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Pré-invenções.

Pré-invenções.

| Desfavor | | 21 comentários em Pré-invenções.

Nessa semana comemoramos o Dia do Nerd. Teremos uma programação especial, e hoje já introduzimos o tema das invenções. Citar cultura pop qualquer um faz, mas para nós a verdadeira nerdice – aquela que merece ser celebrada – tem tudo a ver com ciência! Fomos buscar duas das primeiras grandes invenções do homem para criar a discussão de hoje. Os impopulares saem das cavernas para dar sua opinião.

Tema de hoje: Qual a invenção mais importante, fogo ou roda?

SOMIR

Roda. E olha que eu reconheço a importância incrível do fogo e aposto que não faltarão argumentos para a Sally hoje. Mas mesmo assim, tem algo de especial no conceito de uma invenção focada em evolução ao invés de mera sobrevivência. Inventar a roda é uma boa forma de traçar uma linha divisória entre a humanidade e os outros seres vivos desse mundo.

Tecnicamente, fogo não é uma invenção. Colocá-lo sob controle e tirar dele tudo o que tiramos com certeza nos permitiu avanços incríveis, mas era algo que já estava lá fazendo mais ou menos as mesmas coisas desde que… bom, desde que as leis da física começaram a valer. Evidente que eu não vou ser babaca de basear minha argumentação numa tecnicalidade dessas, soaria até falacioso. Só menciono a ideia para reforçar o que me faz considerar a roda uma invenção superior: ao invés de usar a criatividade para adaptar o que já existia aos seus interesses, o ser humano desenvolveu uma ferramenta que não tinha paralelos claros na natureza para tornar possíveis sonhos megalomaníacos.

Eu considero o fogo a esperteza de reagir ao ambiente e a roda a inteligência de alterá-lo. Precisamos de ambas para evoluir, mas não adianta, eu sempre vou ter uma queda pela inteligência. A roda não responde a nenhuma demanda imediata que não possa ser resolvida de outra forma, mas quando o faz, muda a escala de possibilidades disponíveis para a humanidade. Construções, viagens e muito mais se tornaram finalmente viáveis para nossos antepassados.

A invenção da roda é mais do que a invenção de uma ferramenta, é o domínio de uma nova forma geométrica com características únicas. A inteligência necessária para ir além do óbvio sem ter exemplos naturais óbvios para comparação é impressionante! O grau de abstração necessário para enxergar a roda e suas potencialidades tem tudo a ver com o que nos fez subir para o topo da cadeia alimentar e ficar por lá. É enxergar o mundo não só como ele é, mas como pode ser.

A roda permitiu o pleno desenvolvimento do transporte de bens de um canto a outro, uniu povos e disseminou culturas. Sem rodas você está preso a quanto pessoas ou animais de carga conseguem carregar no lombo. E tudo bem, a humanidade penou para somar dois mais dois e realmente fazer uso das vantagens da roda no transporte, mas o conceito básico estava lá o tempo todo. Mas a roda é bem mais do que isso…

A roda tem a característica da transferência de força do centro para a borda. Isso funciona aplicando força na borda para amplificar a que chega ao eixo, e vice-versa. Isso torna possível muita coisa, desde fazer cerâmica até mesmo fazer seu computador ou celular funcionarem! Não podemos esquecer que o conceito da roda foi se desenvolvendo em diversas direções, como a base de engrenagens e motores que permitiram o início da era moderna.

A roda serve para carregar algo pesado, para moer grãos, para gerar eletricidade, para fazer um relógio de pulso funcionar… é por isso que eu falo do domínio de uma nova forma geométrica e tudo o que ela nos proporcionou. A roda não é uma obviedade natural, tanto que nenhum animal chegou perto de fazer uso delas antes do ser humano. Pode-se argumentar que o fogo também não, mas não tem nada de assustador e mortal em algo redondo. Para usar a roda, tem que entender a roda. E isso que faz toda a diferença.

Até mesmo o processo de eliminação tão comum no desenvolvimento de uma nova habilidade ou tecnologia humanas é mais abstrato com a roda do que com o fogo. Não dá pra simplesmente testar reações químicas aleatoriamente e analisar os resultados, precisa de criatividade para saber o que vai fazer com a roda, pra começo de conversa. Tem que enxergar ela facilitando o transporte de grandes pesos antes mesmo de construir uma carroça.

O fogo recompensou a coragem/burrice da humanidade de mexer com algo perigoso, a roda recompensou engenhosidade e imaginação. E todo tipo de reforço positivo nessa área é útil para uma espécie tão ambiciosa como a humana: não haveria compreensão da física e das leis regentes desse universo se não fosse o incentivo gerado por essa ferramenta cheia de potencial. Ao redor dela (ha) que fomos construindo nossa percepção de controle do ambiente e exploração de algo maior que outros seres vivos: a exploração do funcionamento básico da realidade.

Economizar trabalho, aumentar a escala dos planos, permitir maior especialização… a roda é a base da tecnologia moderna. Ferramentas muitos animais sabem usar, mas uma ferramenta com aplicações tão dependentes de uma percepção abstrata assim só iria funcionar mesmo com um animal tão especializado no uso do cérebro quanto o ser humano. Eu argumento que é a tecnologia que nos torna humanos. O resto só faz de nós mamíferos.

A roda é a maior invenção pelas suas aplicações práticas em transporte e mecânica em geral, e também é pelo incentivo que sua mera existência dá ao cérebro humano para transformar imaginação em realidade. Dominar fogo, plantas e animais nos permitiu muitas coisas básicas para nossa existência, mas quem disse que é no básico que realmente brilhamos?

Somos mais do que o básico, por isso somos humanos.

Para dizer que eu rodei em falso, para me parabenizar por não fazer piadas com “colocar na roda”, ou mesmo para dizer que meu texto foi bom mas o da Sally vai ser fogo: somir@desfavor.com

SALLY

Esta semana acontece um dos feriados mais importantes da República Impopular do Desfavor: o Dia do Nerd. Para comemorar, resolvemos fazer não apenas uma semana temática, como também mostrar uma prévia de um projeto que começa a ganhar forma. Sim, pegamos a coluna menos popular e resolvemos transformar em livro. Publicar Siago Tomir ou Sally Surtada é para os fracos.

Sabe aquelas semana temáticas retratando trechos da história mundial sob uma nova ótica? Isso mesmo, aquelas que quase ninguém comenta por não entender metade das referências ou por desinteresse mesmo. Já temos várias aqui: descoberta do Brasil, Holocausto e outros fatos históricos narrados do nosso ponto de vista. Pois bem, elas vão ganhar mais detalhes, mais sofisticação e virar um livro. Projeto pouco ambicioso: contar a “verdadeira” história da humanidade. Alguém vai comprar? Ninguém vai comprar. A gente se importa? Não. A gente não se importa. Vamos fazer, pelo prazer de fazer. Comemorem, filho a gente não faz nem fodendo e árvore a gente se recusa a plantar. Só saí livro mesmo.

Como abertura do projeto, nada melhor do que começar pelo começo. Esta semana falaremos sobre a Pré-História e seus fatos marcantes. Não é a versão do livro, é apenas uma amostra grátis, nem mais simples e curta. Mas de graça até injeção na testa, né?

Enquanto debatíamos sobre os eventos mais importantes, surgiu uma polêmica: o que foi mais relevante para a humanidade, a descoberta do fogo ou da roda? Resolvemos fazer um Ele Disse, Ela disse, no clima.

A descoberta do fogo foi muito, mas MUITO mais importante do que a da roda.

Antes de dominar o fogo, nossos ancestrais eram escravos da natureza: tinham que dormir quando o sol se punha, tinham que caçar todos os dias, tinham que se esconder de predadores. Eram basicamente macacos tunados. Só tinham acesso ao fogo quando caía um raio em uma árvore, o que era considerado um evento totalmente aleatório. Morriam de frio, de fome e devorados por carnívoros maiores.

Um belo dia alguém descobriu que dava para fazer aquilo quando tivesse vontade. Com isso, ganharam não apenas o calor do fogo, que os protegia contra o frio, como uma série de benefícios que foram cruciais para que o cérebro se desenvolva como o conhecemos hoje.

Para começo de conversa, nasce a possibilidade de cozinhar alimentos. Isso permite não apenas conservar carnes por mais tempo. Acabou a obrigação de caçar todo dia, deixando tempo livre para desenvolver outras habilidades e também passaram a comer novos alimentos, que crus eram duros ou desagradáveis ao paladar, permitindo maior desenvolvimento cerebral em função da maior variedade de nutrientes. Fora ofato de que o fogo matava muitos micro-organismos perigosos nos alimentos, reduzindo possíveis danos que eles causariam à saúde.

Caçar também fica mais fácil, pois todos os animais (exceto Alicate, O Piromaníaco) tem medo de fogo. Isso não apenas resguardou a segurança na hora da caçada como também deu mobilidade, permitindo caminhadas noturnas e a exploração de lugares antes considerados perigosos. Expandiu os horizontes territoriais. Fogo era ao mesmo tempo iluminação, aquecimento e segurança.

Em sua função óbvia, como diria Ara Ketu, “o fogo é fogo, e esquenta” (ok, desculpa). O fogo viabilizou a sobrevivência em temperaturas mais frias, proporcionou sobrevivência em situações onde talvez muitos ou todos tivessem morrido. Deixaram de ser escravos do clima e das intempéries.

Agora vem a parte que exige um pouco mais de vocês: os desdobramentos de todos esses benefícios. O “pulo do gato” onde você vai entender os motivos do fogo ter sido muito mais importante do que a roda.

Ao comer mais (mais variedades de alimentos digeríveis = mais disponibilidade de comida) e ter mais tempo de sobra (comida conservada por mais tempo + mais disponibilidade de comida = mais tempo livre), novas atividades começaram a ser cultivadas. Atividades essas essenciais para o desenvolvimento humano.

Começaram a dormir mais. De barriga cheia, com comida quentinha, e com uma bela fogueira na porta da caverna que espantava os predadores, nossos ancestrais, pela primeira vez na vida, tiveram o direito a um sono tranquilo e longo. Isso foi essencial para desenvolver a memória e o aprendizado, já que é durante o sono que fixamos o conhecimento no cérebro.

Graças a esse sono em quantidade e em qualidade, o cérebro se desenvolveu e ficou mais inteligente, portanto, capaz de pensar e criar coisas como a roda. Passaram a guardar melhor registos de seus dias: o que era bom, o que era ruim, o que dava certo, o que dava errado, o que era perigoso, o que era seguro. Isso foi crucial para melhorar suas habilidades e percepção do mundo. Isso, meus queridos, se chama inteligência.

O tempo livre e a proteção de predadores também foi responsável pelo embrião da socialização. Neguinho se amontoava em torno da fogueira e ficavam lá, olhando para a cara uns dos outros, até que um dia alguém resolveu que estava chato e começaram a interagir. Com o tempo, a fogueira foi virando point e as relações sociais ficaram mais complexas. Graças a esse tempo livre surgiu a fala, os relacionamentos e a troca de experiências, fundamental em tempos sem escrita e sem internet, para passar conhecimento adiante.

O fogo permitiu criar novos objetos. Rapidamente perceberam que lama no fogo ficava dura e aprenderam a moldar objetos. Ao que tudo indica, os primeiros foram cumbucas. Parece pouco, mas serviu para um propósito importantíssimo na época: guardar água. Com disponibilidade de comida e água sobrou mais tempo livre e, com o organismo cheio de nutrientes e bem descansado, sobrou capacidade cerebral. Pronto, a falta do que fazer os impulsionou a criar coisas.

Daí foi um pulo para aprender a derreter metais, criar ferramentas, criar armas para caçar, criar uma infinidade de coisas que pudessem facilitar suas vidas, inclusive a roda. Não sou maluca de dizer que a descoberta da roda não foi importante, só estou dizendo que para aprender a correr é preciso aprender a andar antes. Sem o fogo NADA seria como é hoje, nem mesmo nossos cérebros. Um cérebro mal nutrido e com pouco descanso não teria conseguido. Reflitam.

Para passar a semana no KibeLoco, para demonstrar sua alegria nerd pelo projeto ou ainda para me desejar boa sorte trabalhando com prazos e com o Somir ao mesmo tempo: sally@desfavor.com


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