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Paixão.

Paixão.

| Sally | | 67 comentários em Paixão.

Estar apaixonado é uma verdadeira bosta. Sim, estou abrindo com uma frase de impacto, um recurso medíocre, porém sincero. Estar apaixonado é um saco, um inferno, um incômodo. Não entendo por qual motivo as pessoas gostam e desejam se apaixonar. Ahh os idiotas… eles adoram estar apaixonados! Se apaixonar é um atraso de vida. Claro, é inerente ao ser humano, assim como cagar também o é. Não necessariamente tem que ser agradável por ser natural.

A própria etimologia da palavra já dá indícios do que está por vir: vem do latim e indica o “ato de suportar um sofrimento”. E é basicamente isso que acontece com uma pessoa apaixonada: ela sofre, mesmo quando a paixão é correspondida. Amor, um sentimento mais sereno e consolidado, até impulsiona as pessoas para frente, te melhora como ser humano, mas a paixão… a paixão mediocriza, se é que essa palavra existe.

Para começo de conversa, a pessoa apaixonada, querendo ou não, tira parte do seu foco de questões importantes da vida como trabalho, filhos, projetos, planos para dar lugar à paixão na sua mente. Não necessariamente ela negligencia as outras áreas, mas é inegável que toda a energia voltada para a paixão não sai do nada. Em matéria de sentimentos, sempre temos que tirar de algum lugar para colocar no outro.Você vira um profissional pior, um pai pior, um amigo pior quando está apaixonado, pois a mente está viciada no seu objeto de paixão.

Não se trata de uma escolha. O objeto da sua paixão simplesmente invade sua cabeça, várias vezes por dia, sem respeitar o seu tempo que estava distribuído e pensando para outras atividades. É um estupro mental que se dá contra a vontade do apaixonado – e pior, ele gosta. Deve ser um efeito semelhante ao uso de drogas, você sabe que isso a longo prazo pode te prejudicar, mas é tão bom e incontrolável que te atropela. E ainda tem quem goste, quem ache uma delícia ser um animal irracional sem controle dos seu sentimentos e pensamentos. Não é. Não dá para evitar, mas dá para admitir: estar apaixonado é indigno.

Paixão cega. Tanto para as coisas boas, como para as coisas ruins. Paixão altera quimicamente o cérebro, afetando a percepção do mundo. Uma bobagem parece algo grave e desperta uma crise de ciúmes totalmente desnecessária que deve ser engolida a seco para não passar recibo de loucura. Um defeito escroto do objeto da paixão parece uma peculiaridade charmosa. A razão entra em coma.

A paixão promove um emburrecimento tendencioso que muitas vezes custa caro, mais para a frente, quando ela acaba. Pessoas apaixonadas deveriam ser proibidas de realizarem qualquer escolha importante na vida. Tenho esperanças que um dia se possa medir isso de forma concreta, com base na quantidade de serotonina e outras “inas” no cérebro e essas pessoas sejam legalmente consideradas inimputáveis no período em que a paixão durar; não possam casar, vender seus bens nem fazer nenhum negócio jurídico para o qual se exija sanidade mental.

A paixão também embreguece, mesmo que você faça um esforço para se manter digno, por dentro você embreguece, amolece, enfouxesse. A música brega que em dias de dignidade era ridicularizada mentalmente agora gera uma identificação involuntária. A vontade sofrida de estar sempre com a pessoa leva a pensamentos irracionais de abandonar tudo para que nada roube o tempo que você pode passar com ela. É um atraso de vida sem precedentes. Não entendo como as pessoas comemoram e celebram a paixão, o certo seria ligar para um amigo(a) e dizer “Putz, me fodi, estou apaixonado(a)”.

A gentalha acha bonito perder o controle. Talvez porque eles, mesmo quando estão no controle, fazem bosta por cima de bosta, então, ao menos na paixão, existe um “álibi”. Tem pessoas que, francamente, eu olho e penso: “Ainda bem que ESSA não é a minha vida!”. E quando é por estar apaixonado, a sociedade tende mesmo a ser mais bondosa antes de condenar uma atitude.

Mas pessoas racionais, pessoas responsáveis, tem mais a perder do que a ganhar com a paixão. Não dá para evitar, mais cedo ou mais tarde todos vamos nos apaixonar (ou nos apaixonar novamente), mas porra, dá para não celebrar uma coisa tão escrota. Dá para ter a consciência do mecanismo de escravidão mental e pouco discernimento que está se instalando.

Não nego a função evolutiva da paixão, ela tem seu papel temporário. Paixão passa. Dizem que dura no máximo uns três anos. É uma cegueira, uma explosão química que altera o discernimento no cérebro necessária para permitir que um casal fique junto tempo suficiente para construir algo mais sólido. Porque, vamos combinar, não tem coisa mais difícil do que a convivência, se não tivesse esse bônus inicial, não daria tempo de se apegar e construir laços, nos mandaríamos todos à merda em um mês.

Casais inteligentes aproveitam esse período inicial a paixão para criar laços, interesses em comum e projetos que os una, para ter algo que sobre quando a paixão acabar. Não fosse a paixão, talvez as pessoas não conseguissem ficar juntas tempo suficiente para construir o amor. Mas isso não a faz menos escrota. Como eu disse, cagar é necessário e nem por isso é louvável ou agradável.

Talvez o ponto mais perigoso da paixão não seja a ansiedade, a obsessão ou a cegueira. O ponto mais perigoso é a força que ela dá. Uma pessoa apaixonada escala montanhas, luta contra o mundo, tem uma força inesgotável de lutar por seu objeto da paixão. Quando a paixão não é correspondida, a tendência é que o sentimento vá se extinguindo. Mas quando tem alguém alimentando essa fogueira, o céu é o limite. Pessoas apaixonadas são capazes de tudo, pois além do discernimento comprometido, brota uma força e disposição não sei de onde. Combinaçãozinha perigosa: perda de discernimento com aumento de capacidade de agir. Só um louco pode gostar de passar por isso.

Não adianta lutar contra a paixão, ela é um poderoso mecanismo evolutivo de fundo bioquímico. Não é minha intenção pedir que não sintam seus sintomas, isso está fora no alcance. Adoraria pensar que um dia serei imune a ela, que um dia aprenderei a me controlar. Mas não vou, apesar dos pesares, todos nós somos humanos, não dos melhores, mas somos humanos.

Todos nós continuaremos passando por essa indignidade que é estar apaixonado e, dificilmente, no calor da paixão, vamos conseguir antever ou controlar esses erros e indignidades. O cérebro estará soltando fogos e sua racionalidade vai para a casa do caralho. Quem diz que se mantem sob controle mesmo apaixonado mente. Para os outros ou para si mesmo. Talvez para ambos.

Pensar na pessoa o dia inteiro é desesperador, não é bonitinho nem fofo. Querer estar com a pessoa o dia inteiro, querer falar com a pessoa o dia inteiro não é lindo nem romântico, é um verdadeiro atraso de vida que não conseguimos controlar. Querer que a pessoa seja só nossa, monopolizar sua atenção, ser a única razão do seu afeto não é legal, é doentio. No entanto, todos nós nos sentimos assim ao menos uma vez na vida (menos o Somir, que é morto por dentro). Então, o que fazer?

Percebam que não é um texto mandando você não se apaixonar, isso seria impossível. Também não é um texto mandando você se apaixonar de forma digna, pois isto também seria impossível. É um texto para te lembrar de ter em mente a forma como a paixão funciona para, apresar de indigno, conseguir tirar o melhor que ela tem a te oferecer: oportunidade e proximidade para construir uma relação de amor. Se não, quando ela acabar, vai ruir tudo e você terá apenas perdido tempo da sua vida.

Paixão é um pedágio necessário para suportar o outro tempo suficiente para estabelecer vínculos duradouros, para cultivar amor, um sentimento mais calmo, sensato e profundo. É apenas a minha opinião, mas eu vou tratá-la como verdade.

Infelizmente a massa trata a paixão como um fim em si mesma, acha bacana essa sensação escravizante e monotemática e, tal qual viciados em drogas, quando o “barato” acaba, acaba a graça e buscam mais. Mulheres principalmente. Acaba a paixão e a pessoa começa a achar tudo muito “sem graça” e a querer se apaixonar novamente. Trocam de parceiros em busca desse frenesi viciante que, a meu ver, é escroto e exaustivo e se frustram quando ele acaba. E ele sempre acaba.

Para mim, quando acaba a paixão é sempre um alívio. Passei de fase, parti para algo melhor, evoluí. Se tem uma coisa da qual não sinto falta é estar apaixonada. Nunca compreendi essa “delícia” que as pessoas acham em estar apaixonado. Assim é o brasileiro médio: se não for exagerado, intenso, excessivo, é “pouco”. E assim estão, pulando de relacionamento em relacionamento, com casamentos ridículos que duram poucos anos, até acabar a paixão e um enxergar o outro. Não, obrigada.

Faça as pazes com a inerente indignidade da paixão, ninguém escapa dela. Mas usem esse período indigno com o máximo de sabedoria possível: construam algo maior nesse bônus de mar de rosas que tem data para acabar. E chega de exaltar uma coisa tão cagada. Estar apaixonado é uma verdadeira bosta. Ainda bem que passa!

Para me chamar de amarga, para tentar me convencer de que a sua paixão nunca vai acabar ou ainda para contar indignidades que fez e sentiu apaixonado: sally@desfavor.com


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