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O outro lado.

O outro lado.

| Somir | | 25 comentários em O outro lado.

Sempre me considerei uma pessoa de pensamento liberal, alinhado com a filosofia humanista. Normalmente em discussões sobre o andamento da nossa sociedade e seus problemas, acabo com a pecha do “chato dos direitos humanos”, idealista, alienado e tudo mais que pessoas menos brutalizadas tendem a ouvir pela vida. Muitos de vocês devem saber exatamente a sensação. Mas, ultimamente, argumentos bem menos progressistas começaram a me seduzir.

Faz pouco tempo, me vi até meio irritado por achar muita lógica num vídeo do Youtube onde um cidadão explicava como a liberação sexual feminina ia destruir a civilização ocidental e todas suas conquistas. Talvez uns cinco anos atrás eu teria considerado um absurdo, apontando as falácias e ignorando a mensagem central por ser tão atrasada. Hoje em dia eu ainda consigo ver as relações de causa e consequência forçadas, as generalizações, a “agenda” conservadora por trás da argumentação, mas… tem algo que encaixa aí.

Nem é o ponto desse texto, mas o vídeo em questão mencionava que nossos avanços sociais vieram de controlar o impulso feminino de formar haréns. Na verdade, a sociedade ocidental se baseia numa distribuição mais equalitária de mulheres para fazer os homens funcionarem melhor na sociedade, uma espécie de “socialismo” onde as mulheres são os bens distribuídos para os trabalhadores. Mulheres não podem ficar livres para escolher com qual homem vão ficar, senão acabam convidando milhares de muçulmanos fanáticos para seus países. Importante ressaltar que essa não é a minha opinião pessoal, mas sim o argumento preocupantemente próximo do razoável que me fez montar o texto de hoje.

Parando pra pensar um pouco, o argumento é derrubável. O grande salto evolutivo da nossa sociedade veio justamente quando a começamos a reduzir o controle sobre as mulheres. Tecnológico, social, intelectual. E não dá pra reduzir toda a crise de imigrantes e a disputa ideológica atual apenas à liberação sexual feminina. Isso vem sendo construído há séculos, e os estopins recentes não tiveram nada a ver com escolhas de parceiros, e sim com colonialismo e imperialismo desastrados. Nossa sociedade é muito mais fluída e imprevisível.

Eu disse que não era o ponto do texto e acabei usando dois parágrafos, mas é por um bom motivo: o que me incomodou não foi exatamente a dificuldade de voltar para a mentalidade humanista, mas sim como o conservadorismo está ficando cada vez mais sedutor. Vivemos batendo no politicamente correto e no show de horrores das vítimas profissionais da sociedade moderna, então eu acredito que nem preciso dizer quem está empurrando pessoas como eu (e ando percebendo que alguns de vocês) para esse caminho estranhamento conservador.

Quando surge o dramalhão todo das vítimas profissionais, dá muita vontade de estar do lado contrário. O que eu tento organizar agora é a noção de como isso pode ser venenoso. Como pode nos fazer esquecer de algo fundamental: que o caminho da racionalidade, dos direitos humanos e das liberdades pessoais INDEPENDE de gostarmos dos oprimidos ou de seus modos de operação. Na verdade, nada mais nobre do que achar alguém muito babaca e mesmo assim defender seu direito de se expressar e exigir seu espaço ao sol na sociedade.

Sou muito contra a ditadura do politicamente correto, mas não posso esquecer que meio ignorados lá dentro estão conceitos como igualdade e tolerância, essenciais para nossa evolução como espécie. Não é só porque um ativista imbecil quer cancelar uma peça de teatro pelo uso de maquiagem “black face” que vamos ignorar como o racismo é um problema sério na sociedade. Não é uma feminista travando guerra contra o ar-condicionado “sexista” que vai minar toda a causa. Não se pode deixar que pessoas estúpidas envenenem ideais humanistas.

Até porque o caminho mais fácil para se controlar uma população é a divisão. Tem um vídeo muito bacana de propaganda americana contra o nazismo, feito logo após a guerra, tentando explicar como Hitler conseguiu dominar tanta gente ao mesmo tempo: ao criar grupos indesejáveis, conferiu a muitas pessoas características que possuíam, mas não as definiam. Tornando todos em minorias, é mais fácil colocar umas contra as outras. Tenham em vista o que acontece hoje: até o homem branco heterossexual já virou minoria e existem cada vez mais movimentos para defendê-los.

Não sou do tipo conspiratório, mas talvez você seja: é estranho como estamos ficando cada vez mais divididos, grupos reivindicando direitos e vantagens por todos os lados, todo mundo preocupado em respeitar características que as pessoas possuem, mas não as definem. Não é o gênero, a raça, a religião ou a orientação sexual que vai te dizer quem é uma pessoa. Existem padrões em cada grupo, é claro, mas o politicamente correto surgiu justamente para lutar contra generalizações. E agora ele é um dos principais veículos de pré-conceitos sobre cada grupo distinto de pessoas nesse mundo. É como se tivéssemos andado em círculos nessas últimas décadas, de volta para um momento perfeito para uma grande guerra ou mais um surto ditatorial global.

E aqui volto para a ideia incômoda do começo do texto: e se essa visão mais reacionária que anda me conquistando recentemente fosse apenas uma reação “alérgica” a essa nova era de divisão da humanidade? No quadro geral, com certeza é melhor defender liberdade, direitos e tolerância do que achar que o problema do mundo são mulheres com muita liberdade para escolher seus parceiros sexuais. Mil vezes ser o chato dos direitos humanos do que ser o reaça que acha que bandido bom é bandido morto. Melhor uso do cérebro.

Mas, está ficando cada vez mais difícil, não? A vontade de calar essa gritaria vitimista fica tão grande que podemos até fazer algumas concessões para ter um pouco de paz. Bom, aí que está o golpe: fazer gente capaz de enxergar o mundo de forma mais crítica guinar para um conservadorismo claramente ineficiente só para balancear um pouco as coisas. Por isso é importante separar as coisas: ninguém precisa escolher um lado ou se rotular como um grupo. É assim que nos dividem. E não podemos nos dividir, ficamos fracos demais.

Não existe lado, não tem que ser do grupo dos homens, das mulheres, dos brancos, dos negros, dos heterossexuais, dos homossexuais… isso não nos define num exército ou outro. É a capacidade de enxergar o mundo e a vontade de lutar por justiça e evolução que deveria nos unir. Se vai ser “ista”, seja humanista, que nem é uma filosofia tão restrita assim. É apenas a ideia que estamos todos juntos nesse barco e que vamos ter que remar juntos se quisermos ir pra algum lugar.

A pior coisa que podemos fazer nessa guerra ideológica dos dias atuais é permitirmos ser separados em blocos discerníveis, todos advogando em causa própria, intimidáveis e subornáveis. Isolados em feudos e incapazes de nos mobilizarmos contra abusos. Toda vez que a turma do politicamente correto fizer das suas, com certeza eu vou querer explicitar os erros; mas sem que isso jamais me faça correr para o sentido oposto e me aliar com gente que enxerga esse mundo de forma distorcida, culpando todos menos eles mesmos pelos problemas enfrentados.

Dá vontade de dar uma “reaçada” de tempos em tempos, mas que seja apenas uma medida de revolta momentânea contra os abusos de quem quer ganhar essa disputa na base do grito. Também não tem nada de muito bom esperando do lado totalmente contrário das vozes do politicamente correto. Se a história nos ensina algo, é que nenhum desses dois lados da moeda tem uma resposta boa o suficiente para a nossa sociedade. Pra variar, deveríamos nos encontrar no meio do caminho.

Se eu vejo uma luta válida, é a de controlar excessos dos dois lados. Muito por isso tenho tanto orgulho da “linha editorial” do desfavor. Numa semana criticando a bancada evangélica, na outra cacetando ativistas vitimistas. Tudo em busca de um equilíbrio racional, onde possamos nos concentrar em melhorar a qualidade de vida da humanidade sem os riscos da divisão excessiva. Mas, considerando o avanço da chatice ativista nos últimos tempos, válido lembrar que o outro lado também é péssimo nisso de resolver os problemas sociais.

Qualquer resposta para questões sociais vai ser consideravelmente mais complexa do que apontar o dedo para um grupo que só divide algumas características em comum. Me dá cada vez mais trabalho não cair nessa armadilha. Pode ser a idade, mas… os abusos estão cansando.

Para dizer que foi estranhamente linear, para reclamar que os vídeos estão em inglês, ou mesmo para dizer que antigamente que as coisas eram boas (não, não eram): somir@desfavor.com


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