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Tentando além.

Tentando além.

| Desfavor | | 13 comentários em Tentando além.

Por mais que tenhamos avançado muito na área, a medicina ainda encontra duros limites sobre o que pode fazer. Quando se pensa num caso onde seus esforços não parecem mais frutíferos, Sally e Somir discordam sobre as alternativas. Os impopulares fazem suas opiniões sobreviverem.

Tema de hoje: Quando a ciência falha e não há mais nada a perder, vale a pena buscar a cura no paranormal ou sobrenatural?

SOMIR

Mantenho a consistência antes ou depois da ciência ficar sem respostas: não. Não foi o sobrenatural que resolveu nenhum dos problemas de saúde recorrentes na humanidade, não faz sentido acreditar que ele tenha função prática. Algumas curas ainda não existem, gostemos ou não. Temos que saber lidar com a decepção e o desengano, não porque é agradável, mas porque é um fato da vida.

Muita gente acredita que conhecimento útil e aplicável para a humanidade possa ser simplesmente intuído por alguém excepcional, seja em inteligência ou mesmo em fé. A noção romântica do cientista gritando “Eureka!” ou mesmo do sábio mestre que conhece os atalhos para uma espécie de sabedoria cósmica… eu sei que isso é agradável de se pensar, mas é uma ideia errônea. Quanto mais cedo você se livrar dela, melhor.

As doenças que mataram nossos antepassados não foram curadas por ideias que surgiram num estalo, muito pelo contrário: só desenvolveu esse tipo de conhecimento quem estudou a fundo o assunto, quem utilizou métodos científicos (mesmo que rudimentares) e quem trabalhou com a noção que esse universo segue padrões. Até por isso é justamente a era da popularização da ciência que responde por… 99% da nossa qualidade de vida atual. Conhecimento utilizável e reprodutível!

Pesa muito contra o “sobrenatural” o fato de não ter nenhum método eficiente de curar doenças mesmo com milhares e milhares de anos de popularidade entre as pessoas. Quando a fé cura uma pessoa, é um milagre! Quando a medicina faz, é só mais um dia. Isso diz muito sobre o que realmente está acontecendo: o sobrenatural é análogo a não fazer nada e torcer para ter sorte. A ciência, por sua vez, cria soluções práticas que podem ser repetidas de forma consistente.

Se a ciência ainda não é capaz de te curar, só resta a sorte. O corpo humano tem uma grande capacidade de se regenerar e combater corpos estranhos, mas ele tem limites práticos. Um milagre pode curar um câncer, que é algo que com uma sorte astronômica também pode ser curado pelo próprio corpo. Um milagre NUNCA vai fazer nascer uma perna de volta, porque isso o corpo humano não é capaz de fazer sozinho.

Se cura sobrenatural fosse algo real, não seria mais sobrenatural. É uma questão lógica muito simples, me espanta que tanta gente deixe isso passar batido: o sobrenatural não lida com ciência de ponta, ele é normalmente baseado em estudos capengas feitos por amadores ou em obras de ficção religiosas. Se houvesse algum conteúdo nessa baboseira toda, já seria de conhecimento público. Acham o quê? Que a “indústria dos remédios” está escondendo os poderes dos cristais por medo de perder seu negócio? Não funciona. É a mesma coisa que não fazer nada, estatisticamente.

Só é sobrenatural o que não guarda relação com o mundo real. Buscar a cura no sobrenatural é que nem buscar a cura num livro de ficção. É muita dificuldade de compreensão da realidade achar que alguém tem uma solução para um problema de saúde sério e que isso não é conhecido de forma absolutamente pública! Curas são provavelmente a moeda mais valiosa do conhecimento humano. E não estou falando só de dinheiro, de satisfação pessoal também: essas coisas não ficam escondidas. Não tem como.

Se a cura ou o tratamento existem DE VERDADE em qualquer canto do mundo, deixa de ser sobrenatural ou paranormal. Vacina nunca foi sobrenatural. Não é óbvio que só está nesse campo de mágica porque não venceu o teste da realidade? E é aí que eu monto meu argumento além de desacreditar curas mágicas: há um risco em ignorar o funcionamento da mundo, mesmo se você esteja numa situação de desespero.

Quando chegamos na situação limite na qual se baseia a coluna de hoje, quando a ciência simplesmente não tem mais nada para te oferecer, talvez seja a hora de lidar com isso. Ao invés de passar o pouco tempo que resta – seja da sua vida ou de alguém que você gosta – numa corrida em vão, não é melhor tentar fazer o máximo que puder com o tempo que resta? Esperança por ilusão pode atrasar ou até evitar todo o processo de lidar com o fim da vida. Se o filme está acabando, é melhor ter uma conclusão.

Vejam bem, não é um argumento derrotista, é realista. O que não pode ser tratado pela ciência vai depender de sorte mesmo. Por mais que eu deteste isso, tem horas que você tem que admitir que perdeu o controle da situação e deixá-la desenrolar. O “milagre” não é baseado em mérito, ele vem pra qualquer um por ser baseado em probabilidade pura. Não precisa correr atrás de charlatões e iludidos para ter sua chance, basta ter um corpo humano que eventualmente se cura de coisas inacreditáveis. Se sair o seu número, ótimo. Se não sair, bom, pelo menos você gerou alguma conclusão para essa vida que se vai.

A cura fora da ciência é mais rara que dentro dela, o que significa que ela pode existir fora, mas não criemos um falso positivo: existem explicações bem melhores para os milagres do que intervenção mágica ou regras desconhecidas do funcionamento do universo. Temos muita história na humanidade para perceber que o sobrenatural e o paranormal são um fracasso em tudo o que se propõem na vida real. Tanto que, não são ciência.

Pode parecer que buscar essas alternativas é fazer alguma coisa, mas não, não é. É perder tempo, e pior: perder tempo com quem não tem mais tempo a perder. Leva o doente para uma viagem bacana mas não enfia ele na mesma sala que gente que prefere inventar suas próprias regras de funcionamento da realidade. Não é assim que funciona, infelizmente.

Para dizer que não há poder maior do que o poder da auto-ilusão, para contar diversos casos que não provam nada, ou mesmo para dizer que finalmente entendeu que a ciência é TUDO o que temos: somir@desfavor.com

SALLY

Quando a ciência já não oferece respostas ou soluções, é válido apelar para a paranormalidade, caso não se tenha nada a perder, em questões de saúde?

Sim. Quando tudo que existe em matéria de ciência foi esgotado, acho válido tentar aquilo que não compreendemos. Eu tendo a pensar que, no geral, é embuste, mas seria bastante arrogante da minha parte pensar que todas as pessoas do mundo que alegam alguma habilidade desconhecida pela ciência estejam mentindo. Essa certeza eu não tenho, então, pagaria para ver.

Atentem para o fato que a proposta de tema de hoje tem a importante ressalva “caso não se tenha nada a perder”. Ninguém aqui é maluco de arcar com um risco, tipo permitir uma cirurgia mediúnica com um garfo enferrujado. Estamos falando daquelas situações onde, se não funcionar, não agrava a situação. Já dizia o grande sábio Romário, só perde quem bate.

É da minha natureza tentar sempre o máximo possível. Exaurir todas as tentativas, todas as possibilidades, para assim poder colocar a cabeça no travesseiro tranquila sabendo que o que eu podia fazer, fiz. A dúvida sim é nociva. A eterna pergunta se poderia ter feito mais, essa faz mal, muito mal. Felizmente essa pergunta eu deixo para os outros, minha desistência sempre veio acompanhada de uma plena consciência de que fiz tudo (às vezes até mais) do que podia. É meu passaporte para a paz de espirito.

É fundamental saber que aquilo que você acredita e aquilo que é real são coisas diferentes. Não somos oniscientes, nos enganamos o tempo todo. Acreditamos em coisas que não existem ou desacreditamos de coisas que existem. Logo, devemos ter a grandeza de perceber que o fato de não acreditarmos em algo não quer dizer, necessariamente, que isso não exista. Quer dizer que nós escolhemos acreditar que não existe, por uma série de evidências que coletamos ao longo da vida e convergem para esse sentido. Mas nossa visão é contaminada, ela não necessariamente traduz a verdade.

Pois bem, para me fazer desistir de algo tão grave (questões de saúde são graves), o meu mero achar é pouco. Como eu disse, eu só desisto quando tenho certeza que tudo que PODE funcionar foi tentado. Não tudo que vai funcionar, tudo que PODE funcionar, pois uma chance já me basta para tentar. Perde-se tempo? Talvez, mas é um risco que me parece valer a pena. Eu troco um pouquinho de tempo da minha vida por uma cura inesperada.

E, não se enganem, isso não significa necessariamente se iludir. Quando se TENTA (esse é o verbo: tentar) alguma coisa, sabe-se ser uma tentativa, que pode ou não dar certo. Não é uma certeza de solução, é apenas uma tentativa para eliminar todas as chances que existem e ter paz de espírito para entregar os pontos sabendo que tudo que podia ser tentado o foi.

Certamente todos aqui já presenciaram coisas ao longo da vida que não sabem explicar. A explicação existe, certamente, mas nós (ou até mesmo a ciência) ainda não a conhece. O fato de não conhece-la não quer dizer que sejam fantasmas, Deus, espíritos, macumba ou o diabo. Quer dizer apenas que a explicação é desconhecida. Portanto, este texto não defende a existência de nada “mágico” ou divino, defende a possível existência de algo que, por ainda não compreender, não controlamos. Assim como um raio que incendeia uma árvore já foi considerado um ato de Deus, muitas coisas que acontecem com uma perfeita explicação científica ainda desconhecida o são até hoje.

Se desconhecemos a explicação, não controlamos seu funcionamento. Se não controlamos seu funcionamento, só pode ser experimentado por tentativa e erro. Pode gerar erro para uns e sucesso para outros. Como saber? Tentando. Tentar não é sinônimo de acreditar, de endossar, de divulgar ou de se enganar, tentar é apenas sinônimo de tentar. O resto está na cabeça de cada um de vocês.

Existem pessoas que lidarão com essa tentativa de uma forma nociva? Sim. Falsas certezas, esperanças com efeitos devastadores se não forem confirmadas, ilusões. Mas também é possível lidar de forma saudável com essa mesma tentativa, tratando-a como o que ela é: uma tentativa.

Gente que joga a toalha sem se superar, sem ir além de onde acha que pode, sem tentar tudo, tende a se arrepender e perder coisas importantes na vida. Ir até onde todo mundo vai me parece medíocre, eu vou além. Eu quero ser a pessoa que vai além. Eu gosto de ser a pessoa que vai além.

Nada menos matemático do que questões de saúde. A própria comunidade médica admite que casos inexplicáveis acontecem com uma certa frequência. Pessoas totalmente desacreditadas que acordam do coma anos depois e relatam que estavam lúcidas, vendo e ouvindo tudo que se passava, enquanto os médicos atestavam que eram meros vegetais. Casos como o de Martin Pistorius, que foi diagnosticado com morte cerebral e submetido à tortura de ser deixado em um quarto ouvindo Barney, o Dinossauro por pensarem se tratar de um vegetal. Bem, 12 anos depois ele acordou, do nada, e disse o quanto odiava Barney.

Só aceito “não” como resposta depois que EU tentei tudo que EU quero. Não é a ciência que vai me dizer onde está esse limite, principalmente uma ciência que já se mostrou falha (inclusive comigo). Não é a religião. Não são as outras pessoas. Não é nada nem ninguém que não seja EU. E eu tento tudo que estiver à disposição, conhecido ou desconhecido, explicado ou inexplicado. Uma coisa eu não vou passar nessa vida: aquela angústia de saber que se tivesse tentado mais poderia ter conseguido.

Para dizer que prefere morrer do que viver ouvindo Barney, para pedir um texto só sobre gente desacreditada que voltou ou ainda para tentar me vender alguma cura milagrosa: sally@desfavor.com


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