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Enjaulados.

Enjaulados.

| Somir | | 11 comentários em Enjaulados.

Filhos hipotéticos: o retorno. Sally e Somir concordam que as crianças de hoje precisam de um pouco mais de ar livre em suas vidas, mas começam a discordar quando se escolhe os programas mais adequados. Os impopulares soltam suas opiniões.

Tema de hoje: Levar os filhos ao zoológico?

SOMIR

Não. Se eu tivesse filhos, não gostaria de passar para eles os valores da tortura deliberada em nome da diversão. Sabem como é, há de se ter alguns limites na criação. Sei que hoje vou soar meio ‘ativista dos direitos animais’, mas espero que vocês entendam a diferença sutil entre não ser histérico e violento sobre um assunto e ter objeções éticas a ele.

Para começo de conversa, acredito que toda a questão dos direitos dos animais seja um… luxo. Um excelente luxo ao qual nos permitimos nas últimas décadas: o bem estar de animais irracionais não pode ser considerado uma prioridade na nossa sociedade, mas evoluímos o suficiente para poder tratar até desse ponto. A não ser que você tenha tendências violentas, não deve achar bonito o sofrimento dos animais.

Sou contra os radicais no tema, mas também não acho que estamos realizando todo nosso potencial como animal racional infligindo sofrimento desnecessário nos nossos companheiros de planeta. Uma coisa é precisar usufruir deles para algo necessário como a alimentação, outra completamente diferente é encarcerá-los em condições precárias apenas para que possamos apontar o dedo para eles.

Não vou discutir a graça do zoológico, até porque isso é muito pessoal. Eu achei pouca porcaria nas vezes que fui, e fiquei até meio chateado de ver os bichos naquela condição. No sentido oposto, adoro documentários sobre a vida animal: eles são sim fascinantes, desde que usufruam da liberdade de seguir suas vidas como de costume. É bem mais interessante ver um leão caçando numa tela do que vê-lo entediado e moribundo numa jaula fedida.

Mas ei, gosto é gosto. Não posso basear meu argumento no que eu acho mais divertido, ao contrário da minha CARA companheira de desfavor. Não é por ser um programa agradável ou não, é pelo princípio. Zoológicos são relíquias de um tempo distante, onde a informação não chegava para as pessoas com a facilidade que chega agora. Podemos nos dar ao luxo de não financiar a indústria do encarceramento animal, pelo menos não para fins como o do zoológico.

E para quem acha que as crianças saem perdendo sem ir ao zoológico… bom, os tempos mudam e as experiências que uma criança vive também. Em outros tempos era a única oportunidade de passar esse conhecimento sobre o mundo animal, hoje em dia inventaram coisas como câmeras HD e a internet! Não é a mesma experiência do que ver ao vivo enjaulado, mas quem disse que é pior? Ver o animal pela lente de uma câmera não é tão estranho para essas novas gerações: faz parte da realidade deles o contato via pixels.

E no final das contas, o que crianças precisam aprender com os animais? As lições de afeto, respeito e responsabilidade se dão através de animais domésticos; as sobre os paralelos traçáveis entre o comportamento deles e o nosso também nunca foram de responsabilidade do zoológico. Sobra apenas a compreensível fascinação e o estímulo de ver algo diferente. Oras, a tela pode passar boa parte dessas sensações. Você perde a noção de escala e o cheiro desagradável das jaulas sujas… e basicamente só isso.

Se zoológicos fossem coisas bacanas para os animais, até valeria só por essas partes (talvez não pela parte do cheiro…). Mas não é o caso. Parece muito pouco de retorno para investimento demais. E essa lição as crianças dos dias de hoje precisam aprender. Muitos de nós aqui vivemos numa época de abundância de recursos naturais e leniência com a preservação do meio-ambiente, mas isso está mudando rapidamente.

Nossos filhos tem que ser mais ecochatos do que nós. E isso não é uma questão apenas de ‘luxo ético’, é questão de sobrevivência. O fascínio pelos animais deve vir cada vez mais atrelado à liberdade deles em seus habitats naturais. Nossa atitude comum de “foda-se o Mico Leão Dourado” está datada. Provavelmente vamos ser mais insensíveis com a mãe natureza durante nossas vidas, mas temos que entender que esses valores morrem com a gente.

Essas crianças tem que se tornar adultos com uma noção mais clara de preservação e principalmente separação entre a vida humana e a animal. Se não fizermos isso, estaremos jogando-os aos chacais. As besteiras de gerações que achavam que os recursos eram infinitos estão se empilhando e estamos vendo resultados disso agora mesmo.

Ver o bicho ao vivo num zoológico passa a falsa impressão que eles são um recurso ‘renovável’ no ritmo do nosso avanço como sociedade humana. Eles não são. O animal selvagem ‘distante’ das câmeras e das telas está contido num ambiente que deve ser preservado. Ao invés de fazer a criança ficar fascinada pela imagem (o símbolo) do animal em questão, o ideal é incutir em sua cabeça que existe todo um sistema ao redor disso. O animal é indissociável de uma postura responsável sobre o meio-ambiente.

Sei que parece que eu estou pensando demais no assunto, mas alguém tem que pensar assim, pelo bem das futuras gerações. O que parece excesso de zelo nos dias atuais será costumeiro no futuro. As coisas precisam começar a mudar em algum ponto do tempo, e não existe ponto melhor do que o presente. Zoológicos pertencem aos livros de história, mas somos teimosos demais para admitir.

O mundo mudou, está na hora de agir de acordo.

Para dizer que o futuro são os zoológicos (e só eles), para me mandar soltar um Beagle, ou mesmo para dizer que concorda comigo mas prefere fazer o mais fácil: somir@desfavor.com

SALLY

Levar filhos ao zoológico? Sim, por mais escrota que seja a ideia de animais enjaulados, acho que é uma experiência que acrescenta para a criança, nem que seja para ensinar o quanto aquilo é escroto.

O objetivo de um pai é enriquecer a vida do filho, proporcionando o máximo de experiências que contribuam para sua formação, certo? Nem sempre elas se encaixam em um ideal politicamente correto. Por exemplo, levar uma criança a um Mc Donalds certamente não é bom para ela do ponto de vista fisiológico, mas talvez não leva-la e sonegar-lhe um direito a uma experiência que todas as outras crianças terão seja ainda pior. Criança excluída é criança infeliz.

Sou contra proibições, a menos que estejamos falando de algo que represente um risco efetivo para a criança. Proibições não inibem, fomentam. Permitir com supervisão, dado a devida orientação e ensinando a refletir e formar um juízo de valor me parece mais eficaz. Proibir uma criança de comer no Mc Donalds quanto todos seus amiguinhos o fazem é de uma intransigência babaca que faz mais mal do que bem.Na minha opinião pessoal o mesmo se aplica ao zoológico.

Zoológico é um lugar escroto onde seres humanos se distraem às custasdo sofrimento de animais trancafiados em condições precárias. Não se engane, o mais luxuoso dos zoológicos significa uma condição precária para os animais pelo simples fato de não ser seu habitat natural: para que possam ser observados por humanos em jaulas, o espaço não pode ser muito, sob pena de comprometer a visão dos observadores.

Porém, ainda que seja um lugar escroto, acredito que seja uma experiência insubstituível para uma criança ver um elefante, uma girafa ou um leão de perto. Visita ao zoológico marcou minha infância e sempre foi um passeio que me encantou muito. Livros, filmes ou fotos jamais traduzirão o fascínio que ver um tigre, ao vivo e a cores, na sua frente desperta. Não posso me imaginar sonegando isso a um filho. Por mais escroto que seja o sofrimento animal, enriquecer as experiências de vida de um filho ainda vem em primeiro lugar para mim.

Ainda mais se pensarmos que passeio em zoológico é um “clássico”, crianças são levadas inclusive pela escola para esse tipo de passeio. Proibir uma criança de fazer algo que todos os seus colegas fazem é gerar frustração e exclusão, é fazer com que seu filho tenha uma vivência menor do que o grupo que o cerca. Só em último caso. Não serei eu a colocar o bem estar animal na frente do bem estar do meu filho. Se é uma experiência que vai enriquecer a vida do meu filho, bem, ele vai tê-la.

Não acho que ver um animal ao vivo e a cores seja algo substituível. Se houvesse outra forma de ter essa vivência, eu o faria. Se eu fosse rica e pudesse pagar um safari pela África, pudesse me hospedar naqueles hotéis onde vemos leões pela janela, certamente daria prioridade a esta forma de apresentação de animais. Mas não sou. O que dá para fazer é dar um pulo em São Cristóvão e ver aquele leão cansado ou um urso com isolação. Porém, na minha opinião, melhor isso do que nada.

Já que eu acredito que fotos, vídeos ou qualquer outra reprodução digital não substituam a experiência de ver um animal de grande porte ao vivo, acho que posso colocar a coisa nos seguintes termos: eu topo que um animal sofra para que meu filho vivencie uma experiência que eu considero enriquecedora. Eu aceito pactuar com o sofrimento animal para que meu filho tenha um momento feliz e marcante como eu tive na minha infância. Joguem pedras.

Muitos podem se perguntar exatamente em que acrescenta a uma criança ver um animal selvagem ao vivo. Pois eu acho que acrescenta, nem que seja pelo encantamento que desperta. Mas, mesmo que você discorde de mim, há de convir que privar seu filho de algo que todos seus coleguinhas terão acesso é condená-lo a algum grau de exclusão. Muitas vezes isto é necessário, pois o que mais tem é pai sem discernimento levando filha de 8 anos para fazer progressiva com formol no cabelo, mas fazê-lo motivado pelo bem estar animal? Não seria a minha escolha.

Se tivesse um filho o levaria ao Sea World, mesmo sabendo que as baleias sofrem horrores e nadam em tanques que, proporcionalmente a seu tamanho, parecem um escarro. Eu quero que meus filhos tenham a oportunidade de ver uma orca de perto e até mesmo acaricia-la (exceto se for nosso amigo Tilikum, que meu filho não é chiclete de baleia).

Vamos falar a verdade? É impossível viver ou criar filhos em um ambiente 100% politicamente correto. Você tem algum produto da Apple? Bem, ela faz uso de trabalho escravo. Sofrimento de SERES HUMANOS. Compra roupa na Zara? Le Lis Blanc? Bo Bô? Cori? Gregory? Collins? Marisa? C&A?Burberry? Nike? Adidas? Compra coisas no Wallmart? Utiliza produtos Nestlè? A lista é imensa, não caberia aqui, mas como estas, centenas de marcas utilizam trabalho escravo ou infantil. Pois é, o sofrimento humano não merece tanto prestígio quanto o sofrimento animal? Se você usa estas marcas e não leva seu filho ao zoológico, desculpa, você é um hipócrita.

O que quero dizer é que o discurso contra sofrimento animal é lindo, em tese. Mas na prática, o mundo está tão estragado que simplesmente não dá para viver sendo politicamente correto. Lamento muito pelo tigre, lamento muito pelo elefante, mas não acredito que o caminho para exterminar essa crueldade seja “sabotar” visitas ao zoológico. Isso se coíbe com LEI, e compete ao Poder Público (com ou sem pressão social) se encarregar de regulamentar a questão. Qualquer tentativa individual de mudar uma cultura estabelecida é um espernear patético que sacrifica apenas os esperneantes no Brasil, país sem um pingo de engajamento e mobilização. Meu filho não vai ser cavalo de batalha para causa alguma.

Assim como assistir ao DVD de um show não se compara a ir ao show, ver imagens de um animal não se comparam com a grandiosidade de vê-lo ao vivo. Estando disponível ao alcance das minhas mãos, eu faria questão de proporcionar isso ao meu filho. Morro de pena do bicho, mas tenho ainda mais pena de negar essa experiência a meu filho. Podem começar a gritaria.

Para começar a gritaria, para fingir que não leu as marcas que utilizam trabalho escravo pois não quer parar de comprar seus produtos ou ainda para criticar minha insensibilidade digitando o comentário do seu iphone: sally@desfavor.com


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