Skip to main content
Senha da discórdia.

Senha da discórdia.

| Desfavor | | 42 comentários em Senha da discórdia.

Com a internet, hoje em dia temos senhas para praticamente tudo. Sally e Somir discutem quem deve ter acesso a essas senhas num relacionamento. Os impopulares contam seus segredos.

Tema de hoje: Há problema no(a) parceiro(a) saber suas senhas?

SOMIR

Sim. Senha é algo pessoal e muito se engana quem acha que relacionamento é essa coisa ‘cagar de porta aberta’ de dividir tudo. Vamos primeiro entender que senhas são essas: contas pessoais de e-mail, redes sociais ou mesmo de dispositivos como celulares ou computadores. Coisas que não são do casal e sim da pessoa. No caso de uma conta conjunta é óbvio que não tem problema, oras. Estamos falando de coisas íntimas e pessoais.

Um casal é a união de duas pessoas, ênfase na “união”. Dois elementos separados que resolvem se aproximar e dividir momentos e experiências da vida. Infelizmente muita gente acha que união é sinônimo de amálgama, como se o casal tivesse que virar um ser novo, mistura de ambos. Isso não é relacionamento, isso é medo de ficar sozinho: abdica-se do que é próprio e pessoal em nome de uma companhia tão constante ao ponto de parecer uma extensão do próprio corpo.

Quem quer se relacionar não se funde. A graça está em se unir em prol de um objetivo, mas mantendo-se o que já existe como fundação. Boa parte da graça de um relacionamento é lidar com o outro, permitir-se surpreender às vezes, tem que existir um mínimo de risco para manter as coisas interessantes. Qual a graça de alguém sobre quem já se sabe tudo?

Privacidade é algo valiosíssimo na vida. É sinônimo de liberdade. Quem cede privacidade abre a porta para o escrutínio alheio e pede para ser mal interpretado. Tem coisas que são só nossas e não é bacana ser obrigado a dividi-las. Muita gente não vai entender e você vai ser punido por algo provavelmente inofensivo. É assim que controla-se populações: fazendo as pessoas se vigiarem e eliminando privacidade.

E outra, tem gente que não gosta de ter sua vida devassada. Eu sou um livro fechado e ai de quem me negar esse direito! Essa pressão social de dividir tudo num relacionamento faz muita gente ser forçada a fazer o que não se sente à vontade fazendo só para fazer os outros acreditarem na veracidade do seus sentimentos. E quem disse que amar é abdicar da individualidade?

É preciso deixar a outra pessoa ter sua vida separada de você. Um relacionamento não substitui tudo (muito embora muita gente pense assim) e é até mais bacana para o casal que ambos tenham suas experiências próprias para que ambos possam somar ao conhecimento do outro. Querer misturar tudo deixa as coisas previsíveis e estagnadas. Relacionamentos saudáveis são compostos por duas pessoas inteiras.

E mais importante, que confiam uma na outra. Gente ciumenta também sabe ser esperta: dizem que há praticidade em deixá-las ter acesso a todas suas contas e aparelhos citando uma série de situações onde elas podem economizar tempo e resolver pequenos problemas com esses acessos. Mas a verdade é uma só: querem as senhas para bisbilhotar. Quem não quer espionar não faz questão NENHUMA de saber senhas. Isso é golpe. Eu não caio.

E aqui provavelmente entra o argumento que a outra parte vai usar: “quem não deve não teme”. Eu sou tão contra essa frase que temo gastar todo o espaço falando só dela. Mas vou me controlar e falar primeiro sobre a parte de fuçar na privacidade alheia. Se você precisa inventar desculpas para ficar espionando seu(sua) parceiro(a), o relacionamento vai mal, vai muito mal. Sei que para muita gente relacionamento é baseado apenas em carência, mas para mim ele é 100% confiança. Acabou a confiança, acabou o relacionamento. Simples assim.

Eu tento tratar os outros como gosto de ser tratado: eu confio porque não admito não ser de confiança. Não quero saber senhas, não quero saber onde está indo, com quem vai… faz o que bem entender. Confiança se ganha uma vez e se perde uma vez, ponto. Não tem nada do que ficar vigiando adultos para evitar que eles façam merda: vão fazer de qualquer jeito. Eu me recuso a prestar o papel ridículo de ficar lendo mensagens de uma mulher para saber o que ela está fazendo. Se ela quiser me contar, me conta. Se não quiser, não me diz respeito.

Mas vamos tentar condensar a parte do “não deve, não teme”: essa frase é horrível porque diz que a paz só existe sob a vigilância alheia. Transforma todos nós em culpados potenciais até fornecermos uma prova de inocência. Absurdo! Somos inocentes até que se prove o contrário. Eu tenho horror da ideia de ser acusado e ser obrigado a me provar inocente. Nenhum sistema legal do mundo moderno trabalha com essa ideia escrota, e não é à toa.

“Não deve, não teme” é mentalidade medieval de um mundo em que ninguém gostaria de viver. Você não deve, PONTO. Quando dever, aí sim que corra algum procedimento contra você. Você quer que outros tenham acesso a sua intimidade portando apenas uma acusação? Estou sendo consistente aqui. Tem coisa mais importante que um relacionamento nessa vida: liberdade e individualidade são duas delas.

Quando se segue um ideal consistente de direito à privacidade e princípio de inocência, você não diz “quem não deve não teme” nem de brincadeira! O mundo já sofreu demais com essa frase nefasta e o melhor que fazemos é afundá-la no ostracismo, lugar que lhe pertence.

E sim, eu sei que estou condicionando meu argumento das senhas à vontade da outra parte de devassar sua privacidade, mas pensem bem: quem se preocuparia tanto com pedir suas senhas se não quisesse saber o que elas protegem?

Direito de cada um ceder à desconfiança do outro, mas eu passei dessa fase. Eu não devo, e só.

Para dizer que é muito papo para esconder os vídeos pornôs no Whatsapp, para dizer que deve e teme ou mesmo para dizer que cagar de porta aberta é seu modelo ideal de relação: somir@desfavor.com

SALLY

Vamos prestar atenção na pergunta? A pergunta é HÁ ALGUM PROBLEMA em seu parceiro saber as suas senhas? Não, não há problema algum, se você não tiver nada a esconder. E se você tiver algo a esconder acobertado por uma senha, desculpa, você é um idiota, pois não existe senha que não possa ser quebrada.

Atentem que a pergunta não é sobre a obrigatoriedade de dar a senha para o parceiro. Dá quem quer, quem não quer não dá. A pergunta é se quem escolheu dar suas senhas ao parceiro está se portando de forma problemática, equivocada ou anormal. NÃO. Se confia no parceiro e quer dar as senhas, não vejo problema algum.

Posso pensar em mil razões para um parceiro ter uma senha do outro. Desde poder mexer na conta bancária em caso de morte até reenviar um e-mail que por algum motivo não foi enviado no prazo correto. Pouca diferença faz o motivo, o ponto é que não me parece anormal, não me parece disfuncional informar a um parceiro suas senhas.

Evidente que ninguém aqui vai sair dando suas senhas para uma pessoa que mal conhece. A ideia de parceiro pressupõe amor e confiança. O grande problema é que as pessoas andam aceitando qualquer bosta como parceiros, e a consequência natural dessa falta de filtro é se relacionarem com pessoas que não são confiáveis. Porra, se não existe confiança, a senha é o de menos, o relacionamento nem deveria existir!

Confiar uma senha a seu parceiro não significa que ele vá fuçar tudo aquilo a que essa senha dá acesso. Só uma mente muito invasiva e fofoqueira veria as coisas por esse ângulo. Em bom português, se você depreende que dar a senha é dar passe livre para fuçarem sua vida, provavelmente é porque você é assim e está projetando seu defeito nos outros.

Dar sua senha a alguém é apenas dar sua senha a alguém. Não autoriza à pessoa fuçar, mexer, mudar, apagar ou responder a nada. De onde vem tanto medo camuflado de privacidade? Francamente, vejo pessoas que evadem sua vida em grau máster se ofendendo com a ideia de compartilhar senhas. Privacidade não é o problema, rabo preso sim. Quem não deve, não teme.

Eu me considero uma das poucas pessoas que, se tiver redes sociais (whatsapp é classificado como uma), e-mail, SMS e tudo no estilo lido em voz alta em praça pública não geraria qualquer mal estar para um parceiro na constância de um relacionamento. Essa é a regra? Não, essa é a exceção. O que quero mostar é que a exceção existe, já que muita gente insiste no “todo mundo tem algo a esconder”. Não, todo mundo não, desculpa aí. Não devo e não temo, dou minhas senhas sem receio se confiar na pessoa.

Somir, por exemplo, sempre teve todas as minhas senhas. Ok, ele não lembra da maioria delas, mas em algum momento ele já as soube. Todas ou quase todas. Inclusive muitas senhas nossas são iguais. Não vejo o menor problema nisso. Tudo que está na minha caixa de e-mail ou em rede social pode ser lido. Sabe porque? Porque eu não sou idiota de dizer coisas comprometedoras online.

Se você não quer que seu parceiro saiba sua senha de jeito nenhum por medo que ele revire suas entranhas, de dois ambos: não confia no parceiro ou está devendo. Porque quem está ao lado de uma pessoa com amor próprio sabe que esta pessoa não vai se prestar ao papel de fuçar nada. E quem não deve, não se importa que sua correspondência seja vista. Privacidade online não existe e se você discorda, ou é burro ou é inocente.

A senha está lá para evitar que o resto do mundo veja um determinado conteúdo. Essa ideia de uma senha para que “ só eu” possa ver é um tanto quanto bizarra. Pessoas confiam a chave de suas casa para parceiros, mas dar a senha do e-mail seria absurdo? Pessoas tem conta conjunta em banco, mas compartilhar senha de rede social nem pensar? Juro, não entendo.

Informar sua senha não é abrir mão de privacidade, porque se você se relaciona com uma pessoa normal, sua privacidade não vai ser invadida apenas pela ciência de uma senha. Dar a senha não implica, ou não deveria implicar, em devassar sua vida. Além disso, quem coloca sua privacidade ao alcance de uma senha, tá precisando urgente de um psicólogo.

Essa peneira toda que as pessoas fazem na hora de esconder tudo com senhas deveria ser exercitada na hora de escolher seus parceiros, pois escolhendo uma pessoa segura, bem resolvida e com amor próprio, não é necessário trancar nada debaixo de senha. Construindo uma relação saudável e de confiança, senhas se tornam risíveis. É assim que eu vejo.

Isso quer dizer que temos que compartilhar absolutamente tudo com nossos parceiros? Não, claro que não. Isso quer dizer que aquilo que não pode ou não deve ser compartilhado não deve jamais ser colocado sob a falsa proteção de uma senha, justamente por essa proteção ser falsa. O que não deve ser compartilhado não deve ser registrado em lugar algum. No dia em que o ser humano aprender isso, os relacionamentos vão melhorar.

Senhas não são necessárias em um relacionamento saudável baseado na confiança. Eu sei muitas senhas do Somir, inclusive a do e-mail dele do desfavor e nunca, em seis anos de blog, entrei na sua conta para nada. Senhas te protegem de gente fofoqueira, abusada, sem noção e sem limites. E se o seu parceiro é assim, bem, não entendo o que você pretende construir ao lado dessa pessoa.

Não vejo problema algum em saber as senhas do parceiro ou em dar suas senhas a seu parceiro. Muito pelo contrário, eu vejo problema é em precisar esconder informações debaixo de senhas. Não pelo segredo, que segredos todos mundo tem, mas pela burrice de acreditar que existe uma senha 100% segura.

Senha é como cu: não se cobra, mas, querendo dar, problema de cada um.

Para repensar muita coisa na sua vida, para se escorar no fraco argumento da privacidade de modo a camuflar que faz merda debaixo de senha ou ainda para pedir as minhas senhas: sally@desfavor.com


Comments (42)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: