Skip to main content
Ignorância familiar.

Ignorância familiar.

| Desfavor | | 29 comentários em Ignorância familiar.

+Após quase cinco horas de discussão, a comissão especial do Estatuto da Família (PL 6583-13) aprovou o projeto, ressalvados 4 destaques, conforme o relatório do deputado Diego Garcia (PHS-PR), que define a família como a união entre um homem e uma mulher. O texto foi aprovado com 17 votos favoráveis e cinco contrários.

Pena que ainda não existe o Estatuto do Deputado, definindo a necessidade de um cérebro para exercer o cargo. Desfavor da semana.

SALLY

Decidiram fazer um “Estatuto da família”, para proteger e zelar pela unidade familiar. Normal, tem Estatuto do Idoso conferindo uma série de direitos, tem Estatuto do Torcedor… Bacana, né? Não fosse um pequeno detalhe: os quadrupedes que mandamos para Brasília decidiram que só é família se for comporta pela fórmula Homem + Mulher.

Uma rápida introdução. Em uma semana onde um juiz que libera traficante com uma vultosa quantia de cocaína também impede Rafael Ilha de trabalhar e ir para a Fazenda, poucas coisas me fariam tirar disso o foco de Desfavor da Semana. Eu cheguei a dizer ao Somir que a menos que um asteroide destrua metade do planeta, esse era o Desfavor da Semana. Parabéns aos envolvidos, que conseguiram me revoltar a ponto de me fazer abrir mão do tema.

De 17 Deputados Federais que votaram, apenas 5 se manifestaram de forma contrária. Não surpreende, já que os bonitos são quase todos evangélicos. O que me surpreende é que no Brasil, país basicamente de putas e viados (no sentido afetuoso, por favor) coloquem esses merdas no poder. Valeu Feliciano! Família é só Homem e Mulher, uma mãe solteira, um casal de gays e tantas outras combinações possíveis não são família! Depois estas mesmas pessoas abrem a boca para dizer que não tem preconceito.

Os poucos que tentaram reverter esse quadro foram sumariamente destratados. Por exemplo, o Deputado Hidekazu Takayama, berrou que homem com homem não gera um bebê e que mulher com mulher não gera um bebê. Curioso, jumento gera bebê, pois evangélicos fazem filho (quando não estão dando o cu para simular virgindade). Takayama, que além de ser processado pelo STF por desvio de dinheiro, é Pastor. Imaginem o quão desesperador deve ser ver essa crentalhada repulsiva decidindo os rumos do país, nossas leis e o conceito de família! Minha solidariedade aos cinco que tentaram argumentar com estes hipócritas.

O relator do projeto, o Deputado Diego Garcia, tentou posar de defensor da moral e dos bons costumes. Parece que ele esquece que comprou sua carteira de habilitação. O curioso é que o Ministério Público o denunciou pelo crime, inclusive com gravações de escutas telefônicas, onde ele negocia a compra da CNH, mas ele simplesmente não foi processado, graças a um esquema de influências e troca de favores. O crime acabou prescrevendo e ele nunca foi punido. Uma pessoa que não teve a capacidade de dirigir UM CARRO vai dirigir nosso país. E aí, pessoal? Vamos fazer as malas? Tá de pé a nossa tão sonhada fuga para o Suriname?

Por mais que ainda seja necessária a tramitação no Senado para aprovação do projeto, por mais que Dilma esteja soltando fogos por causa do factoide que ajudou a criar dando voz para esses 12 bostinhas (não se fala mais da corrupção do PT desde então), ainda assim é um absurdo que esse projeto tenha sido aprovado na Câmara. Mostra a total incapacidade do brasileiro de colocar representantes do povo que prestem para fazer nossas leis. Cada vez mais convicta de ter abandonado direito, não tem como trabalhar com leis criadas por esses merdas. Movidos por convicções toscas ou por propina do PT, é igualmente vergonhoso que alguém diga que família é só Homem + Mulher.

O brasileiro continua manifestando aquele “gap” sobre o qual já falei em outro texto. Tal qual cachorros, parecem não entender a relação causa/efeito do que eles mesmos criam. Pessoas que votaram nesses energúmenos criticam o projeto de forma raivosa e voltam a votar nesses energúmenos, pois na hora do voto pensam em seus interesses pessoais em vez de pensar no real motivo pelo qual eles deveriam (ou não) estar ali: são pessoas capazes de criar leis bacanas para ajuda o país a progredir?

Não consigo nem culpar parte do povo, aqueles mais fodidos, pois quem não tem o básico (nutrição adequada, educação, saúde, dignidade) não vai conseguir pensar mais além, sempre vai pensar na sua sobrevivência primeiro, em função da precariedade em que se encontram. Provavelmente todos nós agiríamos assim se estivéssemos nessa situação. O que me enoja de verdade são pessoas que tem subsídios para pensar e não o fazem por covardia, acomodação, necessidade de certezas ou de freios externos: os evangélicos classe média.

E é aí que reside, em minha opinião, o grande dano da religião à sociedade. No emburrecimento daqueles que poderiam e deveriam pensar. Pessoas que precisam de certezas para viver, pessoas que precisam do conforto de um amigo imaginário, pessoas que precisam de uma linha bem traçada entre o preto e o branco, provavelmente por medo de seu próprio descontrole. Pode ser minha revolta falando, mas eu tendo a acreditar que no Brasil, a maior parte dos evangélicos de classe média são homossexuais enrustidos. Só isso explica o tamanho da preocupação e o incômodo que sentem pela forma como outras pessoas fazem sexo.

Estou afrontada, enojada, revoltada com essas pessoas que tinham subsídios para perceber e escolher melhor mas escolheram não pensar e se esconder atrás de uma religião. Estou revoltada que eles sejam maioria e que coloquem essas excrescências no poder e que nós tenhamos que viver segundo suas regras. Este país definitivamente não deu certo.

É uma questão de tempo até que esses hipócritas asquerosos cheguem à presidência da república. Infelizmente o brasileiro está cada vez mais acovardado e idiotizado, se apegando a religião para sobreviver às suas próprias escolhas de vida cagadas, que lhes geram infelicidade e sofrimento. Assumir a responsabilidade por seus atos e crescer? Não, não. Vamos todos culpar o demônio pelo que der errado e, em vez de arregaçar as mangas e mudar a sua realidade, juntar as mãozinhas e pedir para uma criatura mágica resolver nossa vida sem esforço algum. TÁ SERTO.

Interessados no Projeto-Suriname levantem a mão. Vamos repovoar um novo país com impopulares e recomeçar do zero, aqui não dá mais não.

Para desabafar aqui tudo que não pode falar em redes sociais, para começar a fazer as malas ou ainda para cair em si do câncer que é religião no Brasil e abandonar essa merda: sally@desfavor.com

SOMIR

Eu tendo a ser otimista. O que é meio solitário quando se chega num certo grau de desenvolvimento intelectual: o ignorante certamente é muito otimista, mas quanto mais uma pessoa aprende e desenvolve suas capacidades de pensamento crítico, mais desolador parece o cenário. Ainda mais num país sequestrado por imbecis profissionais como o Brasil. Entendo quem pensa que as coisas vão de mal a pior, principalmente com exemplos como a da notícia escolhida para hoje, mas eu me permito presumir um pouco mais do contexto e extrair um alento dessa história toda: finalmente o adversário está tendo que usar suas cartas para se manter relevante.

Num exemplo nerd que era um clássico de desenhos japoneses, e ainda deve ser: o herói encontrava o inimigo, desferia seus melhores golpes na esperança de derrubá-lo, mas além de não conseguir acertar nenhum, ainda via o inimigo continuar parado na mesma posição, debochando das tentativas do adversário numa espécie de inércia-ostentação. É como se o inimigo dissesse “você é tão insignificante que eu nem preciso me mexer para lidar com seus ataques”. No decorrer da batalha, o herói continuava tentando até finalmente conseguir fazer o vilão se mexer para se defender. Não que a luta fosse fácil depois disso, como em todo bom desenho japonês o herói apanhava horrores, mas… fazer o inimigo mexer um dedo que fosse para se defender era basicamente o ponto onde ele começava a perder a batalha. Era uma concessão alheia ao seu estilo, e significava que quer que conseguisse fazer isso tinha sim poder suficiente para derrotá-lo.

Explico: essa coisa de querer definir o que é uma família tem muito a ver com a crentalhada se sentindo desconfortável com o mundo ficando mais… inteligente. Eles tiveram que se infiltrar no poder constituído para tentar segurar um pouco que fosse os avanços da sociedade moderna. Moralidade religiosa é incompatível com desenvolvimento social. Quando as pessoas começam a aceitar mais abertamente a possibilidade de outras viverem suas vidas de forma plena e honrada sem seguir um conjunto de regras escritas por ignorantes da antiguidade, todo o sistema de valor agregado que financia o estelionato da religião institucionalizada começa a ruir. O “monopólio do bem” é o motivo pelo qual as pessoas pagam para encontrar a salvação… não é bom para os negócios que as ovelhas se sintam muito livres para decidir os rumos das próprias vidas. Vai que elas se sentem bem pensando por conta própria?

É horrível que essa babaquice religiosa esteja infiltrada assim na nossa democracia, mas não deixemos de analisar a situação como um todo: até pouco tempo atrás, o inimigo (da evolução humana) não precisava mexer um dedo sequer para lutar contra quem queria uma sociedade mais justa e igualitária. Não precisava de texto legal para defender a ideia de família baseada num casal heterossexual, era uma ideia generalizada que pouquíssimos tinham coragem de questionar. Mas não é que conseguimos sim ruir as bases dessa certeza indelével até o ponto onde eles tiveram que se organizar para mantê-la viável?

Essa gente não está nem aí para famílias. Padres, bispos e pastores vão dizer para mulheres que sofrem violência doméstica que devem ser mais pacientes e perdoar o homem, vão pressionar mulheres grávidas de filhos indesejados para mantê-los e criá-los da pior forma possível num piscar de olhos, vão até mesmo sugerir tratar filhos como párias sociais se esses se mostrarem homossexuais. Esse papo de amor à família não se sustenta na vida real, é gente muito limitada para entender a complexidade das relações humanas. Só sabem decorar meia dúzia de passagens bíblicas e cuspir isso indiscriminadamente. Está na cara que o truque por trás de uma votação dessas é “ter um argumento”. Uma chancela legal para a tara por controlar a vida pessoal alheia e negar direitos básicos a seres humanos que não partilham de sua visão patética da realidade. Típico da religião “profissional”: arremessar ao fogo aquele que de alguma forma coloca em xeque suas queridas certezas irracionais.

É um desfavor que em pleno ano 2015 uma votação estúpida dessas aconteça, que gente eleita para seguir a Constituição use seu poder para empurrar suas visões religiosas goela abaixo de uma população majoritariamente ignorante. Mas, novamente, é bom saber que eles estão tendo que se mexer. Que já estão usando seu arsenal de truques para evitar o inevitável: a evolução humana. Num mundo de 7 milhões a unidade da família e o foco reprodutivo até faziam sentido, mas num de 7 bilhões, as coisas já mudaram consideravelmente. Cada dia que passa, os evangélicos e afins vão ficar mais e mais irritados e perigosos, porque serão relegados ao posto de mais uma mutação descartada na evolução.

Eu tenho uma teoria: os piores atrasos que a humanidade encarou por causa de religião vieram logo depois de momentos de rápido desenvolvimento intelectual. Se tem uma coisa que gente burra e limitada ODEIA é ver as pessoas ao seu redor as deixando para trás. O Oriente Médio paga até hoje pela raiva de imbecis poderosos desgostosos com a “iluminação” de uma era de avanços na região. É um bom sinal que essa gente atrasada que fez a votação sobre o que configura um família esteja espumando com o prospecto de uma sociedade mais livre, é sinal de que a luta do lado do progresso humano está sim gerando frutos. Os evangélicos que comecem a usar todos seus truques sujos, porque esse trem não vai parar por eles.

Mas, ao mesmo tempo, é temerário quando isso acontece num país com tanta gente ignorante. Eles podem conseguir nos atrasar por muito tempo, ou talvez nos desestabilizar o suficiente para corroer as fundações do sistema democrático e impor suas visões obsoletas na base da força. Num país mais educado, o risco seria negligível, mas aqui nem tanto. Por isso é muito importante ressaltar que apesar de notícias tristes como essa, parece sim que o trabalho de tentar fazer esse país ser um pouco menos atrasado está sim gerando resultados. Não é para parar de fazer, sob o risco de deixarmos os terroristas vencerem no final das contas.

O desfavor é que mesmo sendo otimista, no Brasil sempre tem um porém. E para quem quer saber minha opinião sobre famílias, já escrevi um texto sobre o assunto.

Para dizer que as pessoas estavam otimistas no Titanic, para dizer que quem rouba mais chora menos, ou mesmo para dizer que meu problema é falta de deus no coração (ainda bem!): somir@desfavor.com


Comments (29)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: