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Ligações perigosas.

Ligações perigosas.

| Somir | | 64 comentários em Ligações perigosas.

Provavelmente o meu maior defeito é querer explicar demais as coisas. Bom, pelo menos o maior que soe agradável para se mencionar em público… sabe como é, defeito de entrevista de emprego. Mas antes que eu faça a proeza de perder o fio da meada no primeiro parágrafo do texto, voltemos: acaba de me acontecer algo que eu quero que tenha explicação, mas ela ainda não veio.

Mas antes, contexto: eu ainda não tinha decidido qual era o tema de hoje. Não que seja novidade, mas é contexto, oras! Nesse processo de saudável pânico pré-escrita, onde arrependo-me de não ter planejado algo com antecedência enquanto tento definir o mínimo de qualidade necessária para não ser exposto como uma fraude (dedos cruzados), frequento alguns fóruns para me inspirar. Um deles fala sobre política internacional, apinhado de reacionários racistas de todo o mundo num colorido espectro de ódio e intolerância do qual frequentemente retiro a opinião contrária.

Lugar bacana. Mas meio repetitivo. Você pode passar por páginas e páginas de opiniões inflamatórias, teorias conspiratórias e humor incorreto sem realmente encontrar novidades. Estava acreditando que era uma busca inútil e quase desistindo. Mas, numa das últimas páginas disponíveis, um tópico diferente: um cidadão dizendo que explorar o oceano era estúpido. Motivos: o oceano é uma merda, ninguém quer ficar perto dos viados dos peixes, e… foda-se sal. Além disso, não tinha nada para se encontrar lá mesmo. Evidente que atraiu minha atenção, que argumentação – com o perdão do trocadilho – profunda! E não só a minha, eram quase 300 as respostas a essa importante discussão.

Depois de ler a maioria delas, uma certeza: o status de merda do oceano é discutível. Realmente a coisa não avançou muito bem. Mas, em resposta ao argumento que não tem nada para se encontrar nas profundezas do oceano, um cidadão alemão (talvez a nacionalidade seja importante, talvez não, mas como vocês serão meus terapeutas hoje, não vou esconder nenhuma informação) posta um desenho de Cthulhu e um link para o artigo da Wikipedia sobre R’lyeh. Para quem não sabe, e vergonha não saber, Cthulhu é uma personagem do escritor H. P. Lovecraft (Harry Potter Lovecraft), um monstro/demônio/deus ancestral que está aprisionado numa antiquíssima cidade submersa chamada R’lyeh.

Tirando toda a mitologia da história, R’lyeh tem uma peculiaridade: Lovecraft chegou a passar a localização geográfica dela para as pessoas. 47°9′S 126°43′W. Se clicar no link sem saber o que é, vá diminuindo o zoom até perceber onde você está. Já viu? A grande sacada desse local é estar muito próxima de um ponto geográfico conhecido como pólo da inacessibilidade do Pacífico. Quando eu vi esse nome, tive que clicar no link para saber mais. Novo artigo: é o lugar mais distante de terra firme no mundo. Agora que eu sei que existe, já tenho um novo lugar para sonhar acordado quando estiver de saco cheio da humanidade. É provavelmente o lugar mais isolado do mundo. Quase 2.700 km de distância de qualquer ilha ou continente!

O conceito é muito interessante. Tanto que existem outros tipos de pólos de inacessibilidade, com vários contextos para suas definições. Tem o oceânico e tem os de terra firme (ou gelo, no caso do ártico). Nos continentes, é basicamente o mais longe que se está de um oceano. Cada um tem o seu, na Ásia é realmente longe, na América Central não é realmente impressionante… mas, o que importa é que cada um tem o seu. O da América do Sul fica no Brasil, o que era presumível. Um ponto no meio do Mato Grosso, cuja cidade mais próxima se chama Arenápolis.

O que uma pessoa normal faria? Provavelmente sexo ao invés de ficar caçando essas bobagens na internet, mas era um ponto bacana para terminar essa jornada. Uma informação para alegrar mesas de bar e impressionar mulheres: sabia que a cidade mais distante do mar na América do Sul se chama Arenápolis e fica no Mato Grosso? Mas… eu não podia me contentar apenas com esse quebra-gelo que com certeza fará parte das minhas futuras conquistas com o sexo oposto, não… eu tinha que saber como era essa cidade. Como as pessoas podiam viver com essa noção de levar suas vidas cotidianas num pólo de inacessibilidade? Isso deve mexer com a cabeça das pessoas… será que a arquitetura da cidade é não-euclidiana? (viu, se conhecesse Cthulhu teria entendido essa piada…)

Por sorte, a Wikipedia tem link para tudo. Por azar, parece que o meu súbito interesse na cidade não se traduzia numa gama de informações satisfatórias disponíveis. Claro, eu poderia ter me tocado que estava na versão em inglês do site e que provavelmente teria muito mais se fosse para a em português, mas a mente trabalha de maneiras misteriosas. Sem ter as informações que tanto desejava, voltei ao Google. Google tem as respostas.

Primeiro link, site da prefeitura. Agora sim, Arenápolis! Agora você me conta os seus segredos! É… não é um site que encha os olhos, ou mesmo que funcione minimamente bem, mas era meu caminho. Infelizmente esses sites de cidades pequenas são muito práticos, oferecendo serviços básicos mais do que contando a história e o dia a dia local. Uma pena. Eu agora sei que o prefeito se chama Farid (Diraf ao contrário) e que a cidade comemorou 59 anos. A página do Facebook tem 249 curtidas, e eu seria o primeiro dos meus amigos a curtir (o fato de eu não ter um perfil deve ter contribuido). Mas não me engano, as pessoas realmente não se interessam tanto por pólos de inacessibilidade. Eu mesmo não me interessava até agora…

Mas havia uma luz no fim do túnel. Um link com vídeos! Sim! Vídeos! Estava na hora de ver como era a vida no local, em movimento! Cliquei no link

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Hm.

“Legislação de cú é rola”. E não é qualquer cu, é o cu acentuado, o mais enfático de todos. O que será que Arenápolis estava querendo me dizer? O Universo falou comigo? Pois, pensemos: eu não quero ser arrogante, mas não consigo deixar de acreditar que essa mensagem foi deixada apenas para os meus olhos. Quem mais chegaria nesse link? Como uma pesquisa num fórum de racistas raivosos me fez chegar aqui? Como essa porcaria está no ar se alguém mais viu? Tirando a pessoa que fez, eu sou provavelmente a primeira pessoa que viu isso. Estava me esperando!

Era pra mim. Era pra acontecer. Mas, qual o significado? Legislação de cu é rola mesmo? Pensando bem, isso tem lógica: se o cu quiser cagar por aí, alguém tem que botar limite nele. A rola fode o cu, oras! Mas ao foder o cu, a rola não o deixa mais propenso a fazer merdas? E se o cu for fodido demais e não se importar mais com a rola? Isso tudo tem implicações. Se a lei nos reprime, há um limite de eficiência: se exagerar, ela mesma fica cagada. E outra: se a rola foder o cu o tempo todo, quando é que ele vai fazer o que precisa?

É tão profundo… profundo? Profundo como o oceano! Está tudo conectado, e se o cidadão que disse que o oceano era idiota soubesse de tudo? Eu fui explorar e encontrei o quê? Eu tenho a impressão que encontrei uma grande verdade enterrada no pólo da inacessibilidade. Aliás… se ela estava lá, não seria uma prova que na verdade as coisas estão tão inacessíveis quanto nossa vontade de encontrá-las?

Tem uma lição aqui. Tem sim. Eu só não sei qual é. Eu preciso de todos vocês, impopulares, eu preciso que nos juntemos e descubramos o significado de tudo isso. Isso aconteceu por um motivo.

E sim, eu tenho orgulho deste texto.

Para dizer que… não sabe o que dizer, para reclamar que isso aqui já foi melhor, ou mesmo para dizer que legislação de cu é rola: somir@desfavor.com


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