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Dilema estéril.

Dilema estéril.

| Desfavor | | 50 comentários em Dilema estéril.

Ou não? Muitos casais podem chegar a um ponto onde não querem ter mais filhos, e quando essa decisão é feita, Sally e Somir não conseguem concordar em quem deve fazer a cirurgia. Os impopulares decidem quem deve encarar a faca.

Tema de hoje: Cirurgia de esterilização deve ser feita pelo homem ou pela mulher?

SOMIR

A mulher. Quem tem o poder deve ter a responsabilidade. Existe “golpe do saco”? Não existe, né? Quem essencialmente manda na questão da reprodução humana – pelo menos em sociedades minimamente estruturadas – é a mulher. É ela que pode forçar um filho no mundo se quiser. Homens só foram ter um resquício de poder nessa situação toda com o teste de DNA, mas ainda é o reino delas.

E vamos entender o contexto da discussão de hoje: um casal decide que não quer ter mais filhos. Mais, porque a lei brasileira não permite que ninguém fique estéril antes de já ter filhos; infelizmente, devo ressaltar. Sendo assim, é confiável que essa seja a escolha de ambos, certo? É… aí vai bem pensar qual dos sexos faz mais pressão por ter filhos. São os homens? Digo, você pode até conhecer exemplos de homens mais afeitos a fazer filhos que suas companheiras, mas… na média? Porque isso é o que nem a Sally nem a maioria de vocês parece entender aqui nesta coluna: o lado defendido nos textos deve refletir a média, não uma opinião pessoal, pelo menos na maioria dos casos.

Hoje é dia de média. Na média a tendência é que a mulher seja a mais reticente. Até pelo poder que vai perder. E aí, é melhor que a medida prática seja aplicada na pessoa com maior ou menor certeza? Quem tem mais chance e poder de furar o bloqueio? Nenhum método de esterilização (além da retirada de órgãos inteiros) é 100% seguro. Claro, dá de mil a zero em métodos como camisinha, mas mesmo assim, o método masculino, a vasectomia, não é certeza absoluta para o resto da vida. Só castração resolveria nesse nível. E, é claro, não estamos argumentando nessa intensidade.

Pois bem, considerando que o homem tenha feito, o estado mental da mulher é o de quem está em plena capacidade de reproduzir. Quem tem o poder de forçar filho goela abaixo do seu parceiro continua podendo. Quem nunca teve, ainda está exposto a uma porcentagem minúscula – mas existente – de erros. O equilíbrio de mentalidade necessário para garantir a esterilidade de um casal passa pela ação da mulher muito mais do que a do homem, é ela que garante-se tanto da sua escolha que abdica do poder de ter filhos com ou sem consentimento do parceiro. Aí sim chegamos num casal que está na mesma página. Quando a mulher passa pela cirurgia, ela toma uma decisão poderosa. Quando o homem faz, meio que repete o falava há muitos anos: chega!

E eu tenho outro argumento que eu imagino que não vá descer legal aqui… mas é a natureza, não matem o mensageiro: a janela potencial de reprodução do homem é muito maior do que a da mulher. Uma mulher de 50 anos vai ter que depender de ciência avançada para conseguir ter um filho (e provavelmente não vai conseguir), um homem de 50 vai ter que fazer sexo. E existem casos e mais casos de homens que fizeram filhos na terceira idade. Temos que lidar com o elefante na sala: relacionamentos não tem que ser pra sempre. Às vezes acaba, e talvez com ele a certeza de não ter mais filhos.

Claro, as pessoas tem que ser responsáveis pelas suas escolhas, mas vamos pensar assim: você vê dois carros numa corrida e tem que escolher um para desclassificar. É livre a escolha, mas você tem mais uma informação: um deles está quase sem gasolina, o outro está com meio tanque ainda. Por puro senso de justiça, você não escolheria tirar o que já estava ficando sem combustível mesmo? Não parece que esse carro perderia menos no final das contas? O outro pode dar muitas voltas ainda, deixa ele.

Pois bem: se alguém vai ter que sair da pista quando o assunto é ter filhos, não é melhor tirar quem já estava prestes a parar mesmo? Ainda mais próxima da menopausa, não é como se a mulher tivesse muitas mais opções para considerar mesmo. É só uma tranquilidade a mais nesses últimos metros. O carro do homem ainda pode ir muito longe, claro que não é bonito pensar que ele pode querer sair da relação no futuro e fazer um filho em outra, mas… acontece, não? Não é corporativismo, é bom senso. Se fosse o oposto o argumento seria o mesmo, deixa quem pode fazer mais escolhas ter esse poder.

Até porque como homem fica na mão de mulher quando o assunto é filho, ele provavelmente vai precisar de mais tentativas se quiser fazer valer sua vontade. Mulheres podem ter os filhos que quiserem na maioria dos casos, duvido que falte homem com vontade de pelo menos fazer o processo necessário. Homem vai penar mais, tanto pra achar parceiras quanto para convencê-las a manter a criança caso queiram. Ok, eu sei que estamos falando de casais que não querem ter filhos, mas lembram da premissa por causa da legislação: não são contra de vez, tanto que já tiveram.

E vamos para um argumento mais prático: cirurgia é cirurgia. Ok, a do homem é menos invasiva, mas não é como se ele tivesse que tomar uma pílula, é uma cirurgia. Muita coisa pode dar errado. E aí eu até volto pro ponto anterior: arriscar o que está próximo de desligar naturalmente ou o que ainda vai funcionar por décadas e décadas? Mais uma coisa: a vasectomia tem um risco de não funcionar direito mesmo que pareça tudo perfeito na operação. Se não ficar muito ligado, pode engravidar uma mulher que tem ao seu dispor a decisão de dar pra trás no acordo ou não a hora que bem entender.

É uma questão de poder e de longevidade de escolhas possíveis. Pode argumentar o que quiser sobre a parte técnica, é mero argumento de praticidade. Ok, é mais simples para o homem fazer a cirurgia na prática, mas estamos falando mais do que isso, não? Estamos falando de duas pessoas com uma decisão que uma parte pode derrubar facilmente em caso de falha do método contraceptivo e de outra que ao fim de um relacionamento provavelmente vai ter chances de rever sua escolha. É simples se você souber o que está sendo discutido aqui. Não sou eu que estou preocupado com o tamanho do corte… mas, duvido que vão entender.

Para dizer que minha personalidade é um ótimo contraceptivo, para dizer que está puta porque faz sentido, ou mesmo para dizer que é meu dever cívico fazer a cirurgia: somir@desfavor.com

SALLY

Um casal em um relacionamento estável decide que não quer ter filhos ou que não quer ter mais filhos além dos que já tem e optam por recorrer à cirurgia de esterilização. É mais sensato e razoável que a cirurgia seja feita pelo homem ou pela mulher?

Pelo homem. É um procedimento bem mais simples (um corte de 2cm e a pessoa ainda volta para casa sozinha no mesmo dia se quiser) com muito menos riscos e com recuperação muito mais rápida.

Por um instante eu até cheguei a pensar “quer saber? Que faça a mulher. Tira tudo, trompa, ovário, útero, corta tudo fora para não menstruar, não ter TPM…”. Mas aí eu lembrei o inferno que é reposição hormonal. Viver sem hormônios que deveriam estar ali reduz a qualidade de vida de uma forma que é melhor um corte de 2cm no saco e meia hora depois estar em casa.

Até mesmo legalmente a laqueadura é um pesadelo para a mulher. Nossa lei bizarra é tão arcaica que exige até consentimento do marido para realizar uma laqueadura. E se a mulher nunca teve filhos, amigos, eu lhes asseguro que vai ser muita dor de cabeça achar um médico que faça. Passa a faca no homem, que é melhor para todo mundo.

Sim, eu disse “para todo mundo”. Como já discutimos em outros textos, o homem está nas mãos de mulher na escolha de ter ou não filhos. Por mais que ele tente se precaver de forma autônoma usando camisinha, o índice de falha pode chegar a 10%. Então, na real, se a mulher quiser engravidar, engravida. Exceto, é claro, se o homem tiver feito vasectomia. Nesse caso ele está protegido do golpe da barriga pelo resto da vida.

Estamos falando de pessoas que não querem mais filhos. Somos pessoas racionais e sabemos (ou deveríamos saber) que querer ou não filhos independe do parceiro: quem não quer filhos, não os quer com ninguém. Muito bacana essa história de pensar que um amor verdadeiro vai te fazer ter vontade de ter filhos, mas não é verdade. Quem não quer ter filhos não faz essa escolha por não amar suficientemente seu parceiro e sim por outros critérios.

Então, sinto muito, se for uma pessoa mentalmente equilibrada e convicta da sua decisão, podem mudar os relacionamentos que a escolha de não ter filho continuará ali. E se for uma pessoa demente que cuja vontade de ter filhos oscila conforme o parceiro, olha, melhor que seja esterilizada mesmo que o mundo já tem idiotas de sobra.

Além de ser um procedimento mais simples e com menor índice de complicações, o custo da vasectomia também é muito menor. Além da cirurgia ser menos complexa e ter metade do tempo de duração da laqueadura, o paciente volta para casa no dia e uma semana depois já leva vida normal. Já na laqueadura a cirurgia é mais demorada, mais arriscada, a mulher tem que passar um ou dois dias no hospital e tem restrições por muito mais tempo. Na boa, que bosta de parceiro é você se sujeita sua mulher a uma cirurgia desnecessária e mais arriscada podendo resolver o problema de forma mais simples?

Vou dizer algo que o médico que consultei para escrever a coluna de hoje me disse, quando perguntei das chances de reversão da vasectomia e da laqueadura: isso não é argumento. Se a pessoa usa as chances de reversão como argumento para a escolha, ela não está pronta para ser esterilizada. Quem tem certeza de que não quer filhos, independente do parceiro, não decide com base na exceção e sim com base na regra: o quanto isso te previne de ter filhos. Certo está ele, dizendo que se a pessoa estiver muito preocupada com a reversão o correto é o médico se recusar a fazer a cirurgia. Se você já faz pensando na possibilidade de reverter, escolha outro método.

E outra, um “Heads Up” para nosso Sheldon Cooper Tupiniquim aqui de cima: mermão, se arrependeu? Que pena, arca com a escolha que fez e vida que segue. No dia em que medo de me arrepender me paralisar eu mesma me encarrego de dar um tiro na minha cabeça. Pessoas se arrependem todos os dias de tatuagens, de plásticas e até mesmo de filhos. A partir do momento em que uma pessoa segura de si, esclarecida e capaz decide eliminar sua fertilidade, ela o faz sabendo que pode se arrepender sim, e que é algo que terá que lidar se acontecer. Existem outras formas de se ter um filho. Arrependimento, meu caros, não mata. Eu lhes garanto.

O que não pode, ou melhor, não deveria poder, é bater o martelo que não quer ter filho à custa da mulher ter que fazer uma cirurgia mais complicada e arriscada porque quem bateu o martelo pode se arrepender. Tomar no cu, né? Argumento torto do caralho. Não dá nem para contra argumentar diante de uma inconsistência dessas. Se há esse receio de se arrepender, ninguém faz a esterilização e ponto final, se pensa em um método reversível.

Vamos levar a coisa para outra área, só para fins didáticos, pois eu acredito muito no poder explicativo dos exemplos. Supondo que alguém que você quer bem pretenda chegar a um destino e te peça orientações sobre o caminho. Você sabe que existem dois caminhos: um mais longo, com mais riscos de segurança no percurso e bem mais caro e outro mais curto, mais barato e mais seguro. Qual dos dois você indicaria para a pessoa que pede orientações?

O grande mal da bicha campineira aqui de cima sempre foi esse: egoísmo. Só vê o que quer, só raciocina para o lado que quer, que lhe convém. Uma inteligência muito acima da média mundial lhe permitiu viver toda uma vida conseguindo emplacar as decisões mais absurdas em causa própria convencendo as pessoas de que era o melhor a ser feito. Mas Tia Sally e seu gênio do cão não aceitam qualquer bosta não. Aqui tem dedo na cara, tiro, porrada e bomba. O mais racional é que o homem faça vasectomia.

E bem feita estará! Mulher faz muito mais esforço do que homem ao longo da vida para se manter atraente e para cuidar da relação. O mínimo que se espera é que a pessoa que diz te amar te poupe de um procedimento cirúrgico arriscado e tome a frente da coisa, passando por um leve desconforto de riscos mínimos. Mas pelo visto é pedir demais para o Sr. Em Tese. Em tese, ele acha melhor que a mulher o faça. Só tem um problema: a vida não é uma tese, a vida acontece na prática. Em tese eu arrumo argumento para qualquer merda, até para dizer que cigarro não dá câncer. Em tese é tudo muito fácil.

Seus cuzões, aceitem um buraquinho no saco para resguardar a mulher de vocês de um risco cirúrgico maior. Eu nem precisaria ter que falar, isso deveria partir de vocês! Não se fazem mais homens alfa nesse mundo…

Para se surpreender como você sempre cai na manipulação do Somir e só acorda para a vida quando lê meu texto e eu te alerto, para se juntar a mim e só tratar o Somir por nome de mulher daqui para frente nos comentários ou ainda para curtir meu dia de fúria: sally@deafavor.com


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