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Isenta de tudo.

Isenta de tudo.

| Desfavor | | 8 comentários em Isenta de tudo.

+Imagens da câmera de um ônibus que passava pela Avenida Niemeyer no momento em que o trecho da ciclovia caiu mostram duas grandes ondas avançando na direção do asfalto. O vidro da frente do coletivo chegou a quebrar com a força da água. O acidente matou pelo menos duas pessoas na quinta-feira (21). Os bombeiros buscam pelo menos outros três corpos(…)

Cenas impressionantes… mas não explicam o que realmente aconteceu. Afinal, é assim que a imprensa brasileira funciona. Desfavor da semana.

SALLY

Contei em detalhes a tragédia da ciclovia ontem, mas guardamos um olhar crítico para hoje. Tem desfavor dentro de desfavor e não é algo pontual. Esse lamentável acidente expôs o que há de mais nefasto na imprensa nacional.

Não importam os motivos, uma ciclovia não tem que despencar. NÃO TEM, e ponto final. O que quer que tenha causado isso, tinha que ser previsto e evitado, nem que para isso fosse necessário construí-la em outro lugar. Ponto final. Não tem panos quentes, não tem nada que justifique o que ocorreu. Entretanto a imprensa nacional, até mesmo na TV a Cabo, onde costumam ter mais liberdade, continuam seguindo a linha isentões: não se comprometem, não opinam, não cobram. São meros papagaios que estão ali para ler a notícia sem acrescentar nada, jogando fora o poder e a voz que tem.

Sem sacanagem, se fosse jornalista argentino, tinha colocado o Pedro Paulo em um paredão de fuzilamento argumentativo. Por muito menos já vi perguntarem se não tinham vergonha do absurdo ocorrido e como tem coragem de usar o dinheiro público assim, exigindo um compromisso ao vivo com a família das vítimas, perguntando quanto pretendiam pagar em indenização pelos inocentes mortos. Jornalistas combativos que partem para cima dos responsáveis sem dó e acabam fazendo a diferença, coibindo futuros abusos ou até assegurando justiça para as vítimas. No Brasil, jornalista é tão cuzão, tão covarde, que só parte para cima de ladrão de galinha, preso e algemada, em programa policial.

Jornalistas ouvindo calados que a culpa é do mar, que bateu uma onda mais forte que o normal. Todos duros, fazendo pose, parecendo que estavam segurando uma moedinha com o cu. Me poupem! Não perceberam que o povo não gosta dessa artificialidade? O povo está de saco cheio, hoje o povo gosta e quer verdade. Sim, os tempos mudaram, mais uma vez. Anota aí: seja politico, seja jornalista, o próximo grande ídolo do Brasil vai ser estilo sincerão, o povo não aguenta mais essa artificialidade comedida. Quem estourar em indignação ganha o coração do brasileiro.

O repórteresisentões tiveram culhões para, no máximo, insinuar. Fizeram vários questionamentos, com um pé dentro e outro fora, coisa que se fossem confrontados poderiam dizer “estou só perguntando”. Olha só, para saber a notícia pura, eu leio jornal, leio portal da internet. O papel do jornalista é justamente acrescer algo além da notícia pura, que em dez segundos é cortada e colada idêntica em dezenas de sites. Repito: meros papagaios que seguem uma linha editorial covarde com medo de se comprometer, mesmo diante dos maiores absurdos. Senhores, como vocês tem estômago para tratar de um assunto indignante com tamanha indiferença? Sério mesmo, se tivesse um Jornal Desfavor, com Somir e eu opinando, certeza que seria sucesso.

Outros erros nefastos da imprensa se repetiram. Globo News noticiou que havia cinco pessoas: duas mortas, uma desaparecida e duas pessoas haviam sido resgatadas com ferimentos. Depois começou a enrolar e dizer que duas pessoas “supostamente” haviam sido resgatadas com ferimentos. Depois foi deixando de falar no assunto. É o desespero por dar a notícia fresquinha sem checar as fontes. Alguém noticia algo, todos cortam e colam sem ao menos verificar. Se a Globo, que é a maior potência jornalística do Brasil, dá notícia no calor do momento sem checar, o que esperar do resto?

O show do horrers da cobertura não parou por aí. Como a notícia deu ibope, ficaram monotemáticos, falando o dia todo, repetindo o que já haviam dito. É o clássico “enrolando”. Feio, muito feio, eu estava vendo a hora que ia entrar o João Kleber no meio e gritar “Para! Para! Para!”. Coisa de programa de quinta categoria. Só pararam quando o Prince morreu, daí se dedicaram a repetir informações inconclusivas sobre ambas as notícias.

O desrespeito e a insensibilidade também deram as caras. Em tempo real, filmaram a viúva levantando o saco preto e reconhecendo o corpo do seu marido. Insistiram em enfiar uma câmera na sua cara quando ela se desesperava, abraçava o corpo e se recusava a levantar, sendo arrastada pelo cunhado, sem forças para nada. Ainda narraram detalhes desnecessários, como por exemplo o fato do mar estar tão agitado que por mais de uma vez as ondas bateram nos corpos que estavam na praia aguardando o reconhecimento. Tenham vergonha na cara! Só assim se consegue audiência? NÃO! Me dá um microfone que eu te provo o contrário!

O tom era contemporizar, levantar dúvidas. Não há dúvidas, uma ciclovia de 45 milhões recém inaugurada NÃO DEVE DESABAR, no matterwhat. Não tem desculpa, não tem atenuante. E se a construtora errou, errou junto o Poder Público em aprovar o projeto antes e depois da sua execução. O Prefeito ou seus pau mandados não podem ser tratados como meros expectadores, quem tem o microfone nas mãos tem o dever moral de ser a voz do povo e cobrar, para, que sabe assim, tentar melhorar esta bosta de país. Tem que pressionar, tem que falar umas verdades, tem que se indignar. Qual é o problema de jornalista ser humano e ter sentimentos humanos? Isso desmerece? Certamente não.

Não sei de onde surgiu essa ideia muito conveniente porém muito equivocada de que jornalista tem que ser imparcial. Jornalista tem que ser imparcial na hora de narrar os fatos, o ocorrido, mas não deve se limitar a isso, caso contrário será apenas um idiota que lê em voz alta uma notícia. Jornalista deve questionar, deve buscar pela verdade doa a quem doer, deve usar de sua voz para defender aqueles que não a tem, deve cobrar do Poder Público que exerça seu papel. A paumolescência do jornalismo brasileiro me choca, juro a vocês. Talvez pelo contraste com o combativo jornalismo argentino, sem medo de botar contra a parede, se morder a jugular e só soltar com respostas convincentes ou promessas públicas de reparação.

Vivemos em um país onde filho da puta sai impune, não apenas pelo Judiciário, mas também pela opinião pública, graças a esse jornalismo de bosta praticado em massa, salvo honrosas exceções (Boechat, tenha meu amor eterno, concordando ou discordando de você, você se posiciona!). O jornalismo atual é um câncer, UM CÂNCER para a sociedade, não apenas se omite, como ainda faz mal achando que está fazendo uma grande coisa se portando desta forma isentona. Papagaios. Leitores de notícias. Covardes.

Para perguntar se tem mais alguém com quem eu gostaria de me indispor, para dizer que gostaria de ver a gente apresentando um jornal sincerão ou ainda para lamentar a ausência do Alborguetti: sally@desfavor.com

SOMIR

A suposta imparcialidade da imprensa brasileira sempre me deixou confuso. Em tese é uma excelente ideia: noticiar apenas os fatos, da forma mais isenta possível, e deixar a cargo de quem consome a informação o juízo de valor. E quando a imprensa quer versar uma opinião, afinal, todos costumamos ter uma, que fique bem definido e isolado da notícia.

Não são todos os países que seguem esse modelo, alguns não conseguem mais dissociar notícia de opinião na maioria das vezes, o caso mais famoso sendo o dos EUA. Por lá, cidadão acompanha o canal de notícia que reflete sua opinião, praticamente não há mais a figura do âncora que se resume a apresentar os fatos, quase todos são híbridos, fazendo com que cada fato relatado seja adaptado a uma visão de mundo mais próxima da sua audiência. Os dois canais mais famosos dessa divisão por lá, Fox News (conservadores/republicanos) e MSNBC (liberais/democratas) conseguem falar do mesmo fato de formas completamente diferentes para defender seus pontos de vista.

E, gostando ou não, o povo de lá já está acostumado com isso. Não que o americano médio seja tão mais esperto assim que o brasileiro no quesito pensamento crítico (Trump que o diga…), mas já faz parte da cultura. Os canais de comunicação opinativos disputam pela análise dos fatos mais correta, não exatamente pela precisão das informações apresentadas. No final do dia, as pessoas entendem, mesmo que inconscientemente, que estão consumindo opiniões.

Mas por essas bandas, ninguém gosta de assumir suas inclinações políticas. Nem a Veja nem a Carta Capital se dizem abertamente opinativas, embora sejam. A Globo disfarça que é situação até morrer, a Record jura de pés juntos que não segue a agenda da igreja que a patrocina… aqui no Brasil impera o juramento de imparcialidade da imprensa, sendo ele seguido ou não.

Já seria um problema essa hipocrisia toda. Cidadão sempre sente que os meios de comunicação estão tentando empurrar alguma coisa goela abaixo dele, mas como ninguém se assume abertamente, é complicado pra maioria do nosso povo entender pra onde estão sendo carregados. Não tem problema ter uma opinião, não tem problema tomar um lado, desde que você seja honesto sobre isso. Porque se não é, tem mais coisas que começam a ficar confusas.

Exemplo o do caso da ciclovia, tragédia da vez. Como a imprensa tupiniquim vive sob a ilusão de que é imparcial, fica confusa toda vez que tem que apontar o dedo para alguém. A Globo não ficou 8 horas no ar domingo passado sem dizer NADA? Duvido que não tivéssemos uns 20 analistas prontinhos ali pra dissecar cada um dos deputados votantes. Dava pra dar um show de informação pra população brasileira, mas… considerando que estamos no Brasil, ser imparcial normalmente significa falar mal de uma pessoa e suas ações.

É uma confusão entre se ater aos fatos e ser chapa branca. Se está evidente que alguém fez algo errado, não é tomar partido noticiar a informação, é bizarro que não se fale disso. E aí, na hora de noticiar uma ciclovia feita de papel higiênico molhado colada com cuspe feita por uma empresa de parente de quem aprovou o projeto, o foco é na cena dramática e nas tragédias pessoais. Porque isso é imparcial, acreditam eles!

Mostrar os corpos? Utilidade pública. Apontar o dedo para as coisas muito mal explicadas na história? Parcialidade! Tudo bem que sempre dá pra desconfiar que é feito de caso pensado, mas a mentalidade da nossa imprensa sugere até mesmo a possibilidade do “erro honesto”. O medo de criticar alguém pelos fatos que apontam para seus erros acaba funcionando no sentido oposto. Desinforma.

Pro brasileiro médio, mais um exemplo sem rosto de como as coisas são feitas nas coxas por aqui, de como sempre tem alguém levando vantagem e cagando para seu bem estar… e vida que segue. Talvez essa imparcialidade tenha causado a mentalidade de “jogado às traças” tão comum entre esse povo. Como se nada estivesse sob controle, ninguém tem responsabilidade… é tudo ruim mesmo. É assim que funciona. Fica feliz por não ser um dos corpos explorados pela mídia e vota sem pensar de novo.

Ou perdemos, ou nunca tivemos a cultura da responsabilidade. Ministro japonês se demite quando acontece um terremoto de 10 graus na escala Richter porque poderia ter feito algo a mais, o brasileiro confia que foi apenas obra do acaso uma ressaca comum na área ter derrubado uma passarela. Nem quem faz, nem quem cobra, todos perdidos num mar de responsabilidades difusas. Tudo obra do acaso.

E com essa forma de noticiar, só explicitamos isso. Responsabilizar é ser parcial? Oras, uma coisa é histeria punitiva, como a imprensa brasileira já fez algumas vezes, outra completamente diferente é noticiar fatos de acordo com seus desenvolvimentos. Será que precisamos ficar vendo cenas chocantes do desabamento e das vítimas mais do que precisamos ver a sequência de histórias mal contadas que fizeram aquilo acontecer?

Ser imparcial é apontar o dedo quando os fatos levam para esse caminho, ser imparcial é dar o mesmo peso para uma retificação, se for o caso. Não é ficar procurando conciliação entre os dois lados de uma história, esse papel de mediação não cabe a imprensa. Ela apresenta fatos. E se quiser adicionar opiniões ao mix, é só fazer de forma aberta, explicando para os que a acompanham que há sim um objetivo ideológico e político ali.

O que não dá mais é ficar nesse meio termo. Porque isso só protege quem precisa ser responsabilizado. Acaba sendo parcial do mesmo jeito, mas jogando contra qualquer melhoria neste país.

Para dizer que gosta tanto de parcialidade que lê suas notícias aqui, para dizer que todo mundo só defende o próprio lado, ou mesmo para perguntar porque não abrimos nosso canal de notícias: somir@desfavor.com


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