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Amor dito.

Amor dito.

| Desfavor | | 25 comentários em Amor dito.

O amor está no ar hoje. Quer dizer, só no ar mesmo. Imaginemos um casal que realmente se ama, mas nenhum dos dois tenha verbalizado isso. Sally e Somir discutem qual dos gêneros deveria tomar a dianteira. Os impopulares, amando o tema ou não, participam.

Tema de hoje: Quem deve dizer “eu te amo” primeiro, o homem ou a mulher?

SOMIR

Resposta curta: quem se importar com isso. Muito provavelmente a mulher.

Resposta longa: não falo de se importar com amor, amar ou ser amado em geral, falo de quem dá mais valor para o ritual de dizer essas palavras. E, convenhamos, esse papel quase sempre é o da mulher. Francamente, eu não me lembro de ouvir homens encanando pela mulher não dizer isso. Eu mesmo faço parte desse time. Se eu me sentir amado, não tenho a menor necessidade de ouvir essas palavras, ainda mais com essa pompa toda do dizer pela primeira vez. Amor é uma maratona, muito difícil saber se vai longe logo nos primeiros passos. A verbalização não é realmente o que define o sentimento.

Com essa visão das coisas, a verbalização me soa mais como um rito de passagem mesmo. E bem arbitrário, se me perguntarem. É algo que não deveria sequer incomodar uma pessoa racional, afinal, ela vai ver na prática se esse amor é real. Dizer “eu te amo” não prende ninguém à nada, talvez no máximo resuma uma série de visões que se tem da pessoa num pacote de consumo imediato. Mas, o conceito de amor tem um problema: ele é subjetivo, pois cada pessoa vai ter sua medida. O problema de resumos é que dão muita margem para interpretação. Duas pessoas podem se amar de formas distintas, e no fundo o que mais importa é que essas formas sejam compatíveis, não necessariamente idênticas, mas que se encaixem fazendo ambos se sentirem amados na maior parte do tempo.

Estou fazendo esse desvio para reforçar o ponto: na verdade o ato de dizer que ama não necessariamente está ligado ao sentimento. Quando eu digo que vejo a mulher como mais responsável por tomar a dianteira na hora de verbalizar o sentimento, estou falando mais do próprio ato de falar. Se entramos no reino da comunicação do que se sente, o trono é delas. Até porque são as mulheres que sentem maior necessidade dessa comunicação. Spoiler: cabeças de homens e mulheres são diferentes. Não é que homem não sente nada, é que homem não tem o mesmo impulso de dividir seus sentimentos que as mulheres tem. Não tem nem mesmo o mesmo impulso de falar em geral!

E aí, gera-se uma discrepância: de um lado um homem que nunca desenvolveu direito a vontade ou a habilidade de se abrir, de outro o gênero que é incentivado e até mesmo premiado por abrir seu coração. Homens poderiam ser mais abertos? Claro. Mas não são. Lide com isso. Mas mulheres poderiam ser menos apegadas a fórmulas e rituais para decidirem se são queridas ou não. Homens lidam com isso. Às vezes somos cobrados ridículas gincanas de gestos e atos específicos só pra convencer uma mulher que gostamos dela. Mas mulheres costumam gostar dessas coisas… quem quer ficar com uma delas que se vire, não?

Do jeito que eu vejo, um relacionamento também pode ser comparado com uma prova de rally: com um piloto e um co-piloto. Uma pessoa dirige e uma vai prestando atenção em tudo o que a pessoa no volante não tem como fazer. E se você acha que eu vou colocar o homem como piloto, está redondamente enganado(a)! Dirige quem tem treinamento e habilidade natural para isso. Quem dirige o carro do relacionamento é a mulher. Mulheres saem de fábrica com vantagens nesse ponto e ainda por cima tem muito mais experiência para lidar com sentimentos e verbalização deles. Já os homens se beneficiam de seu senso de direção e senso de conquista, duas coisas que se fizer enquanto estiver dirigindo podem levá-lo a procurar atalhos onde não existem ou mesmo colocar os dois em risco de colisões e derrapadas. É claro que a mulher tem que dirigir. Porque aí o time joga muito melhor, cada um trabalhando em suas vantagens e protegido de suas fraquezas.

Homens tem suas responsabilidades, mas a direção emocional de um relacionamento amoroso não deveria ser uma delas. Quem normalmente precisa arriscar a rejeição? O homem. Quem tem que demonstrar força e segurança na maioria das situações? O homem. Já viu homem largar mulher por achar que ela “fraca”? Não me dói que homens tenham essas cobranças, mas daí a achar que só pra parecer forte e capaz o homem tem que assumir a dianteira da parte emocional do relacionamento também? Quem ganha com isso? Botar alguém ruim nisso para ver a pessoa fazer besteira e ter algum prazer de reclamar depois?

Se você é mulher e quer dizer “eu te amo”, diga. Porque essa bronca é sua mesmo. Quem lida com o risco da rejeição dentro do relacionamento é quem tem mais amor pelo relacionamento. Risco e recompensa. O papel do co-piloto é confirmar ou negar se sua direção está correta. Nada contra homens que dizem primeiro, cada um faz o que achar melhor, mas achar que isso é obrigação deles? Absurdo. Se estivéssemos falando de uma situação fisicamente perigosa, não parece óbvio que o homem tome a frente e assuma a responsabilidade? Oras, quem é mais equipado para uma atitude com certeza tem mais responsabilidade de tomá-la. Quando falamos de verbalizar amor, a mulher tende a ter a maior capacidade de se abrir e assumir o risco de ouvir uma resposta ambígua.

Temos que acabar com o mito que mulheres são bibelôs de cristal no aspecto emocional, que não conseguem lidar com as pancadas da vida. Quem é mais forte, quem se expõe o tempo todo ou quem fica erguendo muros na sua frente? Mulheres são muito fortes emocionalmente, mais do que homens, se homem tivesse que lidar com a vida que se apresenta para as mulheres no dia a dia, ia pirar. Se é para encarar uma pancadaria, me manda na frente, mas se é parte de lidar com sentimentos, eu realmente prefiro ter o suporte de quem é melhor nisso. E mesmo que muito homem vá bufar e botar banca que resolve tudo quando quiser, dá pra ler na entrelinhas que a maioria também entrega na mão da mulher essa área. O que historicamente sempre fez sentido. Vai botar cego pra dirigir?

Eu acredito em liderar pelo exemplo: se você quer que alguém faça algo, ajuda muito mostrar como se faz. Muitos homens ou não se importam realmente com o ritual da verbalização, ou não tem a força necessária para dar esse primeiro passo. Talvez nem saibam como fazer. E nesse contexto, se você é mulher e realmente ama o cidadão… vai ter que lidar com esse ponto fraco dele. Essa coisa de ficar testando homem de acordo com coisas genéricas que enfiaram na cabeça das mulheres que são importantes me parece uma babaquice, mas quem sou eu pra dizer o que é valioso ou não para outra pessoa? Se a mulher quer isso verbalizado, que se mexa pra isso.

Eu sei que ninguém gosta de ouvir que tem a responsabilidade por algo percebido com essa magnitude na sociedade, mas adianta teimar com a natureza? As coisas são como são. Alguns homens vão querer verbalizar, muitos não ligam ou não se sentem confortáveis com isso. Mas a maioria das mulheres vai tanto querer quanto ter mais desenvoltura emocional para dar o passo. Que mania de querer que homem resolva todas as carências da mulher! E pior: como homem acaba aceitando essa pressão, faz tudo do seu jeito e ainda ouve depois, porque fez “errado”.

Sério, se o tema fosse “quem deve ir lidar com um bandido ameaçando o casal, o homem ou a mulher?”, todo mundo ia entender que era o homem. O que precisa ficar claro aqui é que esse é exatamente o mesmo conceito, mas com a escala de força invertida. Assim que você entender isso, vai tudo ficar claro.

E todos seremos mais felizes.

Para dizer que é muito papo por medinho de rejeição, para dizer que eu não reconheceria amor nem se ele estivesse morando comigo, ou mesmo para dizer que eu vou saber se você me ama: somir@desfavor.com

SALLY

A premissa é a seguinte: um casal composto por um homem e uma mulher, onde ambos se amam, ainda não verbalizaram esse sentimento. Quem deve tomar a iniciativa e dizer “eu te amo”, o homem ou a mulher?

Quem quiser e quem tiver vontade.

Pensando na grande massa (já já chego na minha opinião pessoal), me parece muito mais lógico que a mulher seja cautelosa e espere pelo homem verbalizar, já que, como toda mulher bem sabe, essas bichas se assustam e fogem se não estiverem na mesma página. Nós que estamos discutindo o assunto sabemos que o casal se ama, mas eles não sabem o que o outro está pensando. Da minha parte, realmente não me importo. Caso se assuste e fuja, bem, já vai tarde. Mas tem peneira melhor para se fazer com esse evento…

Em termos gerais, uma mulher que escuta um “eu te amo” não correspondido tende a ser muito mais receptiva (e menos covarde). Provavelmente ela vai ter uma conversa honesta explicando seus sentimentos de forma delicada e cuidadosa sem se cagar nas calças por causa disso. Não custa caro a um homem verbalizar um “eu te amo”, uma mulher tende a ficar lisonjeada com isso, e não incomodada, petrificada e aterrorizada.O worst case scenario para o homem é muito mais brando.

Logo, me parece mais lógico que verbalize aquele que tem menos a perder. Até porque, se uma mulher fala “eu te amo”, existe uma tendência que o homem, por covardia ou por desespero de não saber o que fazer ou concatenar frases que expressem seus sentimentos sem magoar, acabe dizendo um “eu também” falso. Daí essa mulher que verbalizou seu sentimento nunca vai saber se a correspondência foi sincera ou se foi imposição social, medo de perder sua fonte fixa de sexo ou pavor de ver a mulher começar a chorar. Sim, homens se acham assim de importantes.

Não falo antes de ouvir, também por querer ter certeza da sinceridade do sentimento alheio, mas este ainda não é o motivo principal. Um “eu também” soa prêmio de consolação. Mas o grande motivo, o grande argumento do dia, é outro: não ser a primeira a verbalizar me permite uma avaliação pessoal minha sobre o tipo de homem que tenho diante de mim, da qual eu não abro mão, pois já vi o valor inestimável que ela tem.

Ter culhões de se expor e verbalizar de forma autônoma e espontânea um “eu te amo” diz muito sobre a coragem daquele homem e do quanto ele é seguro e bem resolvido em matéria de sentimentos. Apenas observo, e recomendo que todas as mulheres façam o mesmo. O tempo que demora e a forma como é dita é um ótimo termômetro do qual não pretendo abrir mão verbalizando antes e deixando um reles “eu também” como boia de salvação para o Zé Ruela da vez. Sabem como é, eu tenho essa queda por experimentos sociais…

Que conste: não é por falta de coragem, a minha defesa da não verbalização tem caráter científico: avaliar o perfil do outro. Quem me conhece sabe que eu falo coisa muito pior se tiver vontade. Mas, nesses momentos avaliativos vale a pena ser mais observador e menos protagonista.

Uma pessoa que não tem coragem de se expor, provavelmente é insegura e vai trazer uma infinidade de problemas para a relação. Uma pessoa mal resolvida com seus sentimentos, que depende da prévia aprovação alheia para validar o que sente em voz alta é dor de cabeça na certa. Pequenos testes ajudam a evitar furadas em relacionamentos, acho válido. Também acho que quanto mais se adia o momento, mais difícil ele fica. Aquele elefante branco começa a gerar algum constrangimento no meio da sala. Novamente, mais uma possibilidade de avaliação valorosa.

Com esse desconforto velado instaurado se depreendem coisas muito úteis também. Como o homem se comporta quando a pressão aumenta? Te pressiona de volta para que você tome uma iniciativa? Sonda? Como é ele sondando? Finge que não vê? Se apavora e se omite? Se desespera e perde o controle? Dicas preciosas do tipo de desgosto que a criatura vai te dar durante o relacionamento. Vale a pensa observar. Há quem vá ao Maasai Mara para estudar grandes felinos, há quem vá à floresta amazônica para estudar répteis raros. Eu sou fã de estudar gente, inclusive todos vocês.

Quanto mais a situação se estende, mais material para observação. Vocês conseguem me visualizar em um primeiro encontro com uma bermuda caqui, um binóculos e um bloquinho na mão tomando notas? A forma como é (ou não é) verbalizado, onde, quando… tudo são indícios importantes. Homens mentem o tempo todo nas palavras, mas nos atos, ahhhh nos atos… nos atos são pouquíssimos os que conseguem mentir, e estes, por mais canalhas que sejam, são interessantíssimos pois alcançam esse grau de inteligência emocional que quase ninguém consegue. Para mentir nos atos tem que se conhecer muito bem e ser muito inteligente. Bato palmas.

Vai ter quem me recrimine por ter vontade de falar e me segurar. Vontade é uma coisa que dá e passa, e, eu lhes garanto, certamente minha vontade de fazer esse pequeno experimento avaliativo é sempre muito maior do que a de verbalizar meus sentimentos. Levou muito tempo para conseguir me transitar livremente do papel de protagonista para o papel de observadora dentro de uma relação e eu realmente gosto disso. Já me poupou de muitos aborrecimentos e me diverte, então, é win/win.

Durante séculos as mulheres tiveram a “responsabilidade” de ser a parte emocional da relação, de carregar o campo afetivo nas costas. Ok em tempos onde elas só faziam isso, mas hoje? Agora, nos cobram sucesso na profissão, ser independentes, ser cultas, inteligentes e atualizadas. Então, seus putinhos, já que estamos dividindo tarefas, o pessoal dos testículos que venha um pouco para o nosso território também e se faça cargo de parte do aspecto emocional da relação. Nada mais justo, não?

Fique de olho no Quando/Como/Onde do “eu te amo”, isso diz mais sobre o perfil daquela pessoa do que ela mesma pode imaginar. Vale mais segurar a língua e ter estas informações preciosas do que facilitar a vida da pessoa e verbalizar gerando uma correspondência que você nunca saberá se é sincera ou não. Sisters before misters, irmãs. Não facilite a vida desses porras não, deixa eles se exporem, deixa eles ralarem um pouquinho!

Para dizer que é por esse tipo de comportamento repulsivo que eu ainda estou solteira, para me dar razão sem nem ler o texto da Madame aqui de cima ou ainda para dizer que me ama: sally@desfavor.com


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