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Sozinhos.

Sozinhos.

| Sally | | 37 comentários em Sozinhos.

“Eu sei ficar sozinho”. Muita gente diz essa frase com o maior orgulho. Sabe mesmo? Acho que a maior parte não sabe.

Ficar sozinho não significa estar ou não estar em um relacionamento. Existem pessoas em relacionamentos que são extremamente solitárias (solidão a dois, o tipo mais doloroso) e existem pessoas que não estão em um relacionamento mas nunca estão sozinhas. No texto de hoje não me refiro a uma vida solitária, me refiro a momentos do seu dia onde você está só, com você mesmo e nada mais.

O momento solitário está em baixa. As pessoas nunca estão sozinhas consigo mesmas, e parecem ter aprendido a funcionar assim, sem entender o prejuízo que isso causa e os ganhos que um momento de solidão trazem. Estar sozinho, consigo mesmo, exerce importante função no ser humano, seja como momento de reciclagem, reflexão ou apenas para permitir que ideias fluam.

No geral, as pessoas estão sozinhas, no sentido de desacompanhadas de outras pessoas, mas estão sempre com a TV ligada, com música alta, com alguma porcaria eletrônica ligada na internet, rede social, e-mail, whatsapp ou coisa do tipo. Estão no celular, no computador ou onde mais gerar estímulo e distração, mas nunca estão efetivamente sozinhas consigo mesmas. Não as culpo, assusta.

Olhar para dentro, conviver consigo mesmo sem distrações, não é fácil. Mas é gratificante, os frutos disso se colhem a longo prazo – e gente limitada não tem paciência para conceber resultados a longo prazo. Eu, eu, eu. Agora, agora, agora. Está demorando muito, desisto. Isto é, claro, se a pessoa tiver sofisticação para sequer perceber que esses benefícios existem, porque às vezes, nem isso.

Trabalho, família, relacionamentos, redes sociais, eventos, jantares, happy hour, compromissos, trânsito, reunião de condomínio, etc etc. Sempre temos algo a fazer, já vamos dormir em dívida, arrastando para o dia seguinte coisas que deveriam ter sido feitas no dia anterior. A verdade é que nunca sobra tempo para estarmos sozinhos com nós mesmos, sem qualquer outro estímulo. Mas, como tudo que é importante nessa vida, não deve sobrar tempo, nós é que devemos separar um tempo para isso, abrindo mão de gastar esse tempo com outras coisas. Tem que tirar de um lugar para colocar no outro, aceita que dói menos.

Mas não. Os imediatistas, os medíocres, os pouco privilegiados de inteligência não conseguem perceber a importância de estar sozinho consigo mesmo. Se enchem de estímulos externos o dia todo, são incapazes de se depararem consigo mesmos e nada mais e chegarão ao final deste texto sem sequer conseguir compreender qual é o ganho final desse estar sozinho, consigo mesmo.

Não se dão conta que nunca estar sozinho consigo mesmo é uma escolha da qual fogem. Eles se entopem de atividades supostamente “por opção”. Mas não é opção, é medo, e quem sabe até uma incapacidade de ficar consigo mesmos. Olhar para si mesmo de frente pode ser difícil.

Ficar só, consigo mesmo, gera um desconforto sintomático em boa parte das pessoas. E elas nem mesmo estranham, não questionam a razão pela qual não conseguem ficar sozinhas consigo mesmas. A arte de tapar o sol com a peneira faz surgirem argumentos patéticos como: “eu não gosto, sou muito ativo”, “eu não sou assim” ou ainda o tenebroso “acho chato”.

Pessoas incapazes de reflexão interna, de um olhar aprofundado para si mesmas e, portanto, incapazes de evoluir, perdoar, reconhecer e melhorar seus defeitos. Pessoas estagnadas ao som de música, TV e Memes que, convenientemente, lhes tira o foco de atenção. Pessoas que acham que vivem bem mas vivem mal, se enforcando nos próprios nós, se amargurando em raros momentos de nitidez mental rapidamente anestesiados. Pessoas que não se conhecem, não se entendem, não se explicam.

Desde Esopo que o argumento das uvas estarem verdes merece um olhar mais atento. Muitos dirão que estar só, consigo mesmo, diariamente é ridículo, desnecessário e até mesmo nerd. Pessoas que tem uma deficiência emocional/cerebral/cognitiva e camuflam o não conseguir com um não querer. Mecanismo recorrente, o ser humano adora camuflar o não conseguir com o não querer.

Não raro os alunos travessos que tem mau desempenho na escola não o tem por serem travessos, são travessos inconscientemente para que ninguém perceba como são burros. Se você não se esforça, quando não consegue o objetivo, ninguém questiona sua inteligência, todos partem para sua conduta. Uma isca inteligente para mentes não tão aguçadas: melhor parecer indisciplinado do que burro. Mas mentes atentas percebem. Ah, percebem. O mesmo vale para a incapacidade de estar sozinho consigo mesmo.

Se vocês pensarem bem, em todas as culturas, em todas os tempos o ser humano se cercou de rituais para obrigar os mais novos a estarem consigo mesmos, tornando isso um hábito para a vida adulta. Um exemplo: Ajoelhar no pé da cama antes de dormir e fazer uma síntese do seu dia e seus desejos pode ser chamado de “orar” quando entra o aspecto lúdico do Amigo Imaginário, mas, nada mais é do que ensinar uma criança a estar consigo mesma. A vida da pessoa melhora, uma eventual solução para o problema surge, as coisas acontecem porque um ser divino te ouviu? Não. Acontecem porque você passou tempo com você mesmo e isso esclareceu dúvidas, abriu sua percepção, colocou as coisas em perspectivaa longo prazo.

A neurociência já comprova os ganhos de tirar um pedacinho do seu dia para passar só, com você mesmo, sem mais nada, nenhum estímulo. O cérebro também precisa de musculação. Redes sociais, TV e internet costumam ser fastfood para o cérebro: uma delícia, o corpo pede mais, mas no final das contas faz mal em excesso. Um vício, um prazer imediato que acaba por roubar tempo de coisas verdadeiramente importantes se excessivamente utilizado. Amadurecimento é isso: deixar de pensar no que você quer hoje e passar a pensar no que você quer para a vida.

Quanto tempo faz que você não fica sozinho com você mesmo? Crianças o fazem o tempo todo mas, à medida que vamos crescendo, vão nos empurrando obrigações, distrações e estresse e vamos perdendo esse hábito. Você se lembra da última vez em que ficou sozinho com você mesmo, sem qualquer estímulo externo, voluntariamente? Talvez seja hora de tentar. Talvez seja hora de cultivar isso na sua vida. Ou ao menos de parar de encher o saco e ridicularizar quem o faz.

Pare o que está fazendo. Ouça o som do silêncio e reflita sozinho. Se for capaz.

Para perguntar que tipo de droga eu estou usando, para perguntar se eu não vou falar da Guerra dos Cabides ou ainda para perguntar se eu não vou falar do Humaniza Redes peidando e sendo apagado: sally@desfavor.com


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