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Cansei da realidade.

Cansei da realidade.

| Somir | | 8 comentários em Cansei da realidade.

Pelo menos da minha… e não estou desabafando sobre dificuldades na vida. Na verdade é algo mais sutil do que isso. É a percepção que a realidade é muito mais chata para quem tenta realmente prestar atenção nela. Depois de ler uma enorme e complexa teoria conspiratória que explica basicamente como todo o mundo funciona, eu só consigo prestar atenção em inconsistências. Eu acho que não trocaria esse senso crítico por nada, mas… deve ser muito interessante poder “trocar as lentes” pelas quais se vê o mundo ao seu bel prazer.

A teoria conspiratória? Pode ser qualquer uma. No caso era a da família Rothschild, que supostamente controla basicamente todo o dinheiro do mundo. Mas tem várias outras, desde a teoria da Terra Chata até mesmo a sobre os atentados de 11 de Setembro… existe um mundo de teorias incríveis (e talvez aqui o melhor uso da palavra) à disposição de qualquer um com tempo disponível e uma conexão de internet. Ouço e leio esse tipo de coisa a minha vida toda, mas só recentemente comecei a pensar como deve ser “divertido” acreditar nessas coisas.

Imagina só realmente acreditar nessas coisas? O mundo deve ser um lugar muito misterioso e fantástico para essa gente. E de certa forma, bem menos caótico. Conspirações que explicam basicamente tudo, e por tabela te dar subsídios para agir em relação a isso. O teórico da conspiração vive num mundo de videogame, com regras próprias, poderes e itens mágicos que você pode usar para se sentir mais seguro. Um rolo de papel alumínio pode bloquear satélites espiões de um governo que sabe que você… sabe demais!

A mesma lógica pode ser aplicada a religiões e charlatanices místicas em geral. Deve ser bacana mesmo acreditar num deus, ou mesmo em signos e fantasmas. O ponto de vista cético não deixa de ser uma renúncia, eventualmente até um de carteirinha como eu se pega imaginando como poderia ser reconfortante acreditar em um deus benigno que se importa comigo ou mesmo tendo a experiência (que deve ser espetacular) de confundir um falso positivo ou um efeito placebo com uma prova de validade da fértil imaginação humana.

Mas, feliz ou infelizmente, parece que há um ponto de não retorno. Estava discutindo com a Sally um dia desses sobre como reagiríamos a ver algo inexplicável como um fantasma. Eu acho que surtaria. Primeiro porque eu acredito de verdade no “mantra” que céticos não veem fantasmas. E depois porque a curiosidade tomaria conta da situação. Inexplicável é apenas aquilo que AINDA não foi explicado. Talvez limitações físicas de um cérebro humano não consigam fazer o senso completo da situação, mas é bem provável que pelo menos alguma aproximação educada possa ser feita.

Como disse a ela, eu provavelmente gritaria feito uma menininha pelo susto, mas assim que tivesse alguma confiança na minha segurança pessoal, a coisa mais importante do mundo seria traçar alguma forma de análise ou mesmo comunicação com esse elemento inexplicável. Seria algo imensamente interessante: se fosse um fantasma, eu teria um milhão de perguntas sobre o funcionamento desse processo. A pessoa realmente já tinha morrido? Há alguma mudança considerável no funcionamento da consciência sem um corpo envolvido? Por que um evento assim nunca foi comprovado por cientistas sérios? Há alguma hierarquia? Uma estrutura social? Eu provavelmente espantaria o fantasma, de tédio.

Mas como eu falava do ponto sem volta do ceticismo: alguém que não engole mais a mistura entre imaginação e realidade não vai simplesmente aceitar algo do gênero sem desenvolver explicações minimamente razoáveis para o evento testemunhado. Se existe, é natural. É feito de algo e provavelmente pode ser forjado e reorganizado, segue alguma lei física. Se um cético vê um fantasma, ele deixa de ser mágico, passa a ser só um tema pouco estudado. Alguém sem essa vontade de aceitar explicações genéricas de gente com mais imaginação do que capacitação técnica para tal não vai escutar o papo horrível dos místicos de plantão.

Só que, deve ser mesmo muito agradável ter essa “falha” na cabeça que deixa entrar qualquer afirmação sem bases como explicação, eu vejo um fantasma e estou fodido buscando informações sérias pelo resto da vida, uma pessoa mais “aberta” resolve se banhar com algumas plantas (ou seja lá o ritual que se faça) e acredita que isso vai protegê-la! A pessoa adapta o inexplicável dentro da sua percepção da realidade sem ter que mexer nada do lugar! Não está nem aí para inconsistências na sua visão de mundo, pelo buraco que passa uma entidade mágica que controla tudo que existe passa qualquer porcaria…

Desconfio que tenha algo por trás disso: arrogância. A arrogância de achar que entendeu o mundo, da qual nem eu me excluo, mas vem com uma preguiça que parece completamente incompatível. O cético “chato” acha que pode explicar tudo por lógica, o “crente” acha que pode fazer o mesmo sem mover uma palha. Eu passei minha vida sendo chamado de arrogante por querer explicar as coisas e por não acreditar nas asneiras que a maioria das pessoas acredita, mas a verdade é que arrogância por arrogância, a minha e de tantos outros por aí com visões parecidas é das mais humildes. Pelo menos os céticos tentam substanciar suas crenças em evidências comprováveis e reprodutíveis. Dá bem mais trabalho para conseguir a mesma “certeza”. Até mesmo a turma do “não sei” tem o nariz bem empinado. Não só modelam sua visão da realidade em… nada, como também sobem num pedestal para criticar quem não partilha da sua visão preguiçosa. Conseguem o cúmulo de querer saber mais do que as outras partes sem acumular conhecimento nenhum para tal.

Se todos somos culpados em algum grau dessa arrogância na hora de explicar o mundo, que pelo menos faça-se algum esforço para bancá-la. E não, só acreditar no inacreditável sem usar nenhum mecanismo para adaptar sua realidade às novas evidências não conta exatamente como um esforço. É comodismo. Ou, fast-reality: a pessoa consome a realidade que lhe é mais fácil e apetitosa. É claro que eu reconheço que deve ser muito bom só consumir esse tipo de visão das coisas, imagino estar perdendo muita coisa divertida na vida, mas… quem enxerga a vida pelo olhar cético não consegue mais voltar para essa mediocridade.

A verdade é que eu nunca vou ver um fantasma. Seria bacana ter uma novidade dessas para chacoalhar minha visão das coisas e abrir possibilidades para inúmeros aprendizados, mas… feliz ou infelizmente, fantasmas não existem.

Eu quero muito ver um, mas o ponto de não retorno já aconteceu. Nada é de graça nessa vida…

Para dizer que eu só bati a cabeça no teclado e saiu isso, para dizer que não entendeu se eu me arrependi ou não, ou mesmo para dizer que já viu fantasmas (é uma alegoria no texto, não é exat… ok… deixa, fala que viu…): somir@desfavor.com


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