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A droga da inveja.

A droga da inveja.

| Sally | | 90 comentários em A droga da inveja.

Os desejos humanos variam conforme o período histórico. Existiram épocas onde o desejo principal era a riqueza, em outras poder, sexo e tantos outros objetivos. Basta observar para onde o ser humano converge suas energias, suas prioridades. O que deseja o Brasileiro Médio hoje? Os convido a fazer uma reflexão desta deprimente realidade.

Até bem pouco tempo atrás, eu acreditava que o BM desejava fama. A evasão de privacidade, os reality shows, as mentiras e polêmicas voltadas para aparecer, tudo convergia para o desejo pelos 15 minutos de fama. Compreensível, vivendo um boom das redes sociais de vídeos, todo mundo deu vazão a seu desejo de ser uma estrela, de ser filmado e visto, coisa que antes poucos conseguiam. Hoje todo mundo pode estrelar seu programa no YouTube. Poucos se dedicam a blogs escritos, para dar vazão a seu lado escritor, a maioria vai botar a cara em vídeo mesmo.

Mas hoje, já consolidada e explorada a possibilidade de qualquer um aparecer em seu próprio vídeo, acredito que o desejo do BM tenha mudado. Conseguir estrelar seu vídeo não é mais uma novidade, banalizou. Se é banal, comum, não serve mais, natural que surja um desejo novo. Na minha leitura, o grande desejo da atualidade é: ser invejado.

Não basta mais evadir a privacidade, colocar fotos, vídeos, ser visto e ouvido. É preciso também ser invejado. Ostentar algo, qualquer coisa, que faça com que os outros te invejem. Essa é a cachaça do Brasileiro Médio atualmente. Invejem meu corpo, invejem meu carro, invejem minha casa, invejem meu relacionamento, invejem minha cidade, invejem meu almoço. Fotos e vídeos aparecem aos montes com esse claro objetivo: a pessoa quer ser invejada.

Não me perguntem o ganho disso, não consigo mensurar o prazer que gera ser invejado, mas é gritante que esse é o objetivo. Inclusive é alardeado: mandam beijinho no ombro para “as inimigas” invejosas, justificam qualquer crítica com inveja e emulam uma vida, uma aparência e uma rotina falsa com o intuito de simular aquilo que acham invejável. O grande objetivo do momento do Brasileiro Médio é ser invejado.

Ele pode ser pobre, pode estar em um relacionamento fodido, pode ter um emprego de merda onde ganha mal e é tratado como cachorro, pode ser o que for, que se conseguir camuflar isso e jogar para o mundo que está em uma situação boa, fica na merda mesmo assim, feliz da vida. Buscar a inveja alheia casou perfeitamente com essa cultura onde o importante não é ser, é parecer ser. Antes se parecia ser para ostentar, para se afirmar. Hoje, além disso, se busca a inveja, despertar um sentimento ruim em terceiros. Bacana o rumo que o Brasil está tomando, cada vez melhor, hein?

Claro que não é aceitável dizer “quero que todos me invejem, isso me dá prazer”. Então, as pessoas camuflam sua ostentação visando a inveja, revestindo-a de um manto de aceitabilidade. Fazem tutorial de maquiagem a pretexto de ensinar como usar um produto, quando na verdade passam 20 minutos falando da própria vida, do produto, da sua beleza enquanto dão umas pinceladas genéricas. Sempre há uma desculpa socialmente aceitável para praticar atos que na verdade são voltados a provocar a inveja.

E a reação destas pessoas quando finalmente são invejadas chega a ser infantil de tão descarada: elas ficam muito felizes. Posam de divas, sendo homens ou mulheres e espalham aos quatro cantos, orgulhosos, o quanto estão sendo invejados. É feio, é constrangedor, é infantilóide, mas acontece. Comece a observar. Quer deixar alguém feliz? Faça a pessoa perceber que você a inveja e que essa inveja é pública.

Imagino que após um longo período de troca de likes, curtidas, retuítes e o que mais exista, os elogios não bastam mais. Tal qual drogados, que sempre precisam aumentar a dose para ter uma sensação prazerosa, os Brasileiros Médios finalmente cansaram dos elogios falsos de rede social. Agora, além de serem elogiados, eles querem ser invejados também e estão trabalhando muito duro para isso, diariamente.

Daí eu me perguntei por qual motivo alguém quer chamar para si uma reação tão feia como a inveja. As mesmas pessoas que muitas vezes dizem “temer” a inveja, tomar banho de sal grosso, fazer orações contra ela, se colocam em uma situação de atraí-la?

Não estou certa sobre a resposta, mas acredito que o ganho secundário seja o atestado de que finalmente estão despertando um sentimento verdadeiro. Depois de anos de elogios falsos, trocados em forma de escambo nas redes sociais, as pessoas querem algo verdadeiro. E como não vem espontaneamente, se provoca, atiçando o que o ser humano tem de mais vulnerável e fácil de sentir: inveja.

Alguém, em algum momento, percebeu que é fácil despertar inveja nos outros e que ela é uma forma reversa de elogio: se a pessoa quer ser como eu, sinal de que é bom ser o que eu sou, ter o que eu tenho, estar onde eu estou. Começou então uma cultura de ostentar não apenas felicidade, mas corpo, bens materiais, festas e tudo aquilo que é socialmente cobiçado e, portanto, passível de inveja.

Daí vemos cenas ridículas como pessoas que se arrumam para uma festa da cintura para cima (da cintura para baixo estão de pijama) e tiram fotos com a hashtag “partiu __________” (complete com um lugar invejável). Gente que, pasmem, leva pau de selfie para a piscina do seu prédio e tira foto do seu momento de descanso, que será devidamente publicada quando todos estiverem trabalhando, para invejarem a vida bacana que aquela pessoa leva. Gente que perde a noção do ridículo diante da necessidade de se afirmar e ser bem sucedido nessa nova dinâmica: despertar inveja.

Talvez muito o façam sem perceber o ganho secundário que existe em ser invejado. Talvez muitos o façam sem nem ao menos se dar conta que querem despertar a inveja. A cabeça do Brasileiro Médio é muito limitada, provavelmente não tem esse alcance todo. Apenas fazem, sentem uma sensação de bem estar enorme em seus egos, e por isso repetem o mesmo gênero de atitude várias e várias vezes, sem nem ao menos parar para pensar no que estão fazendo.

A inveja está virando moeda de valorização pessoal. Quanto mais invejado você for, mais valor você tem. Ainda é a mesma armadilha de sempre: depender do olhar alheio para saber seu valor, deixar que fatores externos (um namorado, seu salário, seu corpo ou a inveja) determinem o quanto você vale. Deve ser mais fácil isso do que se aprimorar como ser humano e buscar agregar valor pelos seus atos, pela relevância do que você dá ao mundo, pela sua evolução pessoal e pelo conhecimento adquirido.

Não, não. Muito difícil. Mais fácil tirar uma foto do seu corpo, de um bem seu, de uma comida ou de qualquer outra coisa que desperte desejo de quem vê. Pronto, ganhou mais uma dose da sua droga mental, se sentiu bem. Mas em breve o efeito passa e a pessoa precisa de outra dose. Como ninguém vivencia dezenas de coisas invejáveis em seu dia, elas são deliberadamente inventadas, para que a pessoa consiga mais uma dose da sua droga mental. E nessa muitos perdem a noção do ridículo. Sinto pena.

No final do dia estas pessoas não são felizes. Tal qual drogados, tem picos de felicidade e prazer no momento em que usam a droga, em que ostentam, em que se sentem invejados, mas depois, no saldo geral, são pessoas vazias, infelizes e perdidas. Já vi de perto. O vazio aumenta com o tempo, pois a pessoa não se aprimora, não constrói nada. E com o aumento desse vazio, aumenta a necessidade de se afirmar, de obter esse prazer instantâneo, essa droga mental: ser invejado.

Forma-se um círculo vicioso sem fim que termina por levar a pessoa ao ridículo, à depressão ou a viver uma vida de mentira online, afinal, a internet é o único lugar onde você pode emular trocentas situações invejáveis por dia. A pessoa acaba focando sua vida ali, deixando a vida real em segundo plano e perdendo cada vez mais tempo da sua vida criando falsas situações invejáveis para ostentar.

Pobres Brasileiros Médios, sempre serão escravos de modismos na eterna busca pela sua valorização pessoal, que nunca será alcançada, salvo em picos de prazer temporários, pois são e sempre serão vira-latas complexados, ofendidos e inseguros.

Não sei se minha teoria faz sentido para vocês, como sempre, discutamos nos comentários. Certeza que essa teoria pode ser aprimorada.

Para dizer que na verdade eu te invejo, para acrescer algo útil à minha teoria ou apenas para contar o ridículo alcançado por algum infeliz na intenção de ser invejado: sally@desfavor.com


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