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Seguindo em frente.

Seguindo em frente.

| Desfavor | | 11 comentários em Seguindo em frente.

Merdas acontecem. Sally e Somir concordam que perdão não é algo que se distribua indiscriminadamente, mas não se entendem quando pensamos no desenrolar da vida pós-perdão. Mágoas são realmente para sempre? Os impopulares nos perdoam pela bagunça recente dando suas opiniões.

Tema de hoje: Se alguém te magoa e você perdoa, é melhor esquecer o que te causou a mágoa?

SOMIR

Em primeiro lugar, admito que não estava num dos meus melhores momentos nos últimos dias. Vontade de apagar tudo e manter a pose de inabalável. Mas, o que está feito está feito. E considerando o que eu ganhei em troca, ficou barato, ficou muito barato… está na hora de esquecer os momentos ruins e se concentrar no que vem pela frente.

Sim, eu sou partidário de esquecer. Não aquela coisa maluca de fingir que não aconteceu… tem uma particularidade aqui. Como não estou com muito crédito na praça, desconfio que vá perder hoje. Mas pelo menos escutem meu argumento: o que que fica de útil de uma mágoa, um momento ruim da sua vida? A dor? A frustração? O desânimo? Claro que não. O que fica é a lição. Aprende-se com os tombos.

E o aprendizado é tudo o que você precisa ter. A mágoa é descartável, até porque o passado é imutável. Eu aprendi que fico muito mais cego do que achava quando sentimentos entravam em jogo. Sempre acreditei no controle total, na lógica de tomar decisões racionais em todas as situações. Na maior das alegrias ou das tristezas, sempre há uma verdade inabalável que deve ser encontrada.

E é aí que a teoria atrapalha a prática. Aprendi que se pode fabricar essa “verdade inabalável” em meio a uma crise e tomar decisões estúpidas. Achar que algo é lógico não é sinônimo desse algo ser lógico. Um erro dolorido que me custou muito tempo e quase me fez perder provavelmente a maior chance que a vida me colocou na frente não é algo que mereça ser revivido em culpa. O erro pertence ao passado.

O aprendizado é do presente. Desde quando o medo de perder é mais útil que ter as ferramentas para manter? Esquecer não é fingir que não aconteceu, esquecer é sacudir a poeira e se concentrar no que você pode fazer de melhor. Não sei se estou explicando demais algo que vocês já perceberam faz tempo, mas é essencial para o meu argumento: se eu perdôo alguém eu não quero mais ver essa pessoa pela lente distorcida de um erro que já passou, quero vê-la claramente através do que está fazendo para tornar o presente melhor.

Aprendam com o mestre: presumir demais faz mal. Quando se usa o erro já perdoado como modificador da sua percepção sobre alguém, você pode e vai enxergar coisas erradas sobre ela. O que te incomodou continua flutuando sobre a cabeça dela como um fantasma, pronto para te fazer pular em conclusões onde elas ainda não podem ser feitas. Se eu acredito tanto na minha capacidade de aprender, como não estender isso para quem eu quero por perto de mim? Só eu seria capaz de aprender? Ou pior: ninguém seria?

Sempre digo que ninguém muda. Mantenho. Mas as pessoas evoluem. Evolução é parte integrante do funcionamento do Universo e nada parece ser imune. Se você vai gostar da evolução são outros quinhentos, mas apostar no imutável é apostar para perder. Por exemplo: esperar que uma pessoa teimosa simplesmente abandone essa característica é esperar uma mudança, é esperar pelo o que não acontece espontaneamente. Agora, esperar que esse ser teimoso comece a pensar de forma menos egoísta e faça sua teimosia causar menos problemas para terceiros é esperar uma evolução. Não acontece do dia para a noite, mas é um processo possível. Tem muita diferença entre esperar que o incômodo desapareça e esperar que ele seja menos danoso.

Perdoar e esquecer significa entender que ninguém muda (afinal, perdoou), mas se concentrar na parte da evolução. Deixe para trás o problema e foque na solução. De nada adianta guardar as mágoas e continuar julgando a pessoa por elas dia após dia. Até porque você não consegue mais enxergar direito a parte boa: a evolução. Quem quer ficar sofrendo? Sofrimento é um pedágio, não a estrada.

E outra: erros acontecem. Mas isso vai bem mais fundo do que parece. Somos, por definição, seres completamente isolados uns dos outros. Cada mente é um universo próprio montado por estímulos e memórias inescapavelmente separadas de outras mentes. É um erro achar que outra pessoa enxergou a situação exatamente como você enxergou. Não estou advogando ser bunda mole e aceitar qualquer divergência em nome desse relativismo de percepções, mas estou dizendo que uma pessoa ver uma situação de forma completamente oposta à sua não é sinônimo imediato de incompatibilidade. São tantos fatores influindo nisso – a imensa maioria fora de controle – que é mesmo possível ter mentalidades parecidas, ver coisas parecidas e ainda sim sair com conclusões diferentes.

Apegar-se ao erro me soa um erro por si próprio. Se fosse imperdoável, bom, a situação já estaria resolvida. Mas não foi. O contexto da discussão de hoje parte do perdão. De alguma forma todas essas variáveis que eu fui definindo até aqui chegaram a um resultado positivo. Não acredito que valha a pena carregar mais bagagem do que o necessário nessa vida. Perdoar é um difícil processo de deixar para trás algo que te parecia impossível de se desvencilhar, então… por que continuar fazendo força extra? Está mais leve. Dá para andar mais rápido agora.

É questão de escolher suas batalhas e não se render a traumas. O que deu errado antes numa configuração não vai necessariamente dar errado no futuro, dado que tenha algum aprendizado envolvido. A primeira vez é mais confusa que a segunda, não? Quando nos concentramos no que dá certo ao invés do que deu errado, fazemos melhor.

E mesmo que nem sempre se consiga, fazer melhor é um ótimo plano. O erro é um passo do aprendizado, mas ele não é o foco.

Para dizer que não vai cometer o erro de acreditar nisso, para dizer que gosta do meu discurso mas prefere fazer o que a Sally sugere, ou mesmo para dizer que vou ter que fazer bem melhor: somir@desfavor.com

SALLY

Se alguém te magoa e você perdoa, é melhor esquecer aquilo que te causou a mágoa? NÃO.

É um instinto de preservação natural do ser humano armazenar experiências que lhe geraram qualquer tipo de prejuízo para evitar sua ocorrência outras vezes. Chega a ser um mecanismo evolutivo de sobrevivência. Desde os primórdios contamos histórias para passar adiante para o grupo o que dá certo e o que dá errado.

Manter o erro vivo ajuda com que ele não seja cometido novamente. Obsrva só se alguma vez na história da humanidade alguém levanta um dedo contra os judeus novamente? Jamais. No entanto morrem diversos grupos de forma repetida sistematicamente ao longo da história. Esquecer é perigoso, esquecer é descuido, esquecer é flertar com o desastre.

Eu adoraria que cada vez que estivesse prestes a cometer o mesmo erro, um erro recorrente, tocasse uma sineta, um alarme ou qualquer outra coisa que me lembrasse a merda que deu da última vez que me enveredei por esse caminho. Seria uma ajuda, e não um ataque.

E, só para esclarecer, não esquecer não significa ficar jogando na cara, guardar rancor, não confiar ou buscar vingança. Não problematizem onde não tem: não esquecer significa NÃO ESQUECER, qualquer coisa além é por conta de vocês.

As grandes lições da nossa vida vem do não esquecimento. Uma mãe pode dizer vinte vezes para uma criança não colocar o dedo na tomada, pois vai levar um choque, mas nada será mais eficiente do que ele de fato colocar e receber uma bela descarga elétrica. Ao levar um choque, a criança não esquece, e ao não esquecer, não repete o erro.

E tendemos ao esquecimento. Todo mundo gosta de lembrar o que fez de bom nessa vida, mas as merdas, as cagadas gigantes, essas tendem a ser gradativamente apagadas, pois não gostamos de pensar que somos falíveis, muitas das vezes, idiotas completos. Por uma questão de sobrevivência digna, tendemos a apagar ou mitigar gradativamente nossos erros. Daí a importância de um Guardião que nos relembre exatamente como e quando costumamos merdar.

Esquecer não é fazer um favor à pessoa. Esquecer é criar uma armadilha para ela e para você mesmo, pois a propensão ao mesmo erro será maior. Além disso, é anormal esquecer algo que te magoou. Talvez eu seja muito filha da puta, mas eu não esqueço daquilo que me magoou. Poderia apenas sufocar, arquivar no fundo de uma gaveta mental, com muito esforço. Mas não seria natural.

A convivência não fica natural. Vai achando que a pessoa realmente esqueceu… duvido. Ela apenas não está falando sobre isso. Acho bem bizarro esses combinados de “nunca mais falar no assunto”. Fica aquele elefante branco no meio da sala e as pessoas fingindo que não está ali. Com licença, se fez algo que me magoou eu tenho o direito de falar sobre isso quantas vezes seja necessário, relembrar, perguntar, questionar quantas vezes seja preciso.

Francamente, até para quem merdou é melhor o não esquecimento. Mantendo fresco na memória da pessoa a merda que ela fez, as chances dela se policiar e não repetir são maiores. Não se enganem, somos medíocres, todos nós, e quando deixados ao sabor do vento tendemos a cometer sempre os mesmos erros. Não esquecer mostra à pessoa que ela tem uma propensão a aquele tipo de merda e a ajuda a se policiar.

Eu gosto de manter frescos na minha memória os erros que eu cometo, como forma de me policiar e não cometê-los novamente. Penso que todo mundo deveria agir assim, mas a maioria não gosta. Claro, é uma punhalada no ego ser lembrado de uma bela bosta que fez. É preciso muito desprendimento para topar não apagar da história uma cagada GG. Eu tenho, mas quase ninguém o tem.

E quem não o tem, como regra, ataca quem o tem na tentativa de desmerecê-lo: rancorosa, fria, mesquinha. Arrogante aquele que pensa ser capaz de aprender com um erro se ele for facilmente esquecido. O ser humano tende ao erro, tende a repetir mecanismos de funcionamento. Manter o erro vivo na lembrança é a melhor forma de se policiar para não repeti-lo.

Minha opinião é a de que essa babaquice politicamente correta somada a uma culpa cristã fazem com que as pessoas se sintam mal em bancar o fato de não esquecerem o que as magoou. Você é uma pessoa escrota se não esquece. Daí muita gente diz que esquece para não passar por escrota. De onde tiraram que uma pessoa que esquece é, sob qualquer aspecto, melhor do que a que esquece? Repensem isso aí, não faz sentido algum.

Eu não esqueço, eu não quero esquecer. Assim como não quero que esqueçam as minhas pisadas de bola, para o meu próprio bem. E sou bem resolvida o bastante para saber que é para o meu próprio bem. Sacrifico meu ego para ser uma pessoa melhor. Sou confrontada com meu lado fraco, podre, idiota, para evitar que ele se manifeste com tanta frequência. É preciso ter uma autoestima bem inteira para topar essa metodologia.

Observem. Observem o que acontece com gente que perdoa, esquece e apaga da existência uma grande mágoa causada. Garanto que na maior parte dos casos a pessoa toma no cu novamente, pelos mesmos motivos. Não, obrigada. Minha cota de tomada de cu nessa vida já expirou, vou fazer por onde diminuir as chances de que isso se repita.

Ao contrário do que essa sociedade “boazinha” e puritana te empurra goela abaixo, não esquecer é inteligente, é bacana e não é errado. Pau no cu de quem me julgar, não esquecer o que me causou mágoa não faz de mim má pessoa e não mina o relacionamento com a pessoa que me magoou. Muito pelo contrário, colabora para evitar que os mesmos problemas se repitam.

Perdão deve zerar sentimentos negativos, mas não deve apagar o passado, para o bem dos envolvidos.

Para ignorar o tema e me encher de perguntas e ouvir evasivas, para cagar para a coluna e focar no castigo pelo furo de ontem que deveria ser debatido na próxima postagem ou ainda para encher o Somir de perguntas e ouvir o som dos grilos: sally@desfavor.com


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