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Sessão privada.

Sessão privada.

| Somir | | 2 comentários em Sessão privada.

Ariovaldo desistira. 26 anos de vida sem sequer ter beijado uma mulher. Faltava-lhe a coragem para qualquer intimidade com o sexo oposto. Desconfiava de algumas oportunidades perdidas, mas nada suficientemente sólido para desfazer a impressão que também era o caso de não ser suficientemente atraente para mulher alguma. Com o tempo, a ideia se instalou com tamanha força em sua cabeça que nem tentar mais tentava. Resignou-se: aquilo não era para ele.

Horroroso não era. Mas já havia tempo que parara de se cuidar, a aparência que poderia ser aceitável com um pouco mais de atenção deteriorou-se em cabelo mal cuidado, barba abandonada, físico sedentário e senso de moda condizente com a rotina de sair da cama, ir para o computador… e voltar para a cama. O emprego que o permitia essa vida isolada tinha algo de irônico: revendia pela internet apostilas sobre como seduzir mulheres para outros desesperados. Materiais risíveis que nunca lhe ensinaram qualquer método infalível, como anunciava; coisas como “as cinco perguntas que fazem qualquer mulher querer fazer sexo com você”. Mesmo assim, as vendas iam bem, havia definitivamente um público para isso.

Sua única relação com uma mulher, aparte de uma estranhada irmã morando fora do país com a qual praticamente não se comunicava, consistia na adoração doentia por uma modelo num site de câmeras adultas, com a qual gastava em sessões privadas e gorjetas praticamente todo o excedente de seus parcos custos mensais. Stella era o nome dela, ou pelo menos era esse o apelido escolhido para exercer sua profissão. Era de algum país do leste europeu e comunicava-se por um inglês macarrônico que por muitas vezes só podia ser decifrado por expressões ou contextos.

Ariovaldo, escondido atrás do nome de usuário ario_891, já havia ganhado alguma notoriedade por parte da modelo, pela assiduidade e principalmente pelo desprendimento ao pagar por horas e horas de lucrativos chats particulares. Apesar da insistência de Stella, ario_891 jamais ligava sua câmera de volta, preferindo observar a ser observado. Com o tempo, Ariovaldo fazia mais do que pedir por posições ou feitos sexuais de sua escolhida, em diversas vezes apenas conversava sobre seu dia, inventando histórias sobre uma vida que com certeza jamais vivera. Fantasias de uma pessoa solitária com mais imaginação que experiência.

Com o tempo, ambos acabaram criando até piadas internas. A pronúncia deficitária de Stella na língua inglesa criava palavras absolutamente novas em conjunto com as de sua língua nativa. Algumas delas acabavam repetidas como uma língua própria do “casal”. Ambos sabiam seus significados naquele universo paralelo. Stella sempre pareceu muito interessada e disposta em suas conversas com Ariovaldo, mas sem perder o profissionalismo: acabado o dinheiro de seu cliente preferencial pelo dia, voltava logo à labuta, procurando por quem tivesse como comprar seu disputado tempo. Numa dessas conversas terminada abruptamente por falta de fundos, uma das famosas frases ininteligíveis de Stella acabou cortada. Ariovaldo ficou curioso sobre o significado daquilo, e mesmo sabendo que aquilo o deixaria no vermelho pelo resto do mês, pagou por uma extensão.

Stella voltara. Sorridente, prestativa e nua, como de costume. Ariovaldo tentou repetir a frase para ver se conseguia uma explicação. Mas seu sotaque tornava aquela sequência de palavras ainda mais críptica. Percebeu logo que tinha criado ainda mais uma nova expressão para a língua oficial dos dois. Mas, ao invés de rir como sempre fazia nesses desastres de tradução, Stella ficou muda. Ariovaldo indagou se havia dito algo errado, ela continuou pensativa. Sessão terminada para a surpresa dele. Ela ficara offline, inclusive devolvendo dinheiro para sua conta.

O mundo de Ariovaldo caíra. De alguma forma, tinha estragado até aquela relação doentia. Em pânico, tentou escrever um pedido de desculpas genérico em mensagem privada a modelo. Mas não conseguiu terminar, um aviso de mensagem dela surgiu na tela. Stella escrevera um contato na mensagem, pedindo para ser adicionada num famoso programa de conversas instantâneas. Ariovaldo não falava com mais ninguém, portanto, correu para instalá-lo. Naquele universo de modelos pagas para se despir, contatos pessoais eram até desencorajados pela segurança delas. Tinha algo sério ali.

Em pouco tempo, ela aceitou o pedido de acesso. Ariovaldo estava falando com Stella… de graça. Rapidamente, Stella revelou seu nome real: Alina. Poucos segundos depois, um pedido de conversa por vídeo. Ariovaldo, ainda incipiente no programa, aceitou acreditando que tudo aconteceria da mesma forma que sempre aconteceu: ele vendo ela, mas ela não o vendo. Ao ver seu rosto estampado num canto da tela, indicando que finalmente estava se expondo para Stella, ou, Alina, tentou se esconder. Ela protestou, elogiando sua aparência incisivamente. Depois de mais algum tempo de resistência, Ariovaldo finalmente cedeu, voltando em toda sua glória descabelada para o foco da webcam.

Alina demonstrava uma inequívoca fascinação pela imagem de Ariovaldo. Mesmo com as barreiras linguísticas, naquele momento ele se sentia aceito e elogiado de uma forma que jamais experimentou antes. A modelo extremamente profissional havia se convertido numa mulher apaixonada em questão de minutos, fazendo juras de amor e insistindo em um encontro imediato, inclusive se prontificando a pagar do próprio bolso todos os custos. Ele não sabia como reagir. Esquivou-se, desconfiado. Depois de enorme insistência, usando todas as armas que uma mulher atraente pode usar diante dos olhos de um homem, finalmente arrancou dele um endereço. Disse sem deixar dúvidas que estava indo o encontrar, e desligou.

Sem a coragem ou mesmo a chance de dizer que não tinha experiência alguma com mulheres na vida real, Ariovaldo abriu seu arquivo de apostilas e colocou-se a estudar. Alguma coisa ali teria que mitigar os efeitos de encontrar com uma mulher daquelas sem jamais ter beijado uma de verdade. Horas e horas de leitura, madrugada adentro, absorvendo cada informação possível sobre como se agradar uma mulher. Faltava apenas uma, a sobre as palavras que fariam qualquer mulher querer fazer sexo com um homem. Resolveu ler como medida de segurança, se ela o visse ao vivo e perdesse o interesse, talvez tivesse como reverter a situação.

E foi aí que fez uma ligação. Tinha dito algo para Alina segundos antes daquela reação imprevisível. Inexperiente na lida com o sexo oposto, sequer colocou em dúvida que tivesse encontrado uma fórmula mágica, um “Abre-te Sésamo” para pernas. Tomou um banho, fez a barba, colocou a melhor roupa e foi atrás da mulher mais próxima que conhecia: a caixa da padaria da esquina. Muito embora só tivesse trocado saudações e comentários sobre formas de pagamento com ela até ali.

Chegando lá, dirige-se direto para o caixa. Ela o saúda com um sorriso, esperando por um pedido. Ariovaldo limpa a garganta e logo emenda a sequência de palavras que havia dito para a modelo horas antes. A moça parece confusa por alguns segundos, mas logo ele pode perceber que suas bochechas ficam coradas. Ela começa a passar a mão pelo corpo, como se estivesse lutando contra um calor súbito. Sem pestanejar, pergunta se ele morava perto dali. Com a afirmativa dele, sai detrás do balcão do caixa, pega em sua mão e sai apressando o passo de Ariovaldo.

Ele vai apontando o curto caminho, sendo praticamente arrastado pela moça. Ao entrarem na casa, ela o agarra desesperadamente. Enquanto tenta enfiar a língua dentro da garganta do estático Ariovaldo, despe-se o mais rápido que pode. Ele, confuso, não consegue reagir de acordo. Nada funciona como deveria, mesmo com a insistência da ninfomaníaca da ocasião. Ariovaldo pede algum tempo para se recompor, mas não é atendido. Os avanços sexuais dela vão se tornando cada vez mais agressivos. Visivelmente frustrada, ela desconta com violência no corpo de Ariovaldo. Ele tenta fugir, mas tropeça nas próprias calças arriadas.

Estatelado no chão, é montado pela moça. Ela tenta de todas as formas gerar uma reação no corpo de Ariovaldo, sem sucesso. E a cada fracasso, reage de forma mais violenta. Todo arranhado, mordido e vermelho por sucessivos tapas, ele finalmente toma uma atitude e a imobiliza. Isso só parece colocar mais lenha na fogueira, ela demonstra uma força incompatível com alguém de seu tamanho. Depois de uma mordida especialmente funda, o braço de Ariovaldo começa a sangrar. Ele perde a força do abraço pela dor, fazendo-a se soltar.

A moça então começa a olhar fixamente para a ferida recém-causada por seus dentes. Um sorriso perturbador ocupa sua face. Ariovaldo pede, aos berros, para ela se retirar. Não é atendido. Logo ela se joga novamente por cima dele, mas sua boca não procura mais pela dele, e sim pelo seu braço. Sem cerimônias, ela começa a lamber o sangue. Algo que parece trazer imenso prazer, tendo em vista que seus gemidos o fazem lembrar de um dos tantos filmes pornográficos que ocupavam seu tempo livre.

Sem saber como reagir, ele permite aquela situação. Ela parecia muito mais controlada focada em seu sangue. Menos ameaçadora. E ele não a havia escolhido à toa: ela realmente era muito agradável ao olhar, principalmente sem nenhuma peça de roupa a lhe cobrir. Eventualmente, ela se levanta, procurando por algo. Ariovaldo agora estava finalmente entrando no clima, e podia entender que o desespero de sua parceira era resultado do que quer que tivesse a enfeitiçado depois das palavras mágicas. Com ela fora de vista, ele finalmente alcança um estado no qual pudesse se exibir com orgulho para uma mulher. Ele se levanta, procurando por ela.

Escuta barulhos na cozinha, e segue para lá. A mulher está na frente de uma gaveta aberta, olhando fixamente para seus conteúdos. Ariovaldo decide abraçá-la por trás, explicitando pelo contato sua preparação para o ato. Ela aceita o toque, estremecendo com um gemido suave. Ariovaldo então usa a mão para virar o rosto dela em direção ao seu. É quando ela mostra o que tinha nas mãos. Uma faca. Ele sente um movimento rápido e uma imensa dor no abdômen. Ela acabara de enterrar uma faca de cozinha em seu corpo. Antes que consiga gritar, a faca alcança seu pescoço, numa perfuração direta. Antes de desmaiar, consegue vê-la colocando a boca na ferida.

Escuridão.

E luz. Uma luz forte. Os olhos queimam, a cabeça gira. Um rosto masculino o traz de volta à realidade. Um médico, que logo explica que ele passou por um ataque, mas foi socorrido a tempo pelos paramédicos. Conta também que a mulher que o atacou está presa, perguntando se era uma namorada ou amante. Ariovaldo tenta falar, mas a voz não sai. O médico o acalma, dizendo que seria temporário, bastaria responder com sim ou não. Ele diz que não. O doutor então avisa como ele teve sorte dos vizinhos chamarem a polícia, porque ele estava a minutos de ter sangrado até a morte. Logo após, sugere que Ariovaldo descanse e se vai do quarto.

Algumas horas se passam. Enfermeiras entram e saem do quarto, checando o seu estado. Eventualmente Ariovaldo nem se importa mais, mantendo os olhos fechados e pensando no erro que havia cometido. Uma das enfermeiras então começa a mexer numa parte de seu corpo que nenhuma das outras havia tocado até ali. E aquele toque não parecia nada profissional.

Ariovaldo abre os olhos. Alina. Ela sorri, olhando fixamente para seu pescoço…

Para dizer que isso deve ser uma indireta, para dizer que o Ariovaldo mereceu, ou mesmo para dizer que duas mulheres sempre dão merda: somir@desfavor.com


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