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Gosto a gosto.

Gosto a gosto.

| Desfavor | | 27 comentários em Gosto a gosto.

Já dizia o sábio anônimo que gosto é que nem cu: cada um tem o seu (e o dos outros fede mais). Sally e Somir tem seus gostos específicos e não se rendem a algo só por ser popular, mas na hora de dividir esses gostos com o mundo, não entram em acordo. Os impopulares participam, se gostarem.

Tema de hoje: Ser sincero se te perguntarem sobre o que você não gosta?

SOMIR

Sim. Não nego que sinceridade traz sua carga de riscos numa sociedade conformista e hipócrita como a nossa, mas há de se tomar o cuidado para não ser completamente engolido pela opinião mais popular. Compreendo a vontade de se integrar melhor na sociedade, mas não é como se isso fosse tão vantajoso assim.

Primeiro vamos falar do óbvio: é divertido dar uma esfregada de verdade na cara dos outros. Não importa a merda que você goste, a tendência é que as outras pessoas ou não tenham gostos definidos o suficiente para discordar de você, ou que não tenham coragem de fazê-lo. As pessoas simplesmente não esperam que alguém vá falar mal de algo que gostam.

Normalmente elas sequer tem estrutura para lidar com essa confrontação. Muito pouca gente nessa vida vai se comprometer o suficiente para dizer a verdade, e isso deixa todo mundo meio ‘flácido’ nesse aspecto. Dizer para alguém que não gosta de algo que ela gosta gera hilárias caras de espanto e silêncios deliciosamente desconfortáveis.

Talvez seja algo muito pessoal, mas tirar alguém da zona de conforto assim me dá um grande prazer. Fico com a sensação de que estou a segundos de finalmente conhecer o ser humano na minha frente. Uma pessoa só existe de verdade quando a fachada social desaba. Desse momento para frente, existem riscos sim, mas algumas das recompensas disponíveis fazem tudo valer a pena.

Muitos estão acostumados a entender discordância de gostos como ataque pessoal, automaticamente entrando na defensiva. Se você souber lidar com a situação a partir daí, pode sair dali com uma relação muito mais forte do que sairia se simplesmente mentisse como é de costume. Claro que é nessa hora que o choque pode virar agressividade ou ressentimento, mas fica ao critério de quem quebrou a barreira de hipocrisia como desenvolver o momento.

Se você estiver calmo e controlado, pode tentar demonstrar como não pactuar com os gostos do outro NÃO é sinônimo de ataque pessoal. Existe uma fascinação do ser humano com o que é diferente da norma, basta saber aproveitá-la. Se você for claro de como não gosta da coisa e souber ficar só nela, pode até ficar parecendo mais interessante para a outra pessoa.

E outra, você se apresenta muito melhor assim. Sally que me ensinou isso há alguns anos: sabemos muito melhor por que não gostamos de algo do que por que gostamos. E é muito verdade! É um processo intelectual mais complexo, e até mais transparente. Num mundo de gente escondida atrás de fachadas, quem se mostra um pouco mais fica mais interessante.

Como de costume na vida, fazer a socialização pela discordância é mais complicado, mas tem maiores recompensas. As pessoas não gostam de admitir que ficam impressionadas com opiniões fortes contrárias as delas, mas sem a presunção de enfrentamento pessoal, é grande a chance de você se tornar um ser humano mais visível e rememorável se for honesto sobre o que gosta e o que não gosta.

Uma coisa é ser mais um que achou aquela roupa linda, outra é ser o único que disse que não combinava com ela. Como é muito humano dar maior valor à opinião negativa, você vai exercer um poder muito maior sobre qualquer pessoa se for mais honesto. Muitos vão te dizer que é melhor ficar camuflado na multidão, mas a verdade é que você precisa se destacar para conseguir as melhores oportunidades.

As pessoas anseiam por alguém que diga a verdade, mesmo que na superfície ajam de forma incompatível. Você quer o amigo que te avisa quando tem papel higiênico preso no seu sapato, não o que sorri e te deixa passar vergonha a festa inteira. Sim, tem quem vá ser imune a qualquer explicação de que não é um ataque pessoal, mas normalmente é gente tão babaca que nem vale a pena manter por perto.

E outra: te livra de muitas furadas. Fingir que gosta de algo que não gosta é receita de desastre. Uma hora vão te convidar para aquele show de um cantor sertanejo (pode ser qualquer um, eles são idênticos) e você vai ter de lidar com a mentira que contou anteriormente quando perguntado se gostava. Aí você pode se indispor com a pessoa que vai achar que você não quer ir por causa DELA, e não porque seus ouvidos não são penico.

O que não falta por aí é caso de gente que ‘ganhou’ um gosto por falta de coragem de dizer a verdade e até hoje é lembrada e até presenteada baseado nele. Você acha bacana que alguém comece a te chamar por outro nome? Você não corrige quando erram? Por que abrir mão da sua individualidade quando são gostos envolvidos? Eles são parte da sua personalidade!

Como é comum presumir que todo mundo gosta de coisas populares, sobra pouco material para diferenciar as pessoas. Você pode ser mais um, ou pode ser aquela pessoa que acha novela uma merda. Querendo ou não, precisamos de classificações para entender o grupo de pessoas que nos cerca. A pessoa vai te colocar em alguma categoria, então que pelo menos seja uma baseada nas suas opiniões e gostos reais.

Se não gosta, fale. Não se perca no meio da multidão.

Para dizer que amou o texto, para dizer que não mudaria uma palavra do que eu escrevi, ou mesmo para dizer que mal pode esperar pelo próximo: somir@desfavor.com

SALLY

Opinar SINCERAMENTE quando um conhecido te perguntar sobre algo que você não gostou? Não, gente. Em que mundo vocês vivem? Não estão sabendo que discordar e criticar ofende? Discordância e críticas só para amigos, e mesmo assim, aqueles mais próximos e mais bem resolvidos.

Visualizem as seguintes cenas: Situação 1. Uma colega de trabalho pergunta para a outra “Gostou do meu novo corte de cabelo?” e a colega responde “Não, achei que te deixou mais gorda, além disso repicado está fora de mora. Situação 2. Um colega de trabalho puxa uma foto de um bebê-monstro e pergunta para alguém se não é lindo, ao que a pessoa responde “Desculpa, mas não achei seu filho bonito”. Situação 3. Conhecido te chama para ir ao show do Roberto Carlos, perguntando se você gosta do Rei e escuta como resposta que, não, obrigada, você acha ele um velho decrépito, maluco, alisado e decadente. Quais as chances disso dar certo?

Uma merda que seja assim, mas as pessoas se ofendem quando tem que escutar que alguém não gosta de algo que elas gostam. Destoar no gosto é sinônimo de grosseria hoje em dia. Não que eu não sinta um prazer sobrenatural em ser grosseira, ser grosseira é a minha cachaça, me acolhe a alma, me faz feliz. Mas, infelizmente, fazer relações públicas, cultivar o social, é indispensável nos dias de hoje. Sobretudo profissionalmente.

Então, se você quer ser bem sucedido ou ao menos conseguir pagar suas contas, não pode dizer que não tem religião e que não gosta de religião. Não pode dizer que acha sertanejo um estupro auditivo. Não pode dizer que não assiste novela nem reality show porque felizmente nasceu com cérebro. E, finalmente, não pode dizer nada disso, nem mesmo com jeitinho, com elegância, com educação. Porque discordar, ainda que da mais polida das formas, ofende e predispõe a pessoa contra você.

A discordância a gente guarda para os amigos, aquelas pessoas que passaram por um filtro, que sabemos não ser completos mongoloides, com as quais construímos uma relação de confiança e cumplicidade. Com estes sim nos preocupamos, queremos dizer a verdade, queremos alertar. Mas com colegas? Não, obrigada.

Para colegas o vestido está sempre lindo, a igreja é sempre ótima mas eu é que estou sem tempo e o show deve ser muito legal, mas eu é que estou sem dinheiro para ir. Ponto final. Escolham suas batalhas, Senhoras e Senhores. Escolham suas batalhas que o mundo está muito bélico e brigar por esporte é desgaste desnecessário.

Se achar no direito de romper uma convenção social vigente chamada “hipocrisia social” só para dar sua maravilhosa e imperdível opinião é arrogância. Além de arrogância, é burrice, pois sua maravilhosa opinião pode fechar portas, se não agora, em um futuro. Não me entendam mal, eu adoro opinar, principalmente quando é para cobrir os outros de merda da cabeça aos pés. Dar choque de realidade em pessoas é divertido para mim. Mas, infelizmente, neste contexto social, acaba sendo um tiro no meu próprio pé. Sente vontade de falar? Escreve um blog. E que seja anônimo!

Não tem estômago para mentir? Não opine. Existem dezenas de formas de sair pela tangente sem opinar. Se preciso for, simule um desmaio, mas não critique algo que um conhecido levou até você, por mais que ele tenha pedido sua opinião. Funciona assim: quando uma pessoa te pede uma opinião sobre alguma coisa, a tecla SAP da convenção social é: a pessoa está te pedindo para elogiar aquela coisa. Bizarro, eu sei. Eu culpo as redes sociais.

Através de anos de redes sociais as pessoas carentes selecionaram como amigos apenas aqueles que elogiam, que curtem suas fotos, que passam para deixar recados massageadores de ego. Durante algum tempo (Orkut), esse comportamento ficou restrito às redes sociais. Mas, com o advento dos smartphones, que funcionam como computadores de bolso, o uso de redes sociais se tornou onipresente e as pessoas começaram a dar mais importância e gastar mais tempo em redes sociais do que na vida real.

Quando a vida da pessoa é uma bosta ou uma coisa meio mais ou menos, deve ser mais agradável viver em um mundo onde você pode escolher o que quer ser, o que quer aparentar, o que quer transparecer. Essa armadilha pegou de jeito o ser humano e ele deslocou sua vida principal para as redes sociais. Como dito, nas redes sociais o modo de funcionamento não é similar ao da vida real, são vidas falsas, um mundo falso, pessoas falsas que se elogiam em troca de elogios de volta.

Pois bem, as pessoas se acostumaram a funcionar assim. Esse passou a ser o padrão dominante. Quando este padrão de elogios perenes entrou em choque com o padrão socialmente vigente (pode opinar livremente), começou a histeria. Minha geração passou por essa fase turbulenta e muitos, eu inclusive, sofremos para perceber esse mecanismo todo e para tentar uma adaptação. Não tem jeito, eles venceram. O padrão vigente hoje passou a ser o de redes sociais no mundo real. Eu não quis entrar no Facebook, mas o Facebook entrou em mim. À força. É a facebookização das relações sociais.

É por isso que lhes digo, após anos e mais anos errando sem saber onde, lutando contra a facebookização da vida real em vão: guardem suas opiniões sinceras apenas para os amigos. O padrão de funcionamento social é esse e só pode lutar contra isso quem já está muito bem estabelecido na vida e não depende de contatos para nada. Ou idosos, que ganham o aval social para falar qualquer merda. Não vejo a hora de completar 60 anos, para pode voltar a dizer livremente o que penso. Viver assim é sufocante, porém necessário.

Joguem o jogo, porque são vocês contra o resto da sociedade. A massa nos esmaga, não dá para lutar sozinho contra uma maioria avassaladora, ao menos não batendo de frente. Na surdina, com inteligência, com estratégia, a gente chega lá (e estamos aqui é para isso mesmo!). Mas se bater de frente, quem perde é você.

Não opine. Esquive-se. Minta. Omita. Faça como achar melhor, mas em matéria de conhecidos, a verdade quase sempre fecha portas. E quando portas se fecham, quem se ferra é quem toma a porta na cara e não quem está do lado de dentro e te trancou do lado de fora. Sejam inteligentes. Tá puto? Tá revoltado? Precisa desabafar se não vai explodir? Vem pra cá. Desfavor nasceu justamente por isso e para isso.

Para dizer que eu traí o movimento, para acreditar que você pode lutar contra códigos sociais batendo ou ainda para ser sincero e dizer que acho meu texto uma bosta: sally@desfavor.com


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