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Sobre o peso…

Sobre o peso…

| Desfavor | | 31 comentários em Sobre o peso…

+Pesquisa: índice de brasileiros acima do peso sobe para 52%. De acordo com os dados, homens registram os maiores percentuais – índice de excesso de peso na população masculina chega a 56,5% contra 49,1% entre as mulheres.

Pode parecer uma notícia comum, mas tem um peso… desfavor da semana.

SOMIR

O dado é impressionante, mas não é surpreendente. Engordar é uma das instruções que vem de fábrica com a gente. Com algumas exceções, nossos corpos tendem a ser muito eficientes nessa coisa de armazenar energia. Quando a lei da selva ainda era nossa única lei, o potencial de acumular gordura salvava vidas. Não é difícil entender porque numa sociedade com mais e mais opções de alimentos extremamente calóricos o número de pessoas acima do peso comece a aumentar exponencialmente.

O sobrepeso não é nenhuma aberração genética… é o ser humano funcionando da forma como foi programado para funcionar. Consuma mais energia que gasta e ela vai acumular, simples assim. O que preocupa com a constatação de uma população cada vez mais gorda – e atualmente com a maioria de seus membros acima do peso considerado ideal – é a tendência à acomodação. Não me refiro à preguiça, e sim a outra função básica da nossa espécie: a adaptação.

Se as pessoas estão mais gordas, vai mudando o paradigma de conformidade. E embora eu seja um feroz crítico dessa tendência do ser humano de querer imitar os outros para se sentir aceito, há de se entender a diferença entre conformidade estética e conformidade saudável. Querer se parecer com o outro por mera vaidade (e/ou insegurança) leva a péssimas decisões. Aspirar por um corpo mais apto e resistente dificilmente é uma má escolha.

Quando muda o que se considera a maioria, a conformidade tende a seguir. Embora eu não ache plausível que as pessoas comecem a se esforçar para ser gordas (ser magro tem várias vantagens mais “primais”), começa a ficar menos condenável estar acima do peso. Se muitos são gordos, é mais fácil se sentir “normal” seguindo o caminho da preguiça e da falta de cuidados com o corpo. Baixamos o grau de exigência.

E apesar de ter muita relação entre as duas coisas, não estou focado no aspecto de atratividade sexual aqui. Não é a exigência por uma aparência específica por mero gosto, é a exigência de um padrão médio de aptidão física geral. Um corpo mais eficiente no uso da energia consumida tende a adoecer menos e ser mais produtivo em geral. Mas, o tempo passa: com uma oferta cada vez maior de trabalhos “intelectuais” – coloquei entre aspas porque estou falando desde de dar aula de física quântica até ser atendente de telemarketing, trabalhos onde forma física não faz tanta diferença – a exigência de um corpo magro para estar integrado na nossa cadeia de produção de bens e valores vai ficando obsoleta.

O padrão está mudando, e vai mudar ainda mais. O perigo é que aceitemos demais essa nova população acima do peso, sem fazer nenhum questionamento sobre os males relativos a essa mudança na população. Fica mais caro cuidar da saúde dessas pessoas, precisamos gastar muito mais energia para mantê-las (consomem mais e tem mais massa para movimentar e preencher espaços). Estamos aprendendo a fazer processadores cada vez menores para colocar em mãos cada vez maiores… o conceito de eficiência energética e sustentabilidade não está colando quando falamos da nossa própria biologia.

E isso vem de alguém que também está acima do peso. Não chego nem perto de precisar de assentos especiais no transporte público, mas também não estou fazendo minha parte para reduzir o problema. A diferença é que eu passaria horas numa academia e comeria só alface antes de exigir qualquer tipo de aceitação para pessoas acima do peso. A única opção válida para problemas com sobrepeso é emagrecer, o resto é empurrar com a barriga (direito de cada um, mas desde que seja consciente). Se as pessoas forem gordas com essa mentalidade “tô fazendo merda e sei”, tem jogo. Mas se começar a entrar na cabeça do povão que é o resto do mundo que tem que se adaptar à sua forma, começamos a ter um gordo problema. E considerando o tipo de pessoa que mais está engordando atualmente… vamos ter sim esse problema.

Ser gordo sempre foi muito difícil durante a história humana, tanto que alguns quilos a mais já foram sinônimo de atratividade em nossa história. Mostrava que a pessoa estava muito bem de vida! As musas renascentistas que não me deixam mentir. Os tempos mudaram, e agora fica claro como ficou tudo muito mais fácil: os pobres engordam mais que os ricos. Alimentos industrializados que engordam muito estão ficando cada vez mais baratos em relação aos recomendados para uma dieta saudável. E tem outra: alimentação de qualidade tem um alto custo de tempo e dedicação, um custo com o qual pessoas mais pobres normalmente não podem arcar. Não há tempo para nada e o orçamento está curto? Come qualquer porcaria. Muitos de nós vivemos nessa situação, mas adivinha quem é a maioria em qualquer grupo do tipo no Brasil?

Pois é. O BM está engordando. E a vitimização vai chegar, cada vez com mais força. O padrão vai mudando por uma série de fatores que honestamente até são alheios às vontades deles, mas ele vai deixar uma herança maldita: vai todo mundo por as asinhas de fora e começar a exigir que o mundo lhes permita o caminho mais fácil. Emagrecer é trabalhoso, aumentar o banco do ônibus não. Incentivar os filhos a comer alimentos saudáveis é difícil, levá-los num fast food não. E eventualmente estar acima do peso vai ser uma medida alguns bons quilos acima da atual. Percebem o círculo vicioso?

Estar gordo não é o fim do mundo, mas também não é motivo de celebração. E o desfavor é que essa frase vai começar a ficar cada vez mais difícil de ser dita…

Para me chamar de gordo fóbico, para me chamar de gordofóbico, ou mesmo para dizer que ninguém disse que a evolução era uma coisa bonita: somir@desfavor.com

SALLY

É oficial: a maior parte da população brasileira está acima do peso. Na verdade, o número deve ser ainda maior, pois o contato com os entrevistados foi via telefone, o que permitiu a muita gente mentir sobre seu peso (para menos, é claro). Sim, o Brasileiro Médio é estúpido o suficiente para mentir nesse tipo de coisa. Certeza que as hipopótamas roubaram uns dez ou vinte quilos. Neguinho mente! Teve uma brasileira que morreu praticando bungee jump por ter mentido em 20kg o peso, a corda esticou mais do que pensavam e ela bateu de cabeça no chão. Esse é o brasileiro médio.

Com o sobrepeso, vem também o aumento de dezenas de doenças crônicas que afetam organismos sobrecarregados. Já escrevi meia dúzia de textos jogando uma pá de cal nessa bravata de gordinho saudável e a ciência também já deixou bem claro que mesmo que a pessoa não esteja doente HOJE, estando acima do peso tem chances quase que dobradas de doenças sérias como câncer, AVC e outros. Aceita: pode não adoecer, mas as chances de que isso aconteçam são maiores. A probabilidade é de doença, a saúde é uma exceção para quem está acima do peso. Mas todo mundo se acha exceção neste país de vira-latas.

Logo, em pouco tempo teremos uma população quase que duas vezes mais doente do que a atual. Lembrando sempre que o sistema de saúde brasileiro continuará a mesma merda, ou então piorará, seja ele público ou particular, o tratamento dado a essas pessoas será lento, deficitário e insuficiente. Vai colapsar.

Mas, na minha nunca humilde opinião, o lado mais cruel dessa notícia foi a constatação que o sobrepeso está umbilicalmente ligado à classe social. Quanto mais pobre a pessoa, quanto menor a escolaridade, maiores as chances de sobrepeso. Resistindo bravamente à tentação de brincar que quem passa fome não engorda, pensei se em alguns anos não ligaremos pobreza a gordura, como hoje se faz com o uso de lentes de contato azuis, cabelo oxigenado, boné de aba reta e tatuagem com letra de convite de casamento no braço.

A ditadura da estética é cruel, sobretudo com as mulheres. Por isso, cada vez mais surgem procedimentos para emular uma magreza que, ao natural, não existiria. Da mesma forma que antigamente só era desdentado quem era pobre (Mãe Dilma se encarregou de resolver isso trocando voto por dentadura), em alguns anos temo que só seja gordo quem também for pobre, pois quem tiver dinheiro vai dar um jeito de ser magro. Ser gordo vai ser o novo desdentado.

Talvez em algumas décadas estar acima do peso seja sinônimo de burrice, no sentido de não ter escolaridade o suficiente para bancar uma magreza, ainda que lipoaspirada ou medicada. Os pobres serão gordos e os ricos serão magros, mais ou menos o oposto da Idade Média. A civilização é contraditória, não?

Mas de tudo isso o que mais me assusta é a distorção de dados que pode acontecer. Vocês sabem como o Poder Público lida com as estatísticas quando elas vão mal, né? A meta de inflação anual é 10% e a inflação foi de 15%? Muda a meta para 16% e no ano seguinte brada com orgulho que ficamos dentro da meta estipulada. A linha da pobreza está abaixo de R$ 300 reais mensais? Diminui para R$ 120 e grita que erradicou a pobreza. É assim, mexem no referencial para maquiar resultado em vez de atacar o problema e conseguir uma melhora real dos índices.

Em termos concretos, isso pode significar uma redução de todos os padrões de saúde atuais. Um colesterol que hoje é considerado alto, pode ser migrado para “aceitável”. Um peso que hoje se sabe ser prejudicial ao organismo, por acarretar uma sobrecarga do seu funcionamento, amanhã pode ser considerado ok. Nós, que eventualmente viveríamos essa transição saberíamos que é golpe, saberíamos os números reais a serem perseguidos para ter qualidade de vida. Mas… e as gerações seguintes? Bem, essas informações se perderiam no tempo e talvez eles não soubessem. Desavisados, achando que estão dentro de um padrão bacana de saúde, vão começar a adoecer e o Poder Público vai atribuir isso ao pessimismo.

Você pode estranhar essa ideia de uma informação se perder no tempo na era da internet. Mas, justamente pela internet, pelo excesso desmedido de informações, a maioria equivocada, algumas coisas estão se perdendo. Fica difícil encontrar verdade no meio desse aterro sanitário de dados, desse chorume de ideias que é a internet. Acaba que a gente aprende a não acreditar em porra nenhuma do que está lendo e muitas vezes nem consegue ler tudo ou peneirar o que presta em função do grande volume de estrume escrito que a internet está acumulando.

Não se engane, mesmo que todas essas teorias estejam equivocadas, já é trágico ter a maioria da população com sobrepeso, pois temos uma maioria da população potencialmente mais propensa a doenças. Por esse caminho, os saudáveis seremos poucos e a pirâmide da seguridade social pode ruir. Poucos trabalharão muito para bancar muitos encostados, debilitados ou incapacitados em função de doenças. Não acho justo. Obesidade não é algo randômico como Mal de Parkinson, obesidade é fruto de escolhas. E graças à escolha errada de terceiros, nós pagaremos.

O atual sistema de saúde já não comporta as coisas como estão. Majorando significativamente o numero de doentes, vai ficar inviável. Nem mesmo um plano de saúde particular te garante um bom atendimento médico. Vai desculpar, mas em alguns casos, nem mesmo pagando médico particular do seu bolso. Como vai ser quando boa parte dessa massa que hoje está com sobrepeso cair doente em função dele dentro de dez, vinte anos?

É um caso de irresponsabilidade coletiva que ferra com quem fez a coisa certa. Tenho todo o direito de estar revoltada. E nem ousem vir com discurso de que custa caro comer direito. O que custa caro é fazer uma dieta específica, mas comer comida que não engorde é até mais barato: legumes, verduras e cia custam menos do que essas bostas congeladas ou gordurosas que abarrotam os supermercados. Dinheiro não é desculpa, ainda mais em um país com uma variedade enorme de legumes, verduras e frutas.

As pessoas tem dificuldade de encarar o sobrepeso como forma de atraso social e econômico. Assim como um alcoólatra, uma pessoa que trata comida como vício prejudica seu entorno, a economia e o sistema de tratamento médico do país. “Coitado, ele é gordo”. Não, filho. Coitada de mim que faço muitos sacrifícios para me manter no peso e saudável e vou ter que contribuir com o INSS para pagar a conta do gordo. Porque sim, só é gordo quem quer, o corpo humano não fabrica gordura, se ela está lá, entrou pela boca, é um fato científico e não vou me estender por já ter escrito um texto só sobre isso.

Está acima do peso por causa de alguma doença? TRATE. Não tratar de uma doença é igualmente escroto, igualmente desleixo. Se está gordo por causa de uma doença, você não tem culpa de estar gordo, mas tem culpa de continuar gordo. TRATE. Se não tratar ou se não mudar os hábitos de vida, eu vou ter que pagar a sua conta. Isso é injusto e me emputece, ao menos me concedam o direito de me sentir emputecida.

Mas não, não pode falar de gordo, não pode reclamar de gordo, ser gordo é quase que um karma, uma coisa imutável que independe da pessoa. Vão se foderem. Não tem mistério: queima mais do que ingere e emagrece. Vai caminhar, que é de graça. Vai comer legume, verdura, fruta, grão, que é mais barato do que biscoito recheado. Ou ao menos assumam o peso de serem egoístas que optaram por onerar a sociedade e suportem sobre si o peso (turuntss) da revolta. Não é preconceito, eu tenho motivos para me emputecer. O desleixo deles vai refletir em mim.

Para levar para o lado pessoal e tentar me agredir para desqualificar meus argumentos, para dizer que os gordos serão os novos fumantes (discriminados e trucidados socialmente) ou ainda para não entender a complexidade do que fizemos ontem, no Dia do Troll: sally@desfavor.com


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