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O botão certo.

O botão certo.

| Desfavor | | 26 comentários em O botão certo.

Dilema hipotético: você e um desconhecido estão presos, cada um em um quarto, e não há possibilidade de fuga. Vocês não conseguem se ver nem estabelecer comunicação. Você não sabe quem é a outra pessoa presa no outro quarto. Tudo que você sabe é que existe um botão em cada quarto que, se pressionado, mata a pessoa que está no próprio quarto mais libera a outra ilesa. Se, em uma hora, nenhum botão for pressionado, ambos morrem.

Tema de hoje: Você aperta o botão?

SOMIR

Eu acredito que pela primeira vez vai ser de zero. Não acho ser possível convencer alguém do meu argumento hoje, mas que pelo menos sirva para exemplificar uma possibilidade diferente…

Sim, eu aperto o botão. Não se negocia com terroristas. Apertaria nos primeiros segundos para resolver tudo na hora e acabar com o prazer de qualquer um que quisesse se aproveitar do meu sofrimento. Se for verdade mesmo eu morro e nem vou sentir mais nada. Se for um teste, eu ainda posso fingir que sou extremamente altruísta e ter a outra pessoa me devendo algo gigantesco para todo o resto da vida dela.

Temos que pensar além da sobrevivência. O contexto de estar nessa situação hipotética presume que você está sendo torturado. Que tem alguém lá fora derivando prazer do sofrimento de ambos os envolvidos. Entre morrer por não fazer nada (o que a maioria das pessoas faria) e morrer dando uma banana para algum filho-da-puta que está se divertindo horrores com sua tragédia pessoal, não há um alento em sair dessa vida nos seus próprios termos?

Não é uma situação que presuma vingança futura de forma realista. Sua única forma prática de devolver alguma coisa para seus captores é negá-los o jogo. É aquela coisa de filme de não gritar de dor ao ser torturado, uma forma de “humilhar” o torturador e acabar com qualquer propósito ou prazer que venham a ter ao fazê-lo. Meu ódio por quem me torturasse falaria tão alto que eu até disporia da minha vida por isso. E se quem me colocou naquela cela queria provar um ponto, com certeza ele não passava pelo meu sacrifício. Nem isso ele vai ter. Minha última mensagem para o mundo seria um “CHUPA!”.

Pra que se torturar também? Essa hora seria difícil até mesmo se você fosse bom o suficiente para não dar nenhum sinal de nervosismo para seus captores. É um turbilhão mental de possibilidades e esperanças que tornariam sua última hora nesse mundo um sacrifício desnecessário. Se você tem que aceitar que vai morrer em uma hora, não é essa hora que vai fazer diferença no cômputo geral das coisas. É uma hora de prisão contemplando o fim da própria existência com no máximo uma vaga esperança de ter um suicida do outro lado.

Se eu defendo eutanásia, faz sentido que eu aperte o botão. O direito de sair dessa vida é sagrado, e quanto mais controle você tiver sobre ele, melhor. Eu me poupo do sofrimento. Não estou nessa vida para passar por provações, estou aqui a passeio, como se fosse uma visita ao museu. Quero aprender muito, mas se perder a graça, prefiro ir embora. Estar numa cela a uma hora da morte certa contempla os elementos necessários para considerar essa vida descartável.

E outra: querendo ou não, você está salvando uma vida. Eu não me mataria SÓ por isso, mas se vem de bônus nesse pacote, qual o problema? Não dizem que continuamos vivos pelas memórias dos outros? Sim, eu teria muitos elementos egoístas na minha escolha, mas altruísmo é uma coisa agradável, faz bem. Se você quisesse morrer, preferiria fazê-lo sozinho ou salvando outras pessoas? Não que fosse me fazer diferença depois de estar morto, mas naqueles intermináveis segundos antes de apertar o botão, haveria um senso de propósito e grandiosidade no ato.

Morrer lutando ou morrer acuado? É uma escolha que a maioria de nós não vai poder fazer, mas nessa situação hipotética, é uma realidade. Então, diante dela, há lógica em apertar o botão e assumir de volta o controle sobre sua existência. Crer em liberdade e individualidade é tomar decisões difíceis sem se deixar cair em mãos alheias.

“Mas, Somir, você nem considera que a outra pessoa aperte o botão?” Não. O senso de preservação é poderoso e pouca gente é capaz de racionalizar diante dele. Se não apertar o botão ainda mais rápido que eu, a chance de apertar depois é negligível. Se você começar a considerar os prós e os contras de apertar o botão, sentimentos começam a anuviar a razão, a esperança vã de que outro se mate por você vai tornando a realidade em algo idealizado. E no campo do ideal, a vida sempre vale a pena ser defendida. Tipo a família de um doente terminal que o faz aguentar mais sofrimento por achar que tem uma cura prestes a ser descoberta, mesmo que a ciência ainda não tenha dado nem sinal de conseguir uma.

O poder de auto-sugestão do ser humano é poderoso. A outra pessoa não vai apertar o botão. Eu VOU morrer naquela cela. Quero ver UM aqui que diz que vai apertar o botão… o dilema é falso em 99.999999% dos casos. São só duas pessoas que vão morrer nas celas. Bom, eu não me resignar a uma morte por desistência. Apertar o botão é negar qualquer prazer a quem está te torturando e uma melhora de 50% na sobrevivência média nesse caso. Pouca gente vai ter força para tomar essa decisão, então que eu tome. É assim que as coisas sempre funcionaram: alguns se sacrificam para que outros resistam. Eu preferia não me sacrificar, mas nessa situação? Que seja eu então. Morro praticando o que prego.

Minha vida, minhas regras. Minha liberdade vale mais que minha existência. Se você está aqui para torcer para outras pessoas apertarem um botão para te salvar, você está fazendo errado. Eu não espero ajuda do amigão imaginário, eu não espero ajuda de desconhecidos. Se tem um botão nesse mundo que acaba com sua vida, que seja você que aperte.

Melhor morrer livre do que viver preso.

Para dizer que isso é muito bonito em teoria, para dizer que isso é estúpido até em teoria, ou mesmo para concordar comigo só para ser do contra: somir@desfavor.com

SALLY

Não. Aqui entra uma coisinha poderosa chamada “esperança”. Eu me apego à esperança de que, até o último segundo, a pessoa que está no outro quarto aperte o botão, se sacrifique e me libere. As chances não são altas, eu sei, mas elas existem. Além disso, eu não tenho muito a perder: de um jeito ou de outro eu acabaria morrendo mesmo.

Talvez alguns mais descrentes pensem “perda de tempo, ninguém apertaria esse botão”. Bom, Somir tá aqui para provar que isso não é verdade. Não fechem suas mentes, não é apenas a bondade que faria uma pessoa pressionar o botão, uma série de outros motivos, como desespero, medo e ansiedade poderiam levar alguém a fazê-lo. As pessoas tem reações surpreendentes quando estão em situações limite. Muita gente pode pensar “eu não quero vivenciar este sofrimento, prefiro morrer nos meus termos”.

Por incrível que pareça tem uns control-freaks que, se acharem que vão morrer, até nisso querem ter controle e morrer de acordo com a sua escolha, ainda que exista a chance de sobrevivência. Eles apertariam o botão se batesse um surto de “vou morrer”. Tem gente que apertaria na clara intenção de se suicidar para não ter que passar pelo pavor, pelo medo e pela espera de uma suposta morte certa. Existem uma infinidades motivos para apertar o botão além do altruísmo de salvar outra pessoa.

Novamente, sei que as chances seriam pequenas, mas como a recompensa é grande (minha vida), eu tentaria até o final. Sim, eu deixaria outra pessoa morrer, mas o faria por ser a única forma de lutar pela minha vida. Escolhas trágicas, elas sempre são uma ótima fonte de Ele Disse, Ela Disse e também um ótimo jeito de conhecer o caráter das pessoas, nem tanto pela escolha em sim, mas por sua fundamentação.

Nessa situação hipotética medimos a força mental de uma pessoa. Não há como se salvar quebrando a porta, subornando alguém ou fazendo cálculos. A única coisa que (talvez) pode te salvar é sua força mental, a sabedoria e a calma de bancar uma decisão até o limite da morte. Não acho que muitas pessoas no mundo tenham esse preparo mental. Como eu disse, não tentando ou tentando e fracassando a consequência negativa é a mesma. Temos que pensar duas vezes quando tentar pode gerar um estrago ainda pior do que não tentar, que não é o caso.

Eu banco uma hora dentro de um quarto sabendo que vou morrer. Não seria agradável, mas eu banco uma situação dessas com a calma necessária para tomar a melhor decisão. A morte em si não me assusta mais. Uma morte dolorosa ou a morte de uma pessoa querida sim. A morte em si é consequência inevitável da vida, eu saberia aceitar com resignação, desde que tivesse feito tudo ao meu alcance para evita-la. E no caso, fazer tudo que está ao meu alcance é esperar quietinha.

Curioso que se tivesse que andar por uma corda acima de um rio cheio de jacarés famintos, muita gente bateria no peito e diria que o faria, para evitar a morte. Se a gente tivesse estipulado qualquer desafio físico, com uma vertente heroica, muita gente afirmaria que o faria para lutar pela própria vida. Talvez todos. Mas quando o “lutar” pela própria vida pressupõe resignação e controle mental, o cérebro dá um bug e não faz.

Ainda temos essa coisa primitiva de que lutar é físico, é combate, é movimento. Tolinhos. As maiores lutas travamos em nossas mentes e geralmente é com nós mesmos. Muita gente aqui daria piti (se eu não tivesse levantado essa lebre) dizendo que não esperaria passivamente justamente por entender que isso é se entregar. Adivinha só? Nesse caso se entregar é agir. E é com isso que eu contaria, com esse bug mental do meu oponente, que se fosse brasileiro, provavelmente seria um macaquito hiperativo incapaz de perceber que sentar e esperar é o melhor agir.

Existe uma palavrinha chave para sobreviver a esse desafio apresentado hoje: resiliência. Resiliência é a capacidade de se adaptar ou se recuperar de eventuais mudanças negativas na sua vida. Quem tiver resiliência pode sobreviver. Quem se desesperar e quiser, ou melhor, precisar fazer alguma coisa, vai acabar morto. E, não se enganem, hoje é uma situação imaginária, mas amanhã, na vida, muitas situações que exigem resiliência, acabam se apresentando. E a maioria das pessoas age feito um chimpanzé que bebeu energético.

Desconstruam da mente de vocês essa ideia de ter necessariamente que agir o tempo todo para conseguir um objetivo. Avaliem com sabedoria cada opção e verão que mais frequentemente do que se pensa a melhor estratégia é a resiliência. Força para mudar aquilo que pode ser mudado e sabedoria para aceitar e se adaptar da melhor forma possível a aquilo que não pode ser mudado.

Mas, sempre vai ter um descontrolado que não domina sua mente que terá o sentimento fixo de “o que? Eu vou morrer e não vou fazer nada? Impossível!”. Agradeçamos a eles, eles apertarão os botões da vida real e se matarão, deixando o caminho livre para a gente.

Para dizer que Desfavor também é filosofia barata, para demonstrar seu lado macaquito e dizer que você dava um jeito de quebrar a porta ou ainda para pedir notícias do pai do Alicate: sally@desfavor.com


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