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Inputs X Outputs

Inputs X Outputs

| Sally | | 39 comentários em Inputs X Outputs

O texto de hoje não pretende provar um argumento. Não quero te convencer de nada, apenas te convidar a refletir.

Em um país cada vez mais polarizado, onde discordância virou sinônimo de inimizade e até de desrespeito, saber apreciar o pensamento diferente é para poucos, para muito poucos. É para aqueles que ainda conseguem aprender com uma conversa onde o interlocutor “ousa” discordar, ouvir o outro lado sem a preocupação de “ganhar” a discussão ou impor seu ponto de vista. O que era normal durante boa parte da minha vida e hoje virou um tremendo exercício diário, pois se você não se policia, se deixa contaminar por essa forma empobrecedora de funcionar e sai combatendo e contestando quem pensa diferente de você.

Hoje boa parte dos diálogos e socialização se dá ou se inicia pelas Redes Sociais, que são basicamente um supermercado de gente, onde você decide quem quer ouvir e quem quer silenciar. A tentação de ouvir só aquilo que nos é agradável é enorme, pena que geralmente é a discordância que acrescenta. Optar por ouvir só quem diz o mesmo que você é empobrecedor e ególatra, acrescenta muito pouco ou nada. Colocando sempre os mesmos inputs para dentro você sempre vai ter os mesmos outputs. Não será capaz de inovar, de criar, de ousar nem de evoluir.

Ouço muitas pessoas reclamando por não serem criativas como se criatividade fosse uma dádiva, como se alguns abençoados nascessem criativos e outros não. Isso é uma mentira. Se você alimenta seu cérebro sempre com as mesmas coisas, o que você pensa, o que você fala, o que você faz, será limitado por esses estímulos repetitivos. É confortável poder ouvir só aqueles que concordam com você ou te dizem coisas agradáveis, mas sabemos que não há crescimento na zona de conforto, assim como não há conforto na zona de crescimento.

Beleza, enrolei uma página para introduzir a seguinte pergunta: reflita sobre quais opiniões das quais você discorda você tem se dedicado a ler ultimamente. Você para o que está fazendo para escutar gente que discorda de você, realmente prestar atenção do que a pessoa está falando sem intenção de disputa, apenas para tentar absorver o que aquele discurso tem de bom? Você lê coisas que acha que não tem utilidade prática na sua vida?

Faz tempo que eu realizo exercícios nesse sentido, o próprio Somir já me viu fazer: aprender algo que eu tenha a certeza que nunca vou utilizar todos os dias, apontar um ponto positivo em um discurso de alguém que eu abomine e criar conteúdo que nunca será utilizado para nada na vida a não ser como estímulo para minha criatividade são alguns deles. E você, como varia seu cardápio de inputs? Quem coloca sempre os mesmos inputs para dentro, solta sempre os mesmos outputs e fica estagnado nos seus problemas, na sua profissão, na sua vida.

Eu leio com frequência coisas que uma pessoa com posicionamento político contrário ao meu escreve. Leio não no mindset de contestar (a pessoa nem sabe que foi lida) e sim de me obrigar a extrair algo de bom dali, algo de admirável. Também leio frequentemente uma feminista radical, com o mesmo pensamento. Nada de críticas, o foco é tentar extrair o que há de melhor ali. Leio os pensamentos de muitas outras tribos com as quais não me identifico. E todos já me trouxeram inputs valiosos, usados em situações totalmente inusitadas quem em nada tinham a ver com o discurso daquela pessoa. Chega dessa pequenez de pensar que ler sobre uma bomba atômica só será útil se você quiser construir uma bomba atômica.

Você não precisa concordar com a pessoa para que aquilo que ela fala te acrescente algo. É bem medíocre achar que só quem está com pensamento afinado com o seu é inteligente e o resto é burro e não merece ser ouvido e não tem nada a acrescentar. Vejam bem, não peço que ninguém pare para escutar gente do nível “Ei, Você”, estou tratando do campo de divergência de ideias, porém sempre com pessoas alfabetizadas. Se a pessoa não está tentando se enforcar com um papel higiênico, talvez valha a pena escutá-la, mesmo sem concordar.

Tudo aquilo que você produz é um processamento dos inputs que coloca para dentro. Cada ser humano tem um processamento único e traduz isso de uma forma pessoal. Quanto mais inputs, mais informações armazenadas e maiores as chances de você combiná-las e resolver problemas, ter ideias inovadoras ou apenas melhorar a qualidade de tudo que faz. Ouvir mais do mesmo impede que você aprenda, faz com que você fique estagnado e impede que você exercite a tolerância.

Sim, o ser humano é uma merda tão grande que precisamos exercitar constantemente a tolerância, pois é da nossa natureza ser intolerantes e até tiranos. Muita gente certamente se pensa boa por natureza, mas eu duvido. Tolerância é um exercício diário. Assim como se você vai trabalhar de carro, não exercita as pernas, se você não consegue ouvir a discordância sem antagonizar não exercita a tolerância. E não falo em tolerância por altruísmo, por um mundo melhor, e sim para um você melhor. Um você mais preparado, com mais inputs, mais inteligente.

Variem o cardápio do que andam lendo, de quem andam seguindo em rede social, dos inputs que estão colocando para dentro. Façam o exercício de prestar atenção, levar a sério e dedicar tempo ao diferente, ao antagônico, com a postura de se obrigar a extrair apenas coisas boas dali. Achar uma flor nascida no meio do estrume. Exponha-se ao diferente com um novo olhar, para crescer, para se aprimorar e para se tornar mais inteligente.

Qual foi a última vez que você parou para escutar alguém que pensava de forma totalmente diferente de você nessa intenção de extrair o que havia de melhor? Acredito que muitas pessoas nunca tenham feito isso na vida. Eu faço desde pequena, quando sentava na frente da TV e escutava o Alborghetti gritando e batendo com um porrete em uma mesa que bandido bom era bandido morto. Ninguém no mundo deve discordar disso mais do que eu, mas algo naquele homem suado com uma toalha enrolada no pescoço me fascinava.

Dificilmente vocês conheçam alguém mais verdadeiramente correto (porque que se diz, tem aos montes) do que eu. Eu realmente não faço o que a lei proíbe mesmo quando ninguém está vendo, mesmo quando vou sair impune. Isso não me impede de admirar o que o Rafael Pilha tem a me ensinar. E não se surpreendam, eu tenho coisas a aprender com ele.

Você não precisa concordar com a pessoa e muito menos convencê-la do seu ponto de vista para que seja válido e benéfico para você escutá-la, para que ela te acrescente. Quem você parou para escutar ultimamente que tinha uma opinião muito diferente da sua? O que tirou de bom do que ouviu?

Não faz muito tempo, éramos obrigados a socializar randomicamente, sem escolher tribos. Você só sabia exatamente com quem estava conversando depois de efetivamente conversar. Hoje, com redes sociais quase que categorizadas, você abre o perfil de uma pessoa abraçada a uma bandeira vermelha e lê na frase sobre ela um “não vai ter golpe” e já sabe de que tipo de pessoa se trata. Se concordar se aproxima, se discordar se afasta. Estamos criando feudos ideológicos, estamos emburrecendo. Já já vamos começar a acreditar que nossos pequenos feudos representam a totalidade ou a maioria e começar a medir nossas escolhas de mundo como se o resto fosse igual. Isso vai dar uma merda…

Já cheguei a cogitar até formas de entretenimento para combater isso, de tanto que a questão me incomoda. Pensei em criar um lazer onde grupos randômicos serão trancados em uma sala e terão que se ouvir e chegar a um consenso ou apontar o que o outro tem de melhor, movidos por uma recompensa. Também pensei em uma rede social ou aplicativo que consiga criar um mix de seguidores de tribos diferentes que variem a cada 15 dias e quem conseguir socializar com todos sem ser hostil ou escroto ganha uma recompensa. Triste uma sociedade onde tenhamos que obrigar a diversidade, tolerância e respeito.

Como nada disso nunca vai sair do papel porque eu sou uma péssima empreendedora (só crio, preciso de um par que execute), eu peço a vocês que façam sozinhos esse exercício. Não se atenham a leituras de opiniões convergentes. Não limitem conteúdo, não leiam apenas aquilo que vocês acham que está relacionado à área de vocês. Leiam tudo, leiam coisas que lhes pareçam inúteis, leiam revista sobre carro se forem pedestres, sobre canário se tiverem um cachorro. Acreditem e confiem: não é perda de tempo, é alimento cerebral. Todos esses inputs combinados e processados podem gerar um output que, em algum momento, mudará sua vida e, talvez, quem sabe, com sorte, até mesmo será capaz de te deixar rico.

Invenções que mudaram o mundo nasceram assim. A prensa tipográfica, que permitiu imprimir livros em grande escala que antes eram escritos à mão, surgiu porque Gutemberg resolver unir uma máquina de cunhar moedas com uma máquina usada para extrair suco de uvas. Duas coisas não relacionadas entraram como input e saiu um output bacana da junção das duas. Se Gutemberg fosse um bitolado de rede social talvez nem olhasse para a máquina para extrair suco das uvas porque “foda-se, eu compro o suco em caixinha, não me interessa como é feito” e ainda estaríamos escrevendo livros à mão.

Mentes geniais e ideias geniais não são uma bênção divina, são resultado de esforço. Em um país onde a meritocracia foi jogada na vala e estuprada, fica difícil de acreditar, mas é neurociência: quanto mais diversificado o conteúdo do que você coloca para dentro, mais diversificado, eficaz e inovador é o conteúdo que sairá de você. Faça por merecer e vai se destacar.

Mas lembre-se: para isso não basta ler discordâncias. Não adianta nada ler, sentenciar o autor um idiota e não deixar aquilo entrar no seu sistema. Pessoas inteligentes são grandes recicladores: catam aquilo que presta até mesmo no meio de um monte de lixo, mesmo que seja para usar em uma função diferente daquela para qual o objeto era originalmente destinado. Faça um vasinho de garrafa plástica com ideias. Isso vai te destacar na vida e no mercado de trabalho.

E me conte nos comentários qual foi a última coisa divergente que você leu e conseguiu depreender algo de bom. Hoje é dia de debater, sem comentários este texto perde o propósito.

Para me mandar enfiar a autoajuda no cu, para dizer que sua leitura lixo da qual tenta salvar algo é o Desfavor ou ainda para dizer que véspera de feriado pedia um texto mais facinho: sally@desfavor.com


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