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Casamento renovável.

Casamento renovável.

| Sally | | 40 comentários em Casamento renovável.

Casamento até que a morte os separe? Será que isso é viável nos dias de hoje?

A sagrada instituição do matrimônio está mais falida do que nunca. Entretanto, os incentivos sociais para casar são enormes. Não me refiro apenas à pressão social, mas também a questões mais concretas. Acho que já comentei aqui em outro texto: certa vez, quando estava em um relacionamento sério, fiz as contas do quanto eu economizaria por mês se o casamento fosse formalizado. A resposta foi assustadora: mais de mil reais.

É mais barato ser casado. Há uma presunção de seriedade pairando em torno de quem casa (na maior parte das vezes, equivocada). Por isso despesas como seguros (de vida, do carro, etc), por exemplo, ficam mais baratas se você assinar o papel. Não apenas isso. Tente alugar um apartamento sendo casado e sendo solteiro e observe a diferença de tratamento e até mesmo de valor. Plano de saúde e muitas outras despesas flutuam de acordo com seu estado civil.

O custo social também se reflete na esfera econômica. Tente procurar emprego com mais de 35 anos e estado civil solteiro e observe a desconfiança. Quem rompe com o status quo gera medo, receio. Que pessoa é essa que não é como o resto? Só pode ter algo errado com ela… Só pode ter algo de muito hediondo, por isso ela NÃO CONSEGUIU casar. Sim, nunca ter casado fecha portas na vida profissional. É isso mesmo. Nosso país está nesse grau de merdificação. Se for homem, talvez possa ter algo bom creditado: “quer curtir a vida, não quis se prender a ninguém”. Mas se for mulher…

Então, já que no Brasil custa caro ser solteiro e também custa caro se divorciar, o DesPotas de hoje propõe o melhor dos mundos: casamento por tempo determinado, renovável ou não, a critério das partes. Pacotes de um, cinco, dez ou vinte anos, que quando chegam ao final, obrigam as partes a manifestar sua vontade se quiserem continuar juntos. A inércia, o silêncio, a não manifestação faz presumir que estas pessoas não querem mais continuar juntas e o contrato se desfaz, sem que se precise fazer nada. Simples assim, sem Judiciário, sem advogados, um contrato que se resolve pelo mero decurso do prazo.

Se você está chocado, sua mentalidade está atrasada, destoa da realidade. Acompanha a sociedade, mas destoa da realidade. A humanidade é assim, está sempre um passinho atrás da realidade, pois reluta em aceitar as mudanças. Essas pessoinhas que tem medo do que é novo, elas sempre atravancam a evolução humana. Desde sempre a humanidade é isso: 90% agarrados ao status quo e 10% fazendo uma força do caralho para empurrar o mundo para frente.

Sinto informar, mas hoje, o casamento não é mais para sempre. Na verdade, em sua essência, nunca foi. Dificilmente duas pessoas fazem a quantidade de renúncias necessárias para isso voluntariamente. O fazem quando não tem opção, seja esta falta de opção decorrente de proibição ou condenação social em se separar, seja pela incapacidade de manter seu padrão econômico sozinha, seja por insegurança. Havendo opção, pouquíssimos casais ficam juntos até que a morte os separe. E não há nada errado nisso.

Hora de romper com o final feliz fantasioso, com a ideia equivocada de que se for amor de verdade é para sempre. Não, amor é como um Tamagotchi, tem um ciclo de vida, geralmente curto, que depende da competência de quem cuida dele. Se cuidar muito bem cuidado, pode durar muito, mas nas mãos de pessoas comuns, morre antes do que se imagina. E o quanto antes o ser humano aceitar que está tudo bem se o amor acabar, que não é uma morte nem um fracasso, antes romperemos com esse modelo ilusório que não se encaixa mais na realidade. Gente, aceita que dói menos: esse modelo de casamento não está dando certo.

Se não for para sempre, você não pode celebrar uma união com a pessoa amada? Meio hipócrita. Quantas pessoas já casam sabendo que não é para sempre? Muitas. Com essa brincadeira, abarrotamos o Judiciário, magoamos uns aos outros (às vezes um dos dois acredita que é para sempre e sooooofre quando acaba) e, de quebra, gastamos dinheiro com advogado e saúde em uma divisão de bens estressantes. Por qual motivo não estipular um prazo? Acredite, não vai ser a existência de um prazo que vai fazer o amor acabar. Aliás, muito pelo contrário. Isso sim te permite saber quem te ama de verdade.

Seu amor é forte e vai ser para sempre? Prove. Case com prazo marcado. Se, ao final do prazo, ambos quiserem, não há problema algum: renovam os votos e continuam casados. É… as mulheres não vão querer. As mulheres, logo as mulheres, as maiores interessadas, não vão querer. A brasileira média faz do seu objetivo de vida arrastar um homem para o altar, ela joga todas as suas cartas, usa toda sua energia, gasta todas as suas forças para isso. Imagina ter que fazer isso todo ano? Não, não. Elas preferem estar ao lado de um homem que está acomodado e que, se tivesse a liberdade de ir embora, iria.

Mais: falam da conquista de “dobrar” um homem e finalmente conseguir leva-lo ao altar. Nunca compreendi esse orgulho em conseguir “dobrar” um homem. Eu acho extremamente humilhante precisar convencer alguém a casar comigo. Se não partir da pessoa, se precisar de um mínimo empurrão meu para que o casamento saia, desculpa, eu acho humilhante. Casar forçando a barra não é vitória, é derrota. E, mais cedo ou mais tarde, essa conta vem.

Apegar-se a um casamento para sempre é querer contar com a acomodação do outro em ficar, amarrado por um contrato. Amor mesmo, amor de verdade, é quando se abre uma janela para que a pessoa pule fora sem custo, sem ônus e sem burocracia e, ainda assim, a pessoa decide ficar. Meus Queridos, se você quer saber se uma pessoa realmente te ama, faça um casamento renovável que a verdade vem à tona.

Além disso, quando há prazo para acabar (ou não) as pessoas conseguem se programar. Todo santo dia vejo pessoas que se meteram em dívidas conjuntas com parceiros que se ferram de todas as formas imagináveis por isso. É aquela história que discutimos no texto sobre negação seletiva: no fundo, no fundo, todo mundo sabe que o casamento vai acabar (e os que não sabem são ainda mais cegos), mas escolhemos não ver, escolhemos acreditar que é para sempre, pois nós, seres humanos, temos uma dificuldade enorme em antever mudanças de sentimentos futuros.

Quando você ama muito uma música, acha que para sempre vai gostar dessa música. Talvez cinco anos depois você se ache um imbecil por ter gostado tanto daquela música. Estudos confirmam a enorme dificuldade humana em antever/aceitar que mudarão de ideia a respeito de algo que hoje amam. E, cá entre nós, mudar é bom e necessário, é sinal de que estamos em evolução. Vou ficar muito preocupada no dia em que olhar para trás e perceber que minhas opiniões, meus gostos e pensamentos são iguais ao que eram cinco anos antes. Mudar é bom, mudar é necessário.

Infelizmente o casamento por tempo determinado será massivamente rejeitado hoje. A insegurança humana fala mais alto. A massa tende a querer segurança a qualquer preço, ainda que fictícia, ainda que ilusória. Religiões estão aí para confirmar minha teoria: a segurança é a muleta que atrasa o caminhar da humanidade.

Ninguém vai querer “se arriscar” a ser largado quando a validade do casamento expirar. O que para mim seria uma coisa boa (se não está feliz, quero mais é que vá embora!) para outros é motivo de medo. Meu medo, de verdade, é que alguém fique comigo por estar acomodado. Tudo é questão de ponto de vista.

Se quiserem continuar casando para sempre, ok. Mantenha-se o casamento “até que a morte os separe”, ainda que eu acredite com muita convicção que nesse mundo atual, fluido e mutável, não exista mais espaço para contratos eternos. Mas, poxa, liberem o casamento por período determinado, renovável quantas vezes a pessoa quiser, assim toda a sociedade, até mesmo os que não são negadores e não precisam de muletas, conseguem se beneficiar desta instituição.

Vai acontecer. Não agora, mas vai acontecer. Agora vai ser violentamente rejeitado. É o que conversamos naquele texto sobre escudos, quando você tira o escudo de uma pessoa, ela te ataca por se sentir vulnerável. Este texto tira o escudo das pessoas que se afirmam por um casamento. Ouvirei nos comentários que sou mal amada, que só escrevo essas coisas por desconhecer amor de verdade e todas aquelas ofensas que vocês já conhecem.

Quando acontecer, provavelmente não estarei viva para ver. Isso eu já me conformei, eu nasci um século atrasada, minha cabeça não é compatível com a era em que vivo. Mas o pior é que quando acontecer, eu nem ao menos serei lembrada como a autora da ideia. Alguém com a cabeça igual à minha, mas que tenha nascido na hora certa, será aplaudido e celebrado por ter melhorado a vida das pessoas, por ter desafogado o Judiciário e por ter permitido uma nova forma de relacionamento, onde só ficam juntos os casais que realmente se amarem. A vida é injusta às vezes.

Que venham os xingamentos, acusações e presunções sobre minha pessoa. Estamos aqui para isso.

Para dizer que depois de acabar com a maternidade eu quero destruir o casamento, para dizer que em tese parece uma boa ideia mas é tão nova que assusta ou ainda para insistir que o seu casamento é para sempre: sally@desfavor.com


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