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Imbecilidade profissional.

Imbecilidade profissional.

| Sally | | 37 comentários em Imbecilidade profissional.

Pessoas que estão insatisfeitas com seus trabalhos ou com suas condições de trabalho e por isso não se esforçam ou até boicotam seu desempenho. Compreensível, porém equivocado nos mais diversos aspectos. Não me refiro a ética profissional ou questões morais, é ruim para quem o faz. Esta postura é ruim para a sociedade e, principalmente, para a pessoa que o faz.

Se o seu emprego está ruim o bastante para você se sentir no direito de sabotar sua produtividade com coisas como trabalhar menos horas, não fazer o que te pedem com o máximo de empenho, torcer contra a empresa, fingir que trabalha e não trabalhar e outros no mesmo estilo, é sinal de que a situação beira o insuportável. O desconforto nos impulsiona a tomar atitudes, geralmente para melhor, para ganhar qualidade de vida. Ele tem essa função. O descontentamento é a mola que nos tira do fundo do poço.

Porém, se pegamos esse descontentamento e usamos a energia que ele nos dá para fazer o mal, a coisa errada, uma babaquice, na verdade se cria uma forma de acomodação. “Só suporto meu emprego de merda porque não cumpro toda minha carga horária” ou “só consigo trabalhar para esse filho da puta porque uso meu tempo aqui para fazer coisa pessoais” deveriam ser a força motriz que te dá energia e coragem para largar isso e partir numa busca ferrenha por coisa melhor, por coisa que te atenda melhor, que se encaixe de forma mais adequada no que você quer e gosta.

O descontentamento de estar ali tem essa função. Mas aí o Brasileiro Médio, eterno espertão e rei da acomodação, pega essa força motriz positiva e a transforma em algo estupidamente negativo: burla regras, leis e combinados para de alguma forma atacar ou prejudicar a empresa/empregador que o chateia e assim torna suportável, graças a uma falsa sensação de vingança, sua estadia em um emprego frustrante. Uma distorção bizarra que nos mostra como por aqui vale tudo pela lei do menor esforço.

É o mesmo princípio da pessoa que descobre ter levado um chifre e, em vez de pular fora de um relacionamento decepcionante, trai de volta, como se assim estivessem quites. “Ele fez, mas eu fiz também!”. Dois perdedores, parabéns. Se fidelidade era a premissa da relação, meter um chifre em alguém não te faz menos corno. Errar de volta voltando sua artilharia contra quem errou com você não te confere dignidade, muito pelo contrário, torna sua situação ainda mais indigna. Pessoas dignas simplesmente se afastam.

Mas o Brasileiro Médio é tão vira-lata, tão complexado, tão inseguro, que se deixa ofender por tudo e por todos em um grau que lhe provoca afronta. A forma para reparar seu frágil ego complexado é tentando desesperadamente devolver (ou ao menos bradar aos quatro cantos que o fez ou pretende fazê-lo) o mal a quem lhe deu causa, ou, se for o caso, a qualquer um, desde que isso o faça parecer menos perdedor, menos derrotado.

Sofreu um trote horrível na faculdade? Abusivo? Violento? Perigoso? Em vez de aprender com a babaquice e não repetir o que lhe foi desagradável, muito pelo contrário, vai e passa trote em calouros com a maior sede quando vira veterano. Porque né, ALGUÉM tem que pagar, mesmo que não sejam os culpados. Alguém tem que reparar esse ego ferido, porque Deus os livre de ficar com “fama” de otários. E no Brasil, o oposto de otário é esperto. Todo mundo quer ser o espertão, aquele que se dá bem, que transgrede sem punição, aquele que burla as regras, aquele que obtém algum sucesso sem esforço.

No mercado de trabalho não é diferente. Por sinal, muitos que foram espezinhados, quando viram chefes, espezinham de volta para provar (em última instância, a si mesmos, só que não se dão conta) que não são otários. Se sentem otários pois são inseguros e complexados, então precisam provar ao mundo que não são otários, ostentar o quanto não são otários – coisa típica de um otário, pois quem não o é, não tem ímpeto de provar nada a ninguém. E mesmo quando não alcançam cargos de chefia, respondem a qualquer coisa que seja sentida como uma agressão ou um desaforo com uma atitude “esperta” de volta.

Essa cultura idiota de que a falta de reconhecimento profissional se combate, ou pior, se “paga” com um desempenho pífio é um atraso de vida não apenas para quem a pratica, mas para toda a sociedade. Graças a esse pensamento equivocado enraizado na cultura brasileira temos hoje uma das piores crises de prestação de serviços dos últimos tempos. Todos nós perdemos com isso. Quem o faz acha que está prejudicando a empresa ou o faz para se sentir menos otário, mas a verdade é que os reais prejudicados são os terceiros que precisam desse serviço prestado.

Em vez de repudiar quem toma esse tipo de atitude e, assim, criar um mercado de trabalho saudável que não aceite nada que não seja excelência, o Brasileiro Médio parece aplaudir o malandro, o espertão, que “passa a perna” no chefe. Já disse isso antes e vou repetir: se uma empresa mantém um funcionário de bosta, é porque lhe convém. Dificilmente um funcionário dá efetivo prejuízo a uma empresa por trabalhar mal, pois do jeito que o mercado está, quem trabalha mal é demitido sem problemas. Aplaudir a cultura da malandragem profissional atrasa a vida da sociedade e não da empresa.

Em tempos de economia duvidosa e injustiças galopantes no mercado de trabalho, parece que o grosso dos prestadores de serviços e funcionários resolveram adotar essa política da lei do menor esforço. Querem evitar a fadiga, e assim se sentirem menos sacaneados e injustiçados. Mas, o que estão conseguindo é nivelar por baixo o mercado, tornando raras e escassas as pessoas que, independente de qualquer fator externo, zelam pela excelência. Com isso todo mundo se sente à vontade para não se esforçar no seu trabalho, pois esta passou a ser a normalidade moderna.

Não subestimem o efeito em cascata. Sinto que hoje temos uma massa considerável se portando desta forma. Por mais que em um primeiro momento eu até me beneficie disso (os que prezam pela excelência se destacam com mais facilidade ultrapassada a barreira inicial da indicação), é um câncer que prejudica a todos nós. Quem já não tinha muito zelo pelo aprimoramento pessoal acaba se acomodando e ficando ainda pior. Quer dizer, a sociedade em vez de te exigir, te cobrar e impulsionar a ser sempre melhor, acaba endossando e mediocridade. Parabéns, Brasil, por mais essa.

Se você está em uma situação de merda, fica meu conselho: não merdifique de volta quem está te colocando na merda, pois isso atenua seu sentimento de indignação e permite que você continue mais e mais tempo na situação de merda. O fato de merdificar outra pessoa não torna sua situação menos de merda, no dia em que o brasileiro descobrir isso, o país pode começar a ter esperanças de melhorar. A situação de merda TEM QUE ser insuportável, para que a pessoa se mexa e mude sua realidade, atenuar a merda só a prolonga. É tão difícil de perceber?

Não importa o que você esteja fazendo: neurocirurgião, vendendo churros ou escrevendo um blog de graça. Faça com excelência. Faça da melhor forma possível. Faça se esforçando ao máximo. Não se acomode, não vire um medíocre, faça sempre mais do que lhe foi pedido, surpreenda. Isso não é lucro para o patrão ou para a empresa, é lucro para você e para a bosta de país cagado em que você vive. Ou então, faça a si mesmo e ao resto do mundo um favor: quer continuar sendo espertão? Beleza. Só não fique reclamando do país, porque ele está como está graças a esse tipo de atitude.

Tá escroto? Tá injusto? Tá mal remunerado? MEXA-SE, mas para encontrar coisa melhor e não para merdificar ainda mais o que já está cagado. Escrotizar com quem te escrotizou não te torna esperto ou vingado, te faz tão escroto quanto.

Para perguntar porque estou azeda, para refletir silenciosamente ou ainda para pedir Siago Tomir: sally@desfavor.com


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