes e começam a xingar e atirar fezes em Chapeuzinho, que corre tentando se esquivar. Depois de muito correr, Chapeuzinho percebe que, sem querer, está bem próxima da casa de sua avó. Aliviada por reconhecer o caminho, ela apressa o passo. Quando finalmente chega, uma surpresa desagradável a espera. Sua avó, sua mãe e um policial abrem a porta.

CHAPEUZINHO: O que está acontecendo aqui?
MÃE: O que está acontecendo é que eu não criei filha minha para ser criminosa!
CHAPEUZINHO: Do que você está falando? Eu fui agredida o dia inteiro!
POLICIAL: Não é isso que consta nos Boletins de Ocorrência registrados contra você, Mocinha!
VOVOZINHA: Que desgosto, ver minha netinha caindo na criminalidade!
CHAPEUZINHO: Que Boletins de Ocorrência?
POLICIAL: Para começar tem um envolvendo maus tratos a animais, onde você teria agredido um grupo de ambientalistas
CHAPEUZINHO: Queriam me bater porque eu tinha presunto na minha cesta!
MÃE: Onde foi que eu errei, Chapeuzinho?
POLICIAL: Depois temos outra denúncia por discriminação, feita por um cervo. Ao que parece, sua filha disse que ele não merecia ter voz e que, abre aspas: ‘Não quero nem chegar perto de você! Vou contornar o rio só para não ter que passar ao seu lado’
MÃE: CHAPEUZINHO! De onde saiu tanta intolerância?
CHAPEUZINHO: Mas…
POLICIAL: Ela também é acusada de agressão, parece que andou pisoteando alguém
VOVOZINHA: Devem ser as más companhias… ela não era assim
POLICIAL: Para piorar, temos uma acusação de que sua neta teria acobertado um crime. Ao que tundo indica, ela libertou um estuprador que havia sito capturado durante uma tentativa de estupro
VOVOZINHA: *desmaiando
POLICIAL: Além de tudo, é racista!
MÃE: *chorando
CHAPEUZINHO: Alguém pode por favor ouvir a minha versão?
POLICIAL: Ahhh, então quer dizer que TODO MUNDO está mentindo? TODO MUNDO está errado?
CHAPEUZINHO: Sim, pelo visto todo mundo está é maluco!
POLICIAL: Chapeuzinho Vermelho, você está presa!
CHAPEUZINHO: Mas eu não fiz nada disso!
POLICIAL: Por desacato! Acabou de me chamar de maluco!
CHAPEUZINHO: Hã?

O policial algemou Chapeuzinho, a prendeu em flagrante por desacato. Quando ela saiu, a imprensa filmava e fotografava, narrando a crueldade de uma jovem que teria cometido cinco crimes em um único dia. As vítimas de Chapeuzinho deram entrevistas exaustivamente em programas de TV e, a cada entrevista, contavam uma história pior.

Hoje ela está em um presídio de segurança máxima, aguardando para ser julgada pelos crimes citados, que totalizam mais de 200 anos de prisão. Revoltada e se dizendo injustiçada, há boatos de que ela tenha fundado uma organização para se vingar da sociedade, a qual ela comanda da cadeia e teria recebido, em sua homenagem, o nome de “Comando Vermelho”.

Para sugerir que eu escreva livros infantis sincerões, para adotar para a vida o termo simiodescendente ou ainda para se ofender com humor: sally@desfavor.com


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