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Tender critica: Black Mirror

Tender critica: Black Mirror

| Desfavor | | 10 comentários em Tender critica: Black Mirror

Black Mirror

(Brasil: Idem), 2011 – Criado por: Charlie Brooker. Estrelando: Diversos. Gênero: Diversos.


Quando você desliga sua tela de tv ou celular, o que vê? Uma tela negra, com seu reflexo nela. Então se quer conhecer o lado mais sombrio desses “espelhos negros”, você com certeza quer conhecer “Black Mirror”. Assisti esta série por recomendação do Hugo, um dos leitores habituais aqui do Desfavor, então se alguém quiser indicar alguma obra para análise, fique à vontade. Antes de mais nada, Black Mirror é uma série com elenco rotativo, episódios únicos e sem arcos ou qualquer tipo de mitologia. Sendo assim, você pode assistir cada episódio separadamente, sem se preocupar em seguir a sequência das temporadas. Inspirada em “Além da Imaginação”, a série foca em histórias surreais (pero no mucho) sempre relacionadas com tecnologia. Para não ficar longa demais, essa análise tratará apenas da primeira temporada, que conta com 3 episódios com cerca de 1 hora cada um.

Episodio 1 – The National Anthem – Diretor: Otto Bathurst. Estrelando: Rory Kinnear, Anna Wilson-Jones, Lindsay Duncan, Donald Sumpter. Gênero: Suspense.

Esse episódio me deixou com um gosto amargo na boca, já que trabalho em um ambiente de jornal e sei muito bem como a mídia pode arruinar a vida de uma pessoa. No caso do episódio, o primeiro-ministro inglês Michael Callow (Rory Kinnear) é obrigado a se humilhar publicamente após um sequestrador raptar a princesa Susannah. Começa então uma corrida contra o tempo para decidir se ele acata com um acordo absurdo exigido pelo sequestrador ou se tenta resgatar a princesa de forma tradicional. A abordagem deste episódio mostra como uma informação viraliza com tanta velocidade no mundo globalizado em que vivemos, que nem percebemos o que há por trás da informação. No caso desta história, há vidas em jogo e o futuro de uma nação, já que a Inglaterra tem uma relação muito estranha com a monarquia, que muitas vezes serve apenas para rechear os tabloides britânicos. Desta maneira, a crítica presente ao longo do episódio é um tapa na cara desse tipo de sensacionalismo inglês, mas que serve também para o resto do mundo, que também trata a informação como mero recurso para conquistar o público.

Na questão pessoal, o primeiro-ministro se vê em uma sinuca de bico entre salvar a princesa e se humilhar ou investir em uma caçada sem muitas pistas e correr o risco de vê-la morrer. Qualquer uma das opções colocará em risco seu futuro político e, principalmente, sua vida particular, já que a exigência do sequestrador é fazer sexo com uma porca em transmissão nacional. Como a história fica focada boa parte no personagem do ministro, Rory Kinnear acaba se destacando dos outros atores, demonstrando uma excelente atuação, cheia de dúvidas e desespero. Outro ponto chave na trama é como a população se relaciona com o show midiático que vai se criando durante o sequestro. São mostrados diversos pontos de vista das pessoas que estão assistindo a programação, algumas a favor do ministro acatar ao pedido, outras contra e enojadas com tamanha baixaria. De qualquer forma o circo se arma e o país pára para acompanhar o andamento das coisas. Como comunicador, tive que estudar esse tipo de comportamento, conhecido como agenda setting (ou teoria do agendamento), que pressupõe que as notícias são como são porque os veículos de comunicação nos dizem em que pensar, como pensar e o que pensar sobre os fatos noticiados. Um caso famoso de agenda setting aqui no Brasil, que serve inclusive de estudo nas principais faculdades de jornalismo, é o caso da Escola Base. Por isso meus caros, sejam críticos e tenham bom senso com todo tipo de informação que vocês recebem, independente da mídia que for. Até mesmo com esse texto, tenham muita ciência do que está sendo exposto antes de compartilhá-lo.

O que me incomodou muito nesse primeiro episódio é a escatologia gratuita, já que o pedido do sequestrador parece ter apenas a intenção de chocar. Me incomodou mais ainda após o fim da trama, que acaba confirmando essa sensação. Outra coisa é que muitos personagens são apresentados, mas colocados de lado e poderiam muito bem ter sido cortados da história que não fariam falta. Nesse ponto a direção se perde e precisa usar desses personagens sem muita importância para fazer a história andar. Por exemplo, há um funcionário público cabaço que passa informação para uma jornalista após ela tirar a roupa ou um cara que tira foto de um ator pornô que acaba denunciando uma das estratégias do primeiro-ministro. Ok, coisas assim acontecem e são formas que o diretor encontrou para mostrar ainda mais como a viralização das informações funciona, mas com tanta coisa acontecendo fica meio confuso se ele quer mostrar mais a parte política, a parte pessoal, a parte midiática ou a resposta pública nesse contexto todo. Por isso, quando terminei de assistir o episódio fiquei frustrado, querendo saber mais, entender mais o porquê daquilo tudo. Enfim, se você assumir o episódio como um “Além da Imaginação”, onde a explicação é tão absurda que nem vale a pena ser contada, você vai gostar mais do que eu, mas a crítica do episódio é válida.

Episodio 2 – Fifteen Million Merits – Diretor: Euros Lyn. Estrelando: Daniel Kaluuya, Jessica Brown Findlay, Rupert Everett. Gênero: Ficção Científica.

Se no primeiro episódio, Black Mirror mostrava o show midiático no jornalismo, aqui o foco é como os programas de TV se comportam como mero entretenimento, muitas vezes ditando regras comportamentais. Vocês podem não perceber, mas a mídia é uma ditadura e muitas pessoas transformam suas vidas e aparências apenas para estarem de acordo com o que é imposto pelo que a mídia acha como belo e padrão. Foda-se o belo, foda-se o padrão, esse é o grito que ecoa durante os minutos de Fifteen Million Merits, que mostra o dia a dia de Bing (Daniel Kaluuya), um rapaz que vive em um futuro rodeado por telas de TV. Neste futuro, as pessoas precisam assistir TV e fazer exercícios para ganharem créditos que são trocados por alimentos ou acessórios para um avatar virtual.

A crítica maior desta história está na padronização, onde pessoas obesas são humilhadas e tratadas como escória, além de que o maior objetivo dos créditos é participar de um programa de TV nos moldes de American Idol, a única maneira de tentar escapar do cotidiano de exercícios a troca de créditos. Nesse contexto Bing conhece uma moça chamada Abi (Jessica Brown Findlay) e se interessa por ela, a ponto de querer investir quinze milhões de créditos em sua bela voz, o custo necessário para participar do tal programa. Ao chegar no estúdio de gravação, eles descobrem que as coisas são bem diferentes do que é mostrado nas telas, com apresentadores inescrupulosos que sugerem que a moça participe de um programa diferente do qual ela queria. Abi então fica furioso e faz de tudo para conquistar mais quinze milhões de créditos, para desta vez ele participar do programa e denunciar toda a merda que aquele tipo de vida oferece. Ao se apresentar no programa, ele se mostra como uma voz dos insatisfeitos, um grito no meio de uma multidão programada a aceitar as estéticas impostas pela programação das telas de TV, mas mesmo assim acaba se tornando refém da fama e todo o luxo que ela oferece.

Esse negócio de telas por tudo quanto é lugar me fez comparar esta história com 1984, de George Orwell. Não por acaso, este livro apresenta o termo Big Brother, que é o mesmo nome usado pelo famoso reality show por causa das diversas câmeras espalhadas em um cenário na tentativa de controlar o cativeiro de quem se dispõe a participar do programa na busca pela fama. Exatamente por isso, vemos Bing vivendo em uma cela, sendo obrigado a assistir infindáveis programas de TV, já que fechar os olhos ou pular a programação acarreta no gasto de créditos. Assim como em 1984, as telas de certa forma ditam o cotidiano dos usuários desses avatares e a onipresença de um único meio de comunicação reflete uma ditadura sutil e uma ilusória liberdade de escolha. Já o avatar virtual e seus acessórios intermináveis é algo muito similar a jogos de video-game, como The Sims.

Comparando esse com o primeiro episódio, a diferença está na escala da midiatização. Enquanto que “The National Anthem” mostra algo pessoal se transformando em algo público e global, aqui ocorre o inverso, ou seja, um ambiente globalizado se transformando em uma questão pessoal. Bing luta contra um sistema manipulador, encontra uma brecha no esquema, mas no final das contas se torna parte da coisa toda. É uma alusão de que tudo que ocorre na TV é fabricado e que por mais que existam pessoas sinceras querendo transformar entretenimento em utilidade pública ou tentando trazer mais criticidade para os meios de comunicação, são essas mesmas pessoas que inconscientemente acabam ajudando a alienar o público mais e mais. Já na parte técnica, as atuações dos atores principais estão muito boas e há uma química bem interessante entre Daniel Kaluuya e Jessica Brown Findlay. A direção também é mais centrada, bem menos caótica que no primeiro episódio e toda a fotografia/ambientação é trabalhada para relembrarmos de nosso próprio dia a dia, seja na frente da TV, seja produzindo conteúdo, seja como usuários de jogos virtuais.

Episódio 3 – The Entire History of You – Diretor: Brian Welsh. Estrelando: Toby Kebbell, Jodie Whittaker, Tom Cullen. Gênero: Ficção Científica.

Com direção muito bem executada e atuações excelentes, esse episódio na minha opinião foi o melhor dessa primeira temporada. Apresentando uma trama com pegada meio Minority Report, meio Eternal Sunshine of the Spotless Mind (Brilho eterno de uma mente sem lembranças), das três histórias foi a que teve um roteiro mais fechadinho, sem muitas brechas para futuros questionamentos por falta de informação e sem muitas estripulias visuais para defender um ponto de vista determinista. A questão aqui é mais humana e envolve como usamos nossas lembranças para determinar nossas atitudes. Desta maneira, o episódio mostra um futuro próximo em que poderemos implantar chips no cérebro que servirão para gravar e reproduzir nossas lembranças sempre que for necessário.

De início o episódio aborda uma questão ética sobre esse tipo de armazenamento de dados, que servirão de base inclusive para a contratação de funcionários que tenham gravado em sua memória lembranças que não comprometam muito a empresa. Num futuro como esse, Alicate estaria desempregado por tempo indeterminado apenas por causa de suas memórias, mesmo que ele sendo um funcionário eficaz e dedicado. Já na história, vemos Liam (Toby Kebbell) passar por uma calça justa após os selecionadores de uma renomada empresa pedirem pelo seu banco de dados. Após sair da entrevista de emprego, ele vai para uma festa entre amigos e vê sua esposa conversando animadamente com um dos convidados. Sentindo os cornos coçarem a testa, Liam decide investigar em suas memórias algo que comprove que aquela simples conversa informal é mais do que parece ser. Nisso ele vai se transformando em uma pessoa compulsiva e paranoica, tentando de todas as maneiras provar de que sua esposa o está traindo.

O interessante aqui está nos mínimos detalhes, que passam despercebidos pela maioria das pessoas. Liam é um cara metódico e tal qual um diretor de seu próprio filme mental, vai buscando os menores gestos e os pequenos deslizes de sua esposa para desvendar o mistério. A relação com as TV’s aqui está na forma de como elas transmitem nosso passado, já que o chip permite que as memórias sejam assistidas em qualquer aparelho televisivo ou pessoalmente através de um implante ocular. Nesse ponto ressalto um tratado do filósofo Jean Baudrillard chamado de Simulacros e Simulações, onde ele defende que todo tipo de experiência humana é uma simulação da realidade. Referencio também Ferdinand de Saussure, que aborda um estudo sobre significantes e significados. Sei que parece papo de intelectualóide ficar citando filósofos em uma crítica, mas entender esses fundamentos é essencial, já que serve de fonte para o tipo de abordagem adotada pela história de “The Entire History of You”. Isso porque a todo momento os personagens ficam se questionando o quanto devem confiar em suas próprias memórias, já que elas naturalmente vão ficando confusas com o tempo e que isso serve de justificativa para implantar o tal chip de memórias.

Porém, estudando os filósofos, compreendemos que a reprodução de uma imagem, mesmo que gravada em um arquivo virtual, não significa a reprodução de uma realidade na íntegra, mas apenas uma parte dela. Afinal de contas, em tempos de efeitos especiais e imagens photoshopadas nas capas das principais revistas, até que ponto podemos confiar nas imagens que são reproduzidas por “fontes inalienáveis” como computadores, TV’s, tablets e etc? Liam, sabendo dessas limitações, fica na dúvida até o fim, quando de fato desvenda o enigma. Ele utiliza as imagens como provas, mas só após uma intensa análise lógica de acontecimentos vindos de mais de uma fonte de memórias. Enfim, assim como em Minority Report, ele vira um detetive de memórias para solucionar de vez uma dúvida pessoal.

Resumo da ópera: Black Mirror possui pontos muitos interessantes, principalmente nas críticas que faz. Ainda não assisti a segunda temporada, mas esta primeira focou muito em TV, sendo que as black mirrors podem ser representadas por celulares, tablets e até relógios. Desta maneira, espero que explorem mais estas outras opções nas próximas temporadas. Outra coisa é que o pessimismo, mesmo que de forma sutil, está sempre presente, como se as mídias estivessem aí apenas para manipular, dominar e alienar. Isso não é uma verdade absoluta, já que cada um pode selecionar e filtrar as informações que recebe. Mídias, quando bem utilizadas, agregam conhecimento, trazem informações de utilidade pública e, no pior dos casos, são um mal necessário. Em países onde há o controle das mídias, não há liberdade de expressão e nem de informação, então por pior que seja, eu prefiro uma mídia que tente manipular a opinião pública do que um governo que tente controlar pela força bruta. Pelo menos quando uma mídia enche o saco, você pode trocar por outra ou pode desligar seu aparelho para ficar admirando seu reflexo no espelho negro.

Por: Tender, o pseudo crítico


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