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Escolha virtual.

Escolha virtual.

| Desfavor | | 89 comentários em Escolha virtual.

O ser humano sempre teve a necessidade de conexão. O que em outros tempos só poderia ser tratado como a necessidade de se relacionar, hoje também pode ser visto como fazer parte da cada vez mais onipresente internet. Sally e Somir discordam sobre qual é a conexão que mais faria falta. Os impopulares se relacionam com o tema pela internet.

Tema de hoje: Do que você abriria mão para o resto da vida, relacionamentos amorosos ou internet?

SOMIR

Se eu fosse obrigado a escolher OU um OU outro, eu ficaria sem relacionamentos amorosos. Vocês tem todo direito de me chamar de monstro insensível, mas vamos pensar direito nas implicações de ser para o resto da vida. Isso é mais relevante para a pergunta do que parece.

Se alguém me dissesse que para estar com uma pessoa da qual eu gosto muito num relacionamento estável a condição era ficar sem internet, eu com certeza escolheria a pessoa. Porque essa escolha tem o tamanho exato do valor do relacionamento. É um preço concreto por um objetivo concreto. Se o relacionamento acabar, volta a internet. Se o relacionamento durar para o resto da vida, eu abri mão da internet por algo tangível. Compensou.

Agora, quando falamos de um conceito aberto como relacionamentos em geral e internet em geral, é hora de pensar de forma mais fria e calculista. Não tem uma pessoa específica nessa análise para ancorar o valor desse relacionamento, é algo genérico. Pode ser um casamento sólido ou um namorico estressante. Ou pior, um casamento estressante ou um relacionamento curto que você queria ver dando certo mas não deu. Existem muitas variações do que configuraria relacionamento amoroso. Aí é hora de tirar a média.

E é na média que se compara. A internet não é só um lugar onde você pesquisa informações, é uma das bases do mundo atual. E a tendência com o passar dos anos é que ela seja a principal dessas bases. Praticamente todas as atividades que fazemos atualmente de uma forma ou de outra incluem a grande rede. Eu cresci num tempo onde se vivia sim sem ela, mas já adianto para os mais novos que era meio como escrever uma livro com papel e lápis; claro, é possível; claro, tem seu charme; mas, porra, depois que você começa a usar um computador para fazer isso, é muito complicado aceitar uma redução acentuada de facilidades.

Se você achar que ficar sem internet é ter mais dificuldade de saber o ano que um filme saiu, está ignorando o mundo no qual vivemos. Antigamente, você estava fodido se não soubesse chegar num lugar e não tivesse ninguém próximo que soubesse. Tinha que viver num mundo muito isolado onde a sorte de encontrar quem soubesse o que você precisava descobrir tinha papel determinante no seu sucesso. A internet nos conectou. Se isso resultou em uma avalanche de opiniões imbecis em redes sociais, é um preço que se paga por ter uma considerável parta da humanidade pensando em conjunto.

Com um celular na mão, você tem a experiência e conhecimento de bilhões à sua disposição. Ficar sem internet não significa só não ter conexão no seu computador pessoal, significa abrir mão de todas as ferramentas que facilitam imensamente sua vida dentro e fora de casa. Aliás, do jeito que a coisa vai, temos cada vez mais serviços que só estão disponíveis na web. Presume-se que todo mundo consegue acessar, mesmo quem não tem dinheiro para pagar pelo acesso. O mundo está focado em tornar quase tudo o que puder em serviços online. Ficar sem internet de vez é voltar para a idade da pedra em muitos pontos da vida.

Você vai pagar um preço muito caro, pessoal, social e até mesmo profissional se abrir mão da internet. Suas possibilidades cada vez mais reduzidas enquanto o mundo caminha junto em direção à conectividade total. E é pro resto da vida! Se é assim agora, espera mais 20 anos. Você vai virar um indigente sem internet. E eu nem falei ainda de como a indústria a comunicação e do entretenimento convergiu para a rede. A tendência é que os conteúdos que não dependam de internet vão se reduzir sistematicamente nas próximas décadas. Duvido que o conceito de TV desapareça… mas, e se ela só vier pela internet daqui a 10 anos? E se os livros que você quiser ler só saírem num ebook? E se o disco que você quer ouvir não for lançado num lugar factível de fazer uma compra física?

Muita gente é feliz vivendo isolada numa cabana no meio da floresta, mas eu não seria uma delas, não sem internet. Entenda o seguinte: é triste nunca mais ter um namoro na vida, mas tem certeza que é pior do que ser “expulso” do mundo e viver uma vida análoga a um ermitão? Prestem atenção no nerd: eu sei direito o quanto a internet está interligada com a vida cotidiana. Se você parar para pensar como seguiria sua vida sem internet DE VERDADE, não só achando que perderia acesso ao Google, vai ver o tamanho do desafio que vai ser essa vida desconectada.

É impossível que não descasquem pra cima de mim por não escrever mais com o “coração” hoje, mas mesmo assim, tentem entender que eu não estou dizendo que relacionamentos amorosos são tão merda que perdem para ver um vídeo de gato no Youtube, estou dizendo que quando se somam todos os elementos do que significaria se desconectar, você começa a perceber como a web molda nossas vidas. E não precisa ser futurólogo para saber que ficará cada vez pior. A escolha é pra vida. Mais algumas décadas e é capaz de você nem conseguir nem marcar uma consulta no médico sem alguma forma de identificação online.

Então, entre relacionamentos genéricos e provavelmente a base da vida humana moderna… eu acabo pendendo pra internet. Você ainda vai ter sexo disponível, só vai poder pegar sem se apegar, mas algum alento do que estaria perdendo ainda poderia ser alcançado. Teria que se contentar em formar amizades fortes e fazer sexo casual. Não é o ideal, mas se a outra alternativa é lentamente se tornar um mendigo… pensa direito.

Mas, sim, eu disse no começo que se eu tivesse um relacionamento pra vida que exigisse sair da internet, eu aceitaria. Não é contraditório? É sim. Mas aí eu estaria respondendo com o “coração”. A gente faz muita maluquice para estar com a pessoa certa. Seria concreto, mesmo que não muito racional. Agora, essa não é a pergunta: Relacionamentos em geral podem ser os que vão bem, que vão mal, que acabam… pode ser ficar sem achar uma pessoa que interesse mesmo, pode ser se contentar com pouco… tem muita merda que pode acontecer. Se você abriu mão da internet, não quer dizer que vai ter um namoro ou casamento que presta. Pode inclusive ficar sozinho por muito tempo SEM internet. Se você abriu mão dos relacionamentos, a internet continuará sendo estável e cada vez mais rápida e pervasiva.

É questão de pensar friamente. Em geral? Eu escolho a internet. Eu sei que ela vai estar lá nos bons e nos maus momentos.

Para dizer que sente pena de mim, para dizer que me entendeu mas não quer se queimar, ou mesmo para dizer que eu não tenho coração: somir@desfavor.com

SALLY

O que você prefere abrir mão para o resto da sua vida: relacionamento amoroso ou internet?

Eu abro mão da internet, pois relacionamento amoroso é insubstituível. Por mais que seja mais trabalhoso pesquisar em outras fontes, eu sou de uma geração que cresceu boa parte da vida sem internet, eu sei que é possível buscar conhecimento sem ela, apesar de ser mais trabalhoso. Já a cumplicidade e as construções feitas em um relacionamento de verdade, bem, isso a internet nunca vai me dar.

Entre real e virtual, eu sempre vou escolher o real. O virtual é mais bonito, mais arrumado, mais perfeito… mas não me satisfaz. Eu sou fã do mundo real, não tem jeito. E sou fã de relacionamentos. Fico sem eles por um bom tempo, anos até, mas para sempre eu não topo.

Eu poderia ser feliz em um relacionamento, obtendo conhecimento através de livros, filmes, televisão, dvds. Mas não poderia ser feliz com um mundo de conhecimento da internet ao alcance de clique sem ter com quem dividir isso dentro de casa. De nada me serviria esse mar de conhecimento se não tivesse alguém para construir algo com todo esse material.

Relacionamentos acabam? Sim. O que é para sempre é herpes, não amor. Mas são ciclos que se fecham, outros virão. O fato de um relacionamento terminar não é motivo para não querer tê-los. E, enquanto dura, a troca e o aprendizado que temos é insubstituível, que fica para a vida, algo que a internet nunca vai te dar. Eu sou fã da cumplicidade estabelecida em relacionamentos e não abro mão disso por nenhum banco de dados do mundo. Sim, é isso que a internet representa para mim: um banco de dados. Se para você é mais do que isso… reflita.

Relacionamento é inerente ao ser humano, internet é uma criação que os emula muito precariamente. Por ser mais fácil, a internet pode ser mais atraente, mas também é mais vazia e superficial. Viver no mundo virtual é uma escolha medíocre e empobrecedora. Hoje em dia, arrisco até dizer que é um divisor de águas: os medíocres cada vez mais se refugiam no mundo virtual, enquanto algum corajosos continuam encarando a vida real, os relacionamentos reais, sem photoshop, sem armações, sem mentiras.

Pare e pense: o que uma pessoa impossibilitada de ter um relacionamento faz na internet? Qual é o ponto das fotos, das redes sociais, das conversas, da troca de ideias? Amizade? Bom, isso se pode ter ao vivo também. Conhecimento? Bacana, vai ser um poço de conhecimento e ir dormir sozinho todas as noites. Menos, gente, menos. É hora de lembrar e resgatar o que é realmente importante.

A internet se esgota em determinado ponto. Mesmo seu conteúdo sendo praticamente infinito, chega um momento em que ela atende a demanda diária daquela pessoa por informação. E aí? O que se faz no resto do dia? E as demandas pro carinho, por desabafar, por contato físico qualificado, com laços e sentimentos? Bem, acredito que muitas pessoas não sintam isso, que baste colocar uma foto ousada e ficar escutando elogios. Mas estas pessoas medíocres certamente não são vocês.

Internet é uma ótima ferramenta para afago de egos, atende com eficiência aos carentes e inseguros. Mas a aqueles que querem mais, que querem construir algo ao lado de outra pessoa, crescer com outra pessoa, criar laços e partilhar uma vida em comum, a internet não atende. Eu estou tão fora de moda assim? É realmente tão prescindível partilhar sua vida com um parceiro?

Internet é facilitador, relacionamento é necessidade humana. Eu sei que o Somir pensa que ele não precisa disso, que ele pode viver muito bem sem relacionamento e que ele se basta, mas também sei que isso nada mais é do que um mecanismo de defesa que ele criou. Ele pode espernear o quanto ele quiser: não é verdade. Trocar contato humano qualificado por internet, ainda mais para sempre, é uma furada.

O que é mais importante, ser ou parecer ser? Ter ou parecer ter? A internet nos possibilita o parecer (ser, ter, estar). Eu estou cagando para parecer alguma coisa, eu quero é vivenciá-la, e bem longe de câmera de celular. E pau no cu de quem me acha medíocre por colocar relacionamento como condição sinequa non para ser plenamente feliz. Isso não me faz medíocre, me faz humana.

Internet é condição sinequa non para você ser feliz? Terapia. Terapia urgente. O que deveria ser mera ferramenta, mero instrumento facilitador, tomou vida e virou um fim em si mesmo. Se você depende de internet para ser feliz, você está dodói da cabeça e a caminho de perder sua humanidade.

Nem vou falar sobre sexo, pois os babacas de plantão continuarão afirmando que sexo casual, sem sentimento e significado é tão satisfatório quando qualquer outro. Não tenho estômago para ouvir isso. Nada contra sexo casual, mas se colocar em uma posição de ser obrigado, para o resto da vida, a só ter sexo casual deve ser bem frustrante. Os machões de plantão nunca vão admitir, afinal, amar é para os fracos. Só que na vida real, já vi muito machão cair em prantos no meu colo. Eu já vi demais, já vivi demais, esse tipo de discurso não cola comigo. Mas como ainda discutem, me permito não participar.

Colocar uma restrição afetiva tão severa, tão empobrecedora e tão limitante como passar o resto da vida sem um relacionamento amoroso é uma violência contra si mesmo, ainda mais por causa de internet. É um sintoma. É preocupante. Se essa é a sua escolha, bem, reflita.

Viver sem internet eu já consegui muitos anos e sei que nada de terrível acontece. Mas viver sem relacionamento? Não, obrigada.

Para dizer que só escolhe a internet por causa do Desfavor, para vir com um discurso mentiroso sobre não precisar de ninguém ou ainda para dizer que é mais feliz em relacionamentos online: sally@desfavor.com


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