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Policicídio.

Policicídio.

| Desfavor | | 17 comentários em Policicídio.

+A presidenta Dilma Rousseff sancionou nesta terça-feira (7), sem vetos, a lei que torna crime hediondo o assassinato de policiais civis, militares, rodoviários e federais, além de integrantes das Forças Armadas, da Força Nacional de Segurança Pública e do sistema prisional, seja no exercício da função ou em decorrência do cargo ocupado.

Hedionda mesmo é a mentalidade do brasileiro nesse tema. Desfavor da semana.

SALLY

Hoje em dia uma pessoa pode escolher todo tipo de profissão, função ou ofício. Não é como antigamente, onde havia meia dúzia de profissões respeitadas e o resto era desprezado. Uma pessoa sem diploma pode fazer uma fortuna. Uma pessoa pode mudar de profissão no meio da vida. Existem aqueles que optem por integrar a polícia, uma polícia que não apenas o Brasil, mas o mundo, a ONU, e a Comissão de Direitos Humanos sabem ser corrupta e torturadora.

Ciente disso, a pessoa opta por entrar nessa instituição mesmo assim. Recebe uma arma com potencial letal. Recebe treinamento para disparar essa arma da forma mais eficiente e mortal. Recebe colete para se proteger de ataques. Recebe todo um aparelhamento (talvez não dos melhores, mas é inegável que ele existe) para matar gente. Quer dizer, a pessoa está nessa função por escolha e é aparelhada para isso. Entretanto, o atual Governo achou por bem mudar a lei e classificar a morte de policiais como crime hediondo.

Vejam bem, não estou aqui dizendo que vida de policial vale pouco e eles tem que morrer. Muito pelo contrário, estou dizendo que a vida de todo mundo vale muito e não me parece justo que um sujeito todo paramentado, que escolheu estar naquela situação, tenha a morte mais penalizada do que um pobre trabalhador pai de família sem qualquer arma ou treinamento, que recebe um tiro vindo de um policial irresponsável como dano colateral. Qual é a lógica? Em matéria de valores, a morte de todo inocente deveria ser crime hediondo.

Na cabeça desse Governo maldito que detona o país, a lógica é a seguinte: criminalizando e punindo com mais rigor, eles acham que reduzirão a incidência de um crime. Pausa para rir. Já gargalharam? Vamos a alguns dados: após a Lei Maria da Penha a violência contra a mulher aumentou. Após o aumento da pena de tráfico, o tráfico aumentou. O Legislativo, composto por essas pessoas sem preparo que vocês já conhecem, insiste nessa tática babaca por ignorar o básico de direito. Qualquer estudante de direito te dirá que o que coíbe a prática de um crime não é a severidade da pena e sim as chances que o criminoso acredita ter de ser pego.

E a sociedade embarca junto, por total desconhecimento também. Ensinar noções básicas de direito nas escolas nem pensar, vamos ensinar religião. Spoiler: orar não está adiantando muito, caso vocês não tenham percebido. As pessoas acham, elas realmente acham, que a solução para tudo é criminalizar. Tem que ser crime maltratar animal, tem que ser crime matar policial, tem que ser crime peidar no elevador. Spoiler II: pena de cadeia, no Brasil, é muito menos eficiente do que uma bela multa bem aplicada. Mas não, as pessoas querem revanchismo, querem o mal do outro.

Policiais vão continuar morrendo como moscas. Para quem mata, tanto faz se a pena é de dez, vinte ou trinta anos. E ainda se ferem vários princípios do direito penal, como o da razoabilidade e da proporcionalidade. Uma pai de família morto desarmado é hoje tido como menos grave do que um policial morto. Um policial com uma roupa especial, armado, treinado e que estava ali por opção. Vai tomar no cu sociedade, tá tudo errado.

Ninguém percebe que, apesar da criminalização compulsiva e dos aumentos das penas, a coisa só piora? Sério mesmo, a consciência que eu tenho por ter trabalhado 15 anos nessa área eu não espero que mais ninguém tenha, mas porra, ao menos o lado empírico poderia aflorar, não? Não. Ninguém pensa. Pensar dá trabalho e as pessoas estão muito ocupadas com seus umbigos, com seus smartphones, com seus bens materiais (com seus filhos é que não é, se não, não teríamos essa penca de crianças mal educadas).

As pessoas querem uma resposta fácil: tem que punir, tem que prender, tem que matar. Foda-se se a longo prazo vai ser pior para a sociedade. Eles querem respostas fáceis. O Governo finge que age em prol do povo e o povo finge que o Governo atende seus anseios. No final das contas a sociedade só piora e ninguém rompe com esse círculo vicioso.

Daí sempre tem um demente que faz um falso paralelo: “Quer dizer que você é a favor que matem policiais?”. Se você depreendeu isso do meu texto, SAIA AGORA do meu blog. Você não tem nível nem para dirigir a palavra a mim. Saia e não volte. O que eu quero dizer com este texto, para aqueles que ainda tem cérebro, é que 1) Prisão não resolve, só piora e 2) É absolutamente ridículo que uma pessoa mais apta a se defender tenha uma pena maior protegendo-a.

Quem faz as leis no Brasil. Tiririca e outros débil mentais colocados ali por um povo ainda mais débil mental, não tem a menor ideia do que está fazendo. E está fazendo merda, desde sempre. E esse é o embrião da danação deste país. Um país sem leis decentes não vai a lugar algum. Quanto antes de perceber isso, maior o tempo de reação. Não me iludo, a maioria não vai perceber. Continuarão tentando aplicar ao país o que aplicam em suas casas: a porrada, a grosseria e o revanchismo como forma de solução de conflitos. Brasileiros são animais, em sua maioria. Desde pequena eu tenho essa visão clara: brasileiro são, em sua maioria, animais irracionais.

É isso. Continuem criminalizando tudo. Só falta dar nome: “policiofobia”, já que agora qualquer ataque contra qualquer coisa é uma “fobia” (exceto contra argentinos, é claro, porque meter o cacete em argentino é cool). Vamos lá, aceitem uma punição maior para quem mata policial e contentem-se com uma punição menor para quem mata um membro da sua família. Façam isso, afinal, se há aumento de pena, deve ser bom. Quanto mais punição melhor, né? Funcionando não está, mas as pessoas acham tão legal…

Para dizer que isso é brasileirofobia, para dizer que isso é macaquitofobia ou ainda para dizer que já que é histeria punitiva deveria ter pena de morte para corrupto: sally@desfavor.com

SOMIR

Se eu tivesse que puxar das minhas experiências a forma como a polícia age no Brasil, eu diria que é uma instituição capaz, honesta, bem-educada e muito atenciosa. Não, sério mesmo! Ouço histórias escabrosas por todos os lados, mas o que eu vivi não corrobora com essa imagem. Só que há de se contextualizar: eu estou fora da guerra. Quer dizer, fora até uma bala perdida me encontrar.

O que a polícia brasileira enfrenta normalmente, principalmente nos grandes centros, é uma guerra declarada. E como em toda a guerra, a presunção de vilania depende muito do lado pelo qual você a enxerga e os soldados que você conhece. Eu consigo entender a mentalidade tanto de policiais como das pessoas que os enfrentam diariamente. De um lado uma instituição que se permitiu valer da brutalidade para se manter ativa, do outro uma população que muitas vezes nem chance tem de se manter neutra.

Para cada história de horror que os policiais contam sobre aqueles que os encaram, aqueles que os encaram tem uma igual ou pior com os policiais. É uma guerra e os lados não vão se reconciliar facilmente. Ainda mais considerando o pífio suporte do Estado para o que deveria ser seu braço mais ativo no controle da sociedade: a maioria dos policiais está inserida num contexto onde a única diferença entre eles e aqueles que policiam (ou oprimem) é uma farda.

Assim como é fácil apontar para a favela e dizer que aquilo é um criadouro de bandidos, é fácil apontar de volta para a polícia e chamá-la de fábrica de psicopatas. Ambas as ideias podem estar, tristemente, corretas e incorretas, de acordo com os indivíduos analisados. Uma análise mais fria da situação borra a linha entre “mocinho” e “bandido” o suficiente para a maioria da população brasileira ter (até saudáveis) dúvidas sobre em quem vai confiar. Em teoria os policiais deveriam estar do lado dos fracos e oprimidos, na prática é mais seguro ser branco e de classe média ou alta para ter boas experiências com eles (e mesmo isso depende de sorte de estar no lugar certo). Se você estiver mesmo no meio da guerra, nenhum dos lados é seguro.

Quando nossos legisladores decidem por transformar o assassinato de policiais e afins em crime hediondo, compreende-se a ideia de valorizar o lado do Estado nessa guerra, mas é indesculpável que se aceite de bom tom que ela exista. Aumentar punições para quem ataca seus soldados não vai mudar os rumos de uma guerra, vai apenas aplacar um pouco a sede de vingança daqueles que tiverem um inimigo em mãos. Essa lei reforça a ideia da batalha, concede o ponto que não se pode/quer evitar a matança e tenta apenas dar um pouco mais de moral para uma tropa combalida.

E infelizmente estamos na pátria dos paliativos. Talvez até pior do que isso: aumentar punição sem combater impunidade é colocar mais lenha na fogueira: é punir com mais rigor aqueles que porventura acabarem presos, o que já sabemos (ou pelo menos deveríamos saber) que nem sempre se traduz em culpa mesmo. A mentalidade de guerra faz que todos se enxerguem como inimigos potenciais, desde o policial que pega o primeiro com “cara de bandido” que acha na rua até mesmo o criminoso que decide matar alguém só pelo o que está escrito na sua carteira de trabalho. Tudo errado, mas pelo menos quem matar policial vai passar mais tempo na cadeia!

O problema das leis é que elas são de graça. Gasta-se muito dinheiro público com elas, eu sei, mas aparelhar a polícia para resolver mais crimes, melhorar a qualidade de vida média do policial e ensiná-los a tratar melhor o cidadão que deveriam proteger é consideravelmente mais complexo e dispendioso do que dar uma canetada e fingir que se importa. Pode colar para muita gente, mas pra mim não vai: a polícia continua abandonada. Abandonada do suporte do Estado para fazer seu trabalho de forma eficiente e digna, abandonada até mesmo na cobrança por resultados e tratamento humano da população.

O Brasil soltou a guerra na mão da polícia, talvez mesmo sem saber se ela era necessária para começo de conversa. Mais fácil jogar o problema em mãos alheias e fazer vistas grossas para as barbaridades cometidas em nome dessa luta. Quando finalmente se mexem, é para tornar o crime de matar um policial algo mais sério do que matar alguém que não o é. Ao invés de lidarem com a guerra, homenageiam os seus soldados caídos com a promessa de mais sofrimento para os inimigos.

Chega de guerra. Ela que tem que acabar. E não vai ser um bando de policiais abandonados e mal pagos que vão marchar rumo à vitória aqui. Essa guerra é de atrição: ganha quem aguentar mais tempo. O que vamos ver é mais brutalidade policial em resposta a mais brutalidade contra o policial, e vice-versa. E parece que esse modelo está bom para quem elegemos para fazer nossas leis. Bota o povo contra o povo enquanto puder, porque isso claramente está funcionando, não?

A resposta para a violência é qualificar mais os crimes que normalmente ficam sem solução?

Para dizer que estou dando uma de Suíça, para dizer que uma hora todos os crimes serão hediondos (e nenhum será), ou mesmo para contar suas histórias de horror com policiais: somir@desfavor.com


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