Nos EUA, a candidatura à presidência do maluco bilionário, ou bilionário maluco Donald Trump continua forte, mesmo com ele dizendo e fazendo as coisas mais erradas que um candidato nessa escala poderia. Especialistas em política de lá garantem que ele desmonta antes da hora H e que o risco dele realmente ser presidente é nulo. O que provavelmente é verdade, mas… está demorando um pouco demais para acontecer. Essa irresponsabilidade política tem mais poder do que o previsto. Fico imaginando o que seria o nosso Donald Trump…

Para situar quem não tem muito conhecimento do que acontece lá nos EUA, Donald Trump é um famoso empresário e figura midiática local. Bilionário, excêntrico, ostentador e famosamente um imbecil para a parte mais culta da população de lá. Mas… é um imbecil carismático. Sabem aquele show “O Aprendiz” que o Justus estrelou no Brasil? A versão original era com ele, e foi um sucesso estrondoso. E olha que ele já era famoso antes disso por ser dono do concurso Miss Universo (do qual escolhe suas esposas). O que importa aqui é que Trump já tinha muito “reconhecimento de marca”, mesmo sendo tratado como a epítome do emergente burro e brega. Daria para falar por páginas e páginas dessa fama, mas foquemos agora na maluquice: ele resolveu se candidatar (de novo, ele sempre tenta) para ser presidente dos EUA, e conseguiu dessa vez um apoio que o colocou como líder de muitas pesquisas por lá!

Bom, americano é notoriamente sem noção, não elegeram o Bush duas vezes? Sim, mas dessa vez é um grau completamente diferente. Trump não se conforma a nenhum dos padrões de candidatos anteriores. Zero politicamente correto, muita marra, senso de humor e ideias mirabolantes para resolver todos os problemas! Dessa vez Trump decidiu fazer tudo errado… e deu certo. A grande proposta dele é construir um muro gigante entre os EUA e o México, porque os mexicanos são bandidos e estupradores! E eu não estou passando Tecla SAP, o maluco falou tudo isso mesmo, na cara dura. Trump fala o que dá na telha, sacaneia os outros candidatos por serem pobres, fala mal de mulher, imigrante… tudo o que faria um marqueteiro político se matar normalmente se visse seu candidato fazendo. Mas… levou ele para o topo das pesquisas.

E os profissionais da área não conseguem engolir isso. Foram fazer mil pesquisas para descobrir como diabos alguém podia ficar tão bem depois dessa enxurrada de merda. Bom, primeiro, para contextualizar: nessa fase da eleição, estão escolhendo os candidatos oficiais de cada partido. Trump está disputando pelo apoio dos Republicanos, aqueles que votaram no Bush. Não é como se estivessem perguntando para os mexicanos quem eles querem ver na Casa Branca. Mas mesmo nesse grupo reconhecidamente conservador e francamente… não muito brilhante… ainda pegaria mal dar tanta cacetada como Trump deu. O que as pesquisas descobriram é que o povo americano, mesmo não concordando com ele em tudo, achou o máximo alguém que simplesmente falasse o que estava pensando. Sem discursinho ensaiado, sem pose… só ser o imbecil que ele sempre foi.

Ainda sim é muito provável que Trump derreta antes mesmo da indicação para ser candidato dos Republicanos, e se passar dificilmente ganha da Hillary Clinton (difícil não ser ela…). Mas fica uma lição de “honestidade” para as campanhas de lá depois disso. Os outros candidatos começaram a botar as asinhas um pouco mais de fora, o público parece se amarrar mesmo em candidato sendo mais folgado e real com as próprias ideias. A democracia americana não é como a brasileira, lá é um sistema bagunçado que no final das contas faz só as pessoas de alguns poucos estados decidirem mesmo quem vai ser presidente, mas é uma democracia que ensina muito no campo da propaganda e da postura do candidato.

Imagino que numa escala menor, já que brasileiro gosta mesmo é de hipocrisia, o vento que ventou lá possa ventar pra cá. Lula acabou sendo nosso Bush, burrice recompensada pelo gosto do povão pela simplicidade… então talvez consigamos fazer o nosso Trump. O Trampe! Como seria o Trampe? Bom, se formos parar para pensar, esse trem já passou aqui, em 1989. Silvio Santos era extremamente carismático (mais do que Trump jamais poderia ser), muito rico, sem papas na língua e nenhuma experiência política. Não fosse terem puxado o tapete do Homem do Baú, não sei se teria dado certo naquela época. Feliz ou infelizmente Silvão já saiu dessa e agora quer ficar de bermuda em Miami enquanto não está ficando gagá em rede nacional.

Resta-nos pensar em quem poderia assumir esse papel hoje. A parte do “rico” tem que ser mantida. Brasileiro se amarra nisso. Se o Eike Batista não fosse um merdeiro tão colossal, eu até enxergaria o potencial. Mas, ex-rico (por cima dos panos) não funcionaria. Se quiser botar banca de sucesso e impressionar brasileiro, tem que ter dinheiro. E aqui ainda tem um extra: cidadão ser rico parece deixar o povo menos desconfiado que vai roubar. O que dificilmente é o caso… o rico tem ainda mais oportunidades e contatos para roubar direito. Por isso que a turma do PT foi exposta mil vezes nos seus mandatos: até pra roubar “limpo” tem que ter um certo know-how de fazer tudo de forma eficiente e sutil. Não é quem cortou dedo fora para aposentar que vai ter essa finesse…

Mas, tergiverso… além de rico, tem que ser homem. Foi mal, mulherada, mas ainda não estamos prontos para uma líder com personalidade. Brasileiro topou a Dilma por ela não ter cara de nada além de aliada do Lula. Pegaram alguém com fama de ditadora e propagandearam como a “mãe do Brasil”. Numa sociedade como a brasileira, mulher ainda assusta quando parece muito segura de si. E pra fazer nosso Trampe ainda precisamos da segurança de um par de bolas para animar o povão. Nem lá nos EUA deixam a Hillary ter muita personalidade, é inclusive a piada recorrente sobre ela. Um dia chegamos lá, mas não é hoje.

Reconhecimento de marca. Ou, ser famoso. Isso conseguimos com facilidade. O que não falta é gente famosa no Brasil, com ou sem méritos. O Trampe precisa já ser muito conhecido, e com algo que não o deixe próximo demais de políticos habituais. O que começa a bater de frente com a parte de ser rico… no Brasil é comum precisarem de uma ajudinha do poder público para chegar lá. Mas, quem tem dinheiro consegue manter algumas coisas debaixo do tapete, pelo menos pelo tempo suficiente para fazer a campanha. Mas temos mais um agravante, tem que ser rico, famoso e ser ressonante com o povão. Brasileiro, assim como o americano, parece ter horror de gente inteligente. O Lemann, por exemplo, o homem mais rico nascido no Brasil, até tem reconhecimento de marca, mas soa demais como inteligente para gerar o amor do povo. E nunca que alguém assim se enfiaria numa furada dessas.

Mas eu acho que algum empresário rico suficientemente conhecido poderia surgir. Apesar dos pesares, o Brasil é grande e a definição do que é ser rico acaba mais inclusiva quando todo mundo é muito pobre. Ser rico no Brasil não precisa significar ser bilionário. Aposto que alguns de vocês até vão conseguir pensar em exemplos que eu não vi, mas mesmo assim, batemos no principal problema de todos: Trampe precisaria falar de verdade o que pensa. E isso é praticamente impossível na sociedade tupiniquim.

Simplesmente não temos a cultura do debate e das opiniões fortes. Lá nos EUA, falando besteiras ou não, as pessoas são mais treinadas para lidar com opiniões alheias. A mídia toma lados, a pancadaria entre as visões políticas dominantes não é coisa de iniciante. E com leis defendendo a liberdade de expressão, muita gente não se esconde quando é hora de falar algo mal visto pelo povão. O nosso povão provavelmente nem entenderia sobre o que um candidato boquirroto estaria falando, mas seria rejeitado mesmo assim.

As pessoas estão acostumadas demais a mudar seu discurso de acordo com o tamanho da plateia. É culturalmente aceito que humildade não é agir, é falar. Todos esperam que o candidato faça acordos com deus e o diabo, e que cada palavra que saia da sua boca seja digerível por todos os públicos. O que explica o consistente “mais do mesmo” que tem sido nossa democracia desde o fim da ditadura. Brasileiro não quer esquerda ou direita, mal entende os conceitos, brasileiro quer alguém que prometa algo que lhe traga a vantagem mais imediata. E que não tome partido de verdade. Talvez morra de medo de ser deixado para trás, tanto que nas comunidades mais pobres o que funciona MESMO é tocar o terror nas pessoas dizendo que o candidato da concorrência vai fazer maldades diretamente contra elas. Engraçado que não temos (como povo) cultura nem para lidar com uma opinião dissonante. Não tem lados, esse papo de PT contra PSDB é a maior mentira das últimas décadas. Os partidos prometem as mesmas coisas, quem assusta mais o brasileiro médio com o espantalho do adversário é que ganha.

Nesse ecossistema político maldito, um candidato que tivesse opiniões fortes e não tivesse medo de se expressar seria trucidado pela concorrência. A verdade seria punida imediatamente. Não tenho inveja alguma de poder ter um Donald Trump entre nossos presidenciáveis, mas entristece que um candidato do tipo não seja viável pelos motivos errados. A gente nem chance tem de desgostar de um candidato por suas visões estúpidas e preconceituosas, elas sempre ficam escondidas para não dar munição para os concorrentes distorcerem ainda mais e tocarem o terror nos eleitores mais humildes. Mentirocracia! Quem mente melhor, ganha.

Vai chegar 2018 e não vamos ter nosso Trampe, por mais que consigamos achar quem consiga compor a personagem direito. Assim que ele abrir a boca e falar uma vírgula fora do script, está acabado. Brasil, um país tão merda que nem chegou no ponto ainda de ter um candidato abertamente estúpido! Nem isso merecemos ainda.

Para dizer que há males que vem para o bem (em 2018 a gente vê isso), para dizer que basta prometer construir um muro na fronteira com a Argentina, ou mesmo para sugerir quem poderia ser nosso Trampe: somir@desfavor.com