Skip to main content
Degeneração?

Degeneração?

| Desfavor | | 42 comentários em Degeneração?

Apresentamos um conceito que começa a sair das páginas da ficção científica para a vida real: manipulação genética. A escolha de características físicas de uma pessoa antes de seu nascimento. Sally e Somir discutem até onde deveríamos ir com essa escolha. Os impopulares escolhem se serão manipulados.

Tema de hoje: Manipulação genética por estética deveria ser permitida?

SOMIR

Sim. Mas eu não nego que é complicado tomar esse lado nas discussão. Entendo os riscos possíveis nessa prática e se não me engano, até me posicionei contra há alguns anos atrás aqui mesmo no desfavor. Mas, a vida segue e algumas de nossas opiniões ficam obsoletas. Mais ou menos como a evolução natural humana.

Apelei, né? Temos muito a agradecer pelo longo processo evolutivo pelo qual nossa espécie passou até aqui, apesar de alguns pesares, o projeto até que funcionou bem. Passou pelo teste do tempo… nenhum outro ser multicelular levou tanta sorte na loteria evolutiva quanto nós. Mas, novamente… a vida segue: já estamos num ponto de nossa existência como espécie em que a Mãe Natureza não tem mais a agilidade necessária para lidar com nossas necessidades. Muito obrigado por tudo, mas nós temos que sair do ninho.

E começar a mexer no nosso DNA é parte integrante desse processo de independência. Duvido que a Sally discorde de mim quando falamos de alterar nossos genes para evitar doenças e nos deixar mais resistentes às intempéries da vida, e nem é isso que estamos discutindo. Sim, eu sei que estamos falando de manipulação genética para fins estéticos. Algo muito mais fútil do que combater o câncer.

E com implicações perigosas: sabendo como esse mundo funciona e como a indústria da aspiração exerce grande controle sobre o senso de estética das pessoas, aposto que muitas das alterações genéticas passariam pela inclusão forçosa de genes recessivos em organismos que não os teriam para começo de conversa. Vulgo olhos azuis para todos os lados.

Mas… não podemos olhar apenas para os primeiros passos de uma nova tecnologia. Há uma demanda reprimida de conformidade com padrões de beleza ‘europeus’ na nossa sociedade. Séculos de propaganda racista com certeza deixaram sua marca em nossa espécie. É triste que tanta gente aspire por parecer mais ‘branca’ na esperança de ser mais bonita (e respeitada), mas essa merda já está feita. Temos que evoluir!

Pensemos na escala das gerações: sim, teríamos uma conformidade preocupante nos desejos dos pais sobre a aparência dos filhos no começo, mas a graça dos genes recessivos está justamente na sua raridade. Quantas gerações de nórdicos com corpos de atores e atrizes pornôs a humanidade aguenta antes de ficar com o saco cheio disso? Eu sempre achei as ficções científicas que tratam sobre homogeneidade da aparência humana no futuro falhas no sentido de entender nossa natureza. Mas nem a pau que o ser humano se conforma com a igualdade.

As modas virão e passarão. Loiros, morenos, asiáticos, negros, aborígenes… conte com a humanidade para não se deixar vencer por conformidade absoluta. O argumento racista desaba com o tempo. Mas, é claro, o da futilidade continua valendo. Mas… lutar contra a futilidade é um exercício… fútil. A única característica redentora dela é seu dinamismo: as mulheres rechonchudas da Renascença e as musculosas de hoje que não me deixam mentir. As pessoas VÃO ser fúteis, mas isso não tenderá à estagnação. E isso é importante para o meu ponto aqui.

Mas antes… não podemos esquecer da liberdade pessoal. Se você é livre para procurar uma pessoa com características físicas diferentes de você para procriação natural, você não é livre para definir a aparência genética dos seus filhos? Temos a liberdade de selecionar com quem vamos nos reproduzir, nenhuma obrigação de manter ou modificar as características físicas da sua linhagem natural.

Como é que esse mesmo direito deixaria de existir se a inseminação fosse artificial? Ou pode ou não pode. Não é exatamente a eugenia preocupante que seria se não fosse uma escolha pessoal. Já escolhemos como nossos filhos vão se parecer. Manipular a genética não é algo que se faz só num laboratório! Como de costume, haveria regras. Quer colocar um rabo na criança? Não pode! Não estamos falando de algo que se faria em casa sem nenhum treinamento.

E voltemos ao ponto que queria passar: as pessoas vão ser fúteis. Elas vão abraçar a tecnologia para conferir seios maiores às suas filhas ou pênis mais avantajados aos seus filhos. Mas ao mesmo tempo, vão incentivar o desenvolvimento da tecnologia de manipulação genética. Onde há demanda, há investimento e interesse. No começo seria caríssimo, com o tempo seria trivial, dez parcelas tranquilas sem juros! E a demanda aumentaria novamente.

E, caros impopulares… nesse dia teremos feito uma das duas coisas MAIS IMPORTANTES que a humanidade tem que fazer para continuar existindo: assumir o controle sobre sua evolução. A tecnologia que deixa os olhos de pobres deslumbrados em um azul encantador pode ser a mesma que em algum tempo nos confere capacidade de visão infravermelha. A que deixa nossas peles mais eficientes e seguras para o bronzeamento pode ser a que logo em seguida nos deixe mais protegidos contra a radiação espacial.

Só se alguém ficou em dúvida: a outra coisa mais importante é ter como sair permanentemente da Terra. Essas duas metas garantem que todo o trabalho da evolução natural seja levado em frente.

Faz parte da nossa história fazer as coisas certas pelos motivos mais superficiais. É assim que funcionamos. Enquanto não houver um mercado gigantesco de manipulação genética (mesmo que por motivos fúteis), não vamos ter avanços consideráveis nas áreas mais relevantes da técnica. Tem que popularizar. Fazer o quê? Precisamos dos babacas.

Para dizer que variação genética tem a ver só com aparência e passar vergonha, para dizer que não acha justo nascerem melhor que você, ou mesmo para dizer que o dia que só tiver branquelo nas favelas os condomínios só vão ter negros: somir@desfavor.com

SALLY

Deve ser permitido que a sociedade possa escolher livremente as características físicas dos seus filhos por manipulação genética? Não. Por mil motivos, não.

Uma coisa é excluir um gene de uma doença grave ou até mesmo manipular o sexo de um bebê quando há propensão para uma doença que só se manifesta no sexo oposto. Outra é querer um bebê loiro, de olhos azuis e cabelo liso. Acho monstruoso mexer na genética para fins fúteis de estética, ainda mais no Brasil, onde as pessoas tem bosta na cabeça e não conseguem ter bom senso nem na hora de comprar um desodorante.

É coroar a ditadura da estética, da futilidade. Pensando grande, a variação de biótipos tem uma boa explicação: essa diversidade assegura a sobrevivência da espécie. Mexer nisso pode significar, em casos extremos, no fim da raça humana. E, em matéria de ser humano, eu nunca duvido da capacidade de fazer merda. Neguinho ia acabar com a diversidade e só nasceria criança dentro do padrão/modismo da vez.

Liberdade é bacana, mas às vezes precisamos impor restrições para proteger aqueles que podem ter seus direitos violados pela liberdade alheia. Esses bebês que ainda não nasceram podem ser severamente prejudicados por esse corta-cola genético, bem como toda a humanidade.

Assim como acho que devem ser proibidas as armas nucleares por ter uma desconfiança de que um dia essa porra vai matar a todos nós, a manipulação genética também deve encontrar limites. Sim, o ser humano é burro o bastante para fazer cagada após cagada e acabar com a sua espécie. Pessoas são burras o bastante para precisarem ser protegidas de si mesmas.

É uma porta que, se aberta, não encontrará regulação, graças à alta carga de subjetivismo. Quem decide onde e quando é hora de parar? Pode escolher a cor do olho mas não pode escolher a altura? Pode escolher a cor do cabelo mas não pode escolher o tamanho do pé? Não dá. Melhor nem abrir essa porta, caso contrário teremos uma geração disfuncional de mulheres com 1,80, 50kg, peito gigante e pés 33. Periga nem conseguirem ficar de pé.

A maior parte das pessoas não tem o conhecimento nem o discernimento para “montar” um ser humano viável, que tenha uma existência digna, escolhendo as “peças” do seu corpo. Você pode até dizer que a pessoa não escolheria sozinha, afinal, médicos supervisionariam todo o processo. Mas, lamento informar, um médico não basta para frear a insanidade das pessoas, pois eles próprios muitas vezes carecem de bom senso ou de ética. O nariz do Michael Jackson não me deixa mentir. Tendo dinheiro, neguinho faz qualquer coisa. E a partir do momento que eu acho que esse “qualquer coisa” pode desgraçar a vida de inocentes ou acabar com a raça humana, minha opinião é: melhor não.

Fora esse enorme risco que eu acredito existir, também me parece premiar a futilidade, a imbecilidade. A natureza é bem falha, mas é muito mais sábia que o ser humano. Se aquela combinação genética se deu daquela forma, eu tendo a acreditar que é por algum motivo. Não creio que seja mero acaso. Os genes mais fortes são mais fortes por algum atributo evolutivo, não são obra do Amigo Imaginário. Mexer naquilo que é o melhor, o mais indicado, para colocar algo menos indicado só porque é mais bonitinho me parece imbecil. E quem suportará as consequências não foi o imbecil que escolheu esse caminho e sim um inocente.

Também posso deixar vir à tona um lado romântico aqui: se um casal quer ter um filho, o bacana é que o filho seja uma mistura dos progenitores. Eu gostaria de ver meus genes misturados aos da pessoa que eu amo e identificar características nossas em um filho. Não vejo razão para remover essa identidade entre a criança e os pais e ter um bebê que em nada se assemelhe a mim e a meu parceiro. Eu acredito na importância da identidade genética e no sentimento de pertinência que ela gera.

Como está hoje já me parece um abuso da futilidade em detrimento do bem estar das pessoas. Por mim, mais proibições de intervenções estéticas deveriam existir. Liberdade sim, desde que não se foda com a vida de terceiros inocentes que não tiveram escolha ou se coloque em risco a sobrevivência da espécie.

Se você acha a liberdade mais importante, deve achar um absurdo que proíbam os pais de tatuar um bebê. Qual é a diferença? Tanto na manipulação genética para fins estéticos como na tatuagem, o bebê não tem escolha e não pode desfazer aquela aparência para o resto da vida. Tem que conviver com uma escolha que reflete apenas o gosto dos pais e ostentar aquilo no corpo independente das consequências negativas para sempre.

Filho não é boneca, filho não é brinquedo. Que tenha a melhor carga genética possível, um sistema imunológico forte, tudo de melhor que a combinação dos genes dos pais puder proporcionar. Abrir mão disso só para ter olho azul? Certamente esses bebês precisam ser protegidos contra esses pais que tem merda na cabeça e a manipulação genética para fins estéticos deve ser proibida. Eu já acho ruim brasileiro ter o direito de escolher o nome dos filhos! Milhões e de Jocleversons e Marcleisons passam uma vida de trauma por causa de pais idiotas, imagina se esses infelizes começarem a escolher os genes!

Em vez de focar na manipulação genética para fins estéticos, é hora da sociedade desapegar das aparências e começar a priorizar outras coisas. Indo pela trilha da estética se toma um caminho errado, quanto antes dermos meia volta e escolhermos outro caminho, melhor.

Para dizer que é a favor por achar que o fim da raça humana é algo positivo, para achar que só você deveria poder fazer pois só você tem bom senso ou ainda para tentar defender um meio termo impossível: sally@desfavor.com


Comments (42)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: