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No calor da discussão…

No calor da discussão…

| Desfavor | | 10 comentários em No calor da discussão…

Discussões acontecem em praticamente todos os relacionamentos. Algumas delas vão esquentar até ambos estarem muito furiosos, e é nesse contexto que Sally e Somir criam a discordância de hoje. Os impopulares dão sua opinião, com calma… ou não.

Tema de hoje: vale a pena argumentar enquanto a outra pessoa está com raiva numa briga de casal?

SOMIR

Pouca coisa nessa vida vale a pena ao lidar com uma pessoa enfurecida. A racionalidade não consegue conviver com descargas emocionais tão poderosas. E eu nem estou cobrando aqui que as pessoas não tenham seus momentos de intensidade, nada mais natural. Sempre vai ter uma discussão que vai pegar num nervo exposto e deixar uma pessoa com raiva. Mas, cada coisa ao seu tempo.

A coisa mais comum numa pessoa com raiva dentro de uma briga de casal é tornar-se agressiva e/ou defensiva. Os dois comportamentos fecham portas, porque é pra isso que eles existem mesmo. Ficamos enfurecidos porque estamos lidando com algo maior do que nossa capacidade, quer a outra pessoa concorde com a motivação ou não. Alguma coisa ali aconteceu pra colocar essa pessoa furiosa em modo de enfrentamento. Tem quem enfrente baixando a porrada (física ou verbal) e tem quem levante seus escudos pra não se ferir.

O que importa aqui é que o principal elemento de uma discussão acaba não tendo como funcionar. Sim, o que não falta por aí é gente que acha que discutir é só desabafar, mas deveríamos saber aqui que se algo impede que as ideias sejam trocadas, que ambas as partes consigam absorver informações novas, é como se fossem dois monólogos simultâneos. Se tem uma pessoa que está tentando só ganhar ou mesmo não perder na argumentação, dificilmente as duas conseguem avançar num objetivo comum. E, estamos falando de um casal: se na hora do aperto não se conseguir manter um rumo conjunto, a coisa já vai mal.

Quem está com raiva está com as defesas naturais contra ideias opostas no nível máximo. Argumentar nesse contexto é meio como insistir em arrombar um cofre mesmo sabendo que mais tarde vai ter a combinação. Precisa fazer do jeito mais difícil? Precisa adicionar frustração num processo que já é difícil naturalmente? Me parece um gasto desnecessário de energia que poderia ser muito mais bem aproveitada na hora certa. Porque a hora certa tende a chegar. A raiva é algo que consome uma pessoa. Muita putez te deixa cansado, e quando esse cansaço bate, acontece o efeito oposto: as defesas diminuem.

Uma coisa que eu aprendi sobre o corpo humano reagindo mal a estímulos externos numa discussão ou numa situação de extremo desconforto é que isso é tão caro pro organismo que ele só fica nesse estado o tempo estritamente necessário. O corpo não sabe que é “só” uma discussão, quando a coisa aperta, ele está se preparando pra coisas muito ruins no campo físico. É só isso que ele sabe fazer: te dar um apoio pra correr de um predador. Na hora da raiva tem toda uma carga ancestral de mecanismos e proteções instintivas funcionando. A natureza não nos preparou pra uma discussão sobre o tamanho de um vestido ou sobre uma toalha na mesa.

Temos que saber jogar com isso: na hora da raiva na outra pessoa, você está enfrentando um ser relativamente racional cujo corpo se preparou pra algo muito mais hardcore do que umas palavras atravessadas. E quando a raiva passar, tem uma “ressaca” muito explorável, nem estou falando de manipulação (mas, também funciona bem), mas de ter uma abertura. Não argumente ali, use o que você tem de mais forte (a posição de quem está mais racional) na hora em que isso for realmente funcionar.

Porque tiros mal dados podem colocar em risco o processo depois. Se você usa um argumento bom na hora ruim, grandes chances dele ser “misturado” com a putez da pessoa e ficar registrado como uma agressão na mente dela depois. Gente descontrolada costuma fazer pior do que não te escutar: te escuta, subverte tudo pra encaixar no esquema furioso do momento e às vezes isso fica enterrado feito uma mina terrestre, pronta pra explodir de volta na hora em que a conversa já deveria estar mais calma. E isso é especialmente valioso se você é homem e vai discutir com mulher: elas lembram. Elas lembram de tudo. Falou, guardou. E se algo ficou “estranho” pra ela na hora da cabeça quente, pode apostar que volta mais tarde, quando você menos esperar.

Sem contar o realmente clássico de entrar por um ouvido e sair pelo outro. Mas mesmo assim, aquilo não passa em brancas nuvens. A pessoa na defensiva te ignora naquele momento, mas de alguma forma mantém aquilo na cabeça depois. E isso destrói o elemento surpresa. Muitas vezes isso faz toda a diferença na hora de argumentar com alguém: se ela é pega suficientemente de calças curtas, vai ter que processar aquilo na hora. Se você já disse antes, no mínimo ela vai ter um pré-conceito daquilo. Eu sei que não é guerra e não é sobre ganhar da outra pessoa, mas quem consegue usar bem o material que tem faz a conversa andar melhor, e ambos ganham com isso. Só discorda disso quem tem algum prazer em ficar brigando… quanto mais rápido a parte ruim (necessária) passar, melhor, certo?

Não é só a questão óbvia de economizar suas forças para a hora que elas realmente vão funcionar, é também não queimar cartuchos antes da hora. De não envenenar bons argumentos soltando eles na pior hora.

E é claro, o mais óbvio: gente com raiva tende a bater com muita força. Tentar argumentar durante a putez da outra pessoa não deixa de ser alimentar aquele comportamento. Dar “motivos” pra ela achar que realmente precisa estar no limite. Infelizmente, tem gente nesse mundo que descamba pra agressão física nesses casos. Não que valha a pena fazer algo pra ficar com alguém que te bateria (principalmente se você for mulher), mas seguro morreu de velho. É questão de proteção mesmo. Tipo da coisa que não é bacana de pagar pra ver. Além das pancadas verbais, evidentemente. Ok, ninguém morre de escutar coisas ruins, mas se elas são resultado de alguém “assustado” batendo em tudo o que vê na frente, não seria masoquismo ficar botando pilha? Pra quem está controlado é uma conversa, pra quem está furioso é uma briga. Fácil fácil entender algo de forma errada e reagir dizendo coisas que NÃO se desdiz depois. Sally mesmo vive dizendo: porrada dada não se tira. Todo mundo tem guardado em algum lugar aquela palavra ou frase devastadora pra soltar, ainda mais no caso de um casal que supostamente se conhece bem.

Meu argumento é simples: precisa arriscar? Se não precisa, se não vai mudar nada argumentar depois dos ânimos esfriarem, então pra quê se colocar nessa situação? Putez passa.

Para dizer que eu só devia dizer que sou bunda mole e economizar o tempo de todos, para dizer que argumentar é sempre errado, ou mesmo para dizer que assim que passar a raiva me diz como discordou: somir@desfavor.com

SALLY

Em uma briga de casal, vale a pena argumentar enquanto o outro ainda está com raiva?

Sim, o que não vale a pena é insistir e tentar resolver a qualquer preço com a putez ainda instaurada. A pessoa com raiva está reativa, na defensiva, não tem plena capacidade de solução do conflito. Mas porra, não está surda. Não custa plantar uma sementinha, vai que nos dias seguintes, por um milagre, o filho da puta surpreende e faz uma reflexão? A vida nos dá esses pequenos milagres de vez em quando, tipo um homem conseguir refletir algo sozinho.

Nem todas as brigas são por motivos grandes, nobres ou irreconciliáveis. Existem muitas brigas que acontecem por bobagem ou por mal entendidos. E se for esse o caso, um argumento rápido na hora da briga pode desarmar todo um processo que demoraria dias para ser desfeito. Um exemplo clássico: uma vez briguei com uma pessoa de outro estado pelo uso da palavra “estúpido”, que para alguns é sinônimo de imbecilidade e para outros de grosseria. Matei a coisa na raiz ao jogar um argumento no calor do momento. Tivesse deixado para resolver depois, seriam dias de mal estar ou talvez nem fosse esclarecido.

Sim, com raiva as pessoas perdem boa parte da sua capacidade cognitiva e os argumentos não saem na mais esplendorosa das suas formas, mas ninguém aqui é o Incrível Hulk, a ponto de balbuciar palavras sem verbos em momentos de putez. Todo mundo consegue dar um tiro, que pode ou não ser certeiro. Tenta, porra! Se matar a discussão da raiz, joinha, se perceber que não houve um entendimento, deixa para aprofundar a coisa mais tarde, quando todos estiverem mais calmos.

Eu sempre fui partidária de que as pessoas de fato estão mais abertas a escutar argumentos contrários sem se sentirem atacadas quando estão mais calmas, mas daí a fazer disso uma ditadura da civilidade no diálogo… não, obrigada. Qualquer excesso, qualquer rigidez é ruim. Existem coisas represadas que só saem em momentos de putez e que precisam ser ditas. Se esperar a poeira abaixar, a pessoa amarela, não fala, engole. E vira veneno para a relação.

Então, eventualmente, argumentar no calor do momento tem sim seu valor. O que não pode é ficar dando murro em ponta de faca, insistir em um diálogo acalorado que visivelmente anda em círculos, onde ninguém se entende e ninguém vai convencer ninguém. Isso é perda de tempo. Mas existe um estágio antes desse, o “longshot” de jogar no ar o seu argumento e perceber o quanto ele pode ser absorvido. Para quem escuta, a possibilidade também é valiosa, pois vem um argumento sincerão, que certamente sairá mais abrandado e maquiado em uma conversa calma alguns dias depois. Sou fã da verdade nua, crua e sangrando. Joguem pedras.

Prefiro o argumento sincerão do que a versão panos quentes, talvez por ser mulher. Homens tendem a uma diplomacia venenosa, enfiam o galho dentro e desistem de discutir por ter pavor de discussão, afinal, são menos articulados que as mulheres e sempre levam um pau. Ou então, quando não levam, a mulher fica transtornada e chora, o que também gera um puta mal estar. Enfiam o galho dentro mas a mágoa secreta fica, acumula e envenena o relacionamento. O melhor é falar, mas vai explicar isso para homem…

Então, se eu tenho alguma chance, como mulher, de ouvir argumento sincerão, é no calor do momento. Grandes chances de que eu não o absorva naquele momento, mas dias depois eu vou lembrar dele e ter a chance de impedir que Zé Ruela minimize a questão para evitar estresse ou até esqueça do que sentiu e deixe pra lá, para não ter que entrar em contato com o problema.

As coisas não se resolvem em momento de briga, acho que nesse ponto eu e essa bicha campineira aqui de cima concordamos. Mas pode ser plantada uma semente para assegurar a resolução posterior da melhor forma possível, ou da forma necessária. Como tudo na vida, a putez tem um lado ruim, mas também tem um lado bom: escancara a comunicação entre os seres humanos. Pessoas putas ficam tão sem filtro quando pessoas bêbadas. Uma bela oportunidade de entender o que o outro está sentindo, sem o verniz social babaca que tanto nos confunde e induz a erro.

Sejam inteligentes e não sigam cagação de regra social. Vocês são melhores do que isso. Não se prolonga uma discussão com raiva porque ela pode levar a um caminho de agressão verbal desnecessário, mas nada impede que você use a putez a seu favor, para ter uma visão melhor do outro que está nu na sua frente, sem escudos, sem meias palavras, sem compostura. Já falei que adoro gente sem compostura? Pessoas sem compostura mostram sua verdadeira face.

Meia dúzia de gritos com algumas verdades não fazem mal a um relacionamento não, suas mocinhas! Desde que pare por aí, é saudável, é como sacudir uma árvore para que caiam as frutas podres. Dá um tiro no escuro e joga as cartas na mesa, se não houver resposta, se recolhe e espera o mané se acalmar. Sair correndo e se retirar quando o caldo engrossa é o outro lado da moeda de bater boca a noite toda. Ambos os excessos, ambos os radicalismos são ruins.

Se querem se portar como a diva aqui de cima, e, ao menor sinal de embate se retirar montados em uma dignidade imaginária, fiquem a vontade. Eu não fujo sem ao menos tentar antes.

Para dizer que concordava com o Somir antes de ler meu texto, para me chamar de barraqueira ou ainda para dizer que bom mesmo é não ter relação: sally@desfavor.com


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