Skip to main content
Elegendo a discórdia.

Elegendo a discórdia.

| Desfavor | | 30 comentários em Elegendo a discórdia.

+O clima de guerra eleitoral na internet levou o Ministério da Justiça a lançar neste mês uma campanha nas redes sociais para conscientizar os militantes virtuais. “Não confunda discurso de ódio com liberdade de expressão”, diz um cartaz.

Sim, estamos monotemáticos. Quando a discussão política vira briga pessoal, toda a utilidade dela vai pelo ralo. Desfavor da semana.

SOMIR

Não nego que existe um prazer em discutir com os outros na internet. Já fui muito afeito a isso, hoje bem menos. Não diminuiu a arrogância de me achar certo, isso provavelmente vai comigo até o túmulo. O que mudou foi a expectativa de fazer alguma diferença. Um pouco de experiência de vida te ensina que tem hora e jeito certos de se discutir se você quer algum resultado.

Antigamente eu era capaz de escrever uns dez textos de desfavor numa rede social (o Orkut não deixava de ser uma) brigando com algum estranho que porventura estivesse ‘errado’. Gosto de argumentar e até sou bom nisso, mas não era uma questão de educar outro ser humano: era a viciante mesquinharia de ter a última palavra.

E não era ‘trollagem’ não, eu evitava as táticas de desestabilização de adversário (que por sinal são muito divertidas) e ficava girando ao redor de meia dúzia de assuntos sem parar. Eventualmente essas discussões entravam num círculo vicioso de repetição e frustração até que alguém ficasse de saco cheio, se auto-proclamasse vencedor e desistisse da enrolação.

Isso pode ser útil para treinar a própria capacidade de argumentar e fazer sentido, mas não me lembro de nenhuma vitória ‘real’ nesse processo todo. E por vitória real eu quero dizer convencer outro ser humano de que seu ponto de vista merece ser adotado. Discutir na internet é mesmo como as Olimpíadas Especiais…

Normalmente as discussões acabavam por frustração acumulada. E era o melhor que se podia tirar dali. Comecei assim para dizer que eu não estou acima de fazer o mesmo que tantos brasileiros estão fazendo nos últimos dias. Essa masturbação argumentativa é tentadora, principalmente se você tem alguma segurança sobre o que está falando.

Não digo estar certo, porque estar certo é uma das coisas mais difíceis desse mundo… Basta ter a segurança que está fazendo mais bem do que mal ao jogar sua opinião para o mundo. E agora que OU Aécio resolve OU Dilma resolve, o que não falta é gente segura na certeza de que há mérito em suas palavras.

O problema é que na prática o destino desse caminho da discussão pela discussão é a frustração. E frustração é o tipo da coisa que envenena nossa mente: ela vai se instaurando na nossa percepção sobre o assunto até que a própria menção dele torne-se irritante. Tem vários assuntos que eu até acho interessantes, mas me deixam de saco cheio só de imaginar discutir.

Por exemplo: teorias da conspiração. Perceberam que eu normalmente sou percebido como o cético no assunto por aqui, mas nem me dou ao trabalho de explicar por que não pactuo com a maioria absoluta delas? É um dos temas queimados para mim.

Você já sabe o que vem do outro lado, já sabe que não vai convencer ninguém, já sabe a parte daquele assunto que sempre te deixa incomodado. A frustração de algumas discussões desastradas vem com força total logo no começo de uma nova. E aí que a intolerância começa a fazer sua morada.

Intolerância sobre o tema e sobre os que discordam de você. Falsamente misturadas num mesmo saco pra lá de cheio. Oras, não é a outra pessoa, não é nem o assunto, é a frustração falando! Eu ainda gosto de falar de política porque tenho a sorte de encontrar gente com visões diferentes bem fundamentadas e normalmente ter minha educação respondida à altura. Discordo de muita gente no assunto, mas quase sempre estou disposto a encarar uma discussão.

O que me preocupa nos dias de hoje é a quantidade enorme de pessoas sendo expostas à espécie mais frustrante de discussão justamente quando o assunto é política. Gente raivosa desesperada para vencer o argumento berrando de todos os lados. Temas girando em falso e discordâncias vazias. Isso cobra seu preço mais para a frente.

Meu medo é que essa baixaria toda da disputa eleitoral frustre o brasileiro de tal forma em relação à política que a intolerância ache seu espaço. Não só a intolerância à opinião diversa, mas à discussão em geral. Quem não está brigando está de saco cheio. Quem está brigando logo logo vai se unir ao grupo dos frustrados.

A vitória eleitoral é efêmera. E assim que o vencedor da eleição começar a fazer suas merdas como é de se esperar, a graça de tomar um lado vai se diluir. Candidatos são seres idealizados, e a fachada rui em poucos meses. A ressaca dessa briga toda tende a fazer justamente o contrário do esperado: despolitizar ainda mais o brasileiro.

Vou culpar o povão por brincar com um brinquedo novo? Não, não vou. Apesar de achar que o brasileiro médio abraçou essa briga com entusiasmo demasiado, a primeira dose de ter uma opinião e defendê-la é mesmo muito doce. Quem tem sim culpa no cartório são os estrategistas profissionais das campanhas que deitaram e rolaram em cima desse engajamento sem precedentes do brasileiro para incentivar a forma mais danosa de discussão política. Quem tem culpa são os candidatos que aceitaram esse jogo de polarização maniqueísta e deixaram suas propostas em segundo plano.

Distorcer um raro interesse do brasileiro em política numa briga entre dois partidos foi o grande legado dessa eleição. E quando acabar a eleição, um grande foda-se para esse povaréu que estremeceu até mesmo suas relações pessoais para ecoar o discurso ensaiado de seus candidatos.

Segunda-feira é dia de ficar de saco cheio da política. Parabéns por nada.

Para dizer que eu ainda sou chato argumentando, para dizer que o povo não tem sofisticação nem para enjoar disso, ou mesmo para dizer que esse discurso favorece algum candidato: somir@desfavor.com

SALLY

O Brasileiro Médio e seu mau uso das redes sociais conseguiram estragar mais uma coisa importante: o processo democrático. Graças a esse modismo de se ofender com discordância, a discussão sobre política virou uma briga agressiva para ter razão em vez de uma saudável troca de ideias para acrescentar e refletir. Pior: ao que tudo indica, é assim que vai ser daqui para frente. Esse é o novo jeito de funcionar do brasileiro.

Sim, vai ser assim daqui para frente. Ao menos se o PT ganhar, já que é ele quem imprime esse tom de “estão contra mim”, de “nós x eles”, de “quem discorda de mim é um filho da puta”. Isso é sim mérito do PT, e, vai desculpar, mas eu prefiro qualquer roubalheira, cocaína ou ilegalidade do mundo do que isso. Sabe por quê? Porque isso está subvertendo o funcionamento saudável da sociedade de forma irreversível.

Ataques pessoais ao interlocutor (e não aos argumentos), listas negras, ameaças. Até quando? Eu não quero isso para o meu país. Eu não quero me transformar em uma republiqueta da América Latrina onde não se pode criticar o governo sem ser preso/morto/perseguido. Falem o que quiserem da oposição, de qualquer oposição, eu pago o preço de qualquer outra coisa, mas isso eu não tolero por nada.

O discurso do medo para mim se aplica não ao passado, mas ao presente: tenho medo que as coisas continuem como estão. Nenhum passado, nem FHC, nem ninguém, me mete mais medo do que as coisas como estão AGORA. A sociedade brasileira está muito doente. E temo que seja uma doença crônica, a menos que se corte o mal pela raiz.

Pessoas idiotas, frustradas, com uma carga de angústia muito grande por causa da vida de merda que levam (trabalho não gratificante, vida amorosa infeliz e tantos outros) descobriram que podem canalizar toda essa angústia para um confronto agressivo atacando quem pensa de forma diferente. E o estão fazendo. E parecem estar gostando do mecanismo, as alivia e elas nem mesmo percebem que estão canalizando uma angústia de suas vidas. E só vai piorar.

Gente assim sempre existiu e sempre existirá, a diferença é que antes era socialmente recriminado fazer isso. Era coisa de maluco, de sem noção. Agora é bacana, é socialmente aceito. Adivinha quem tirou esta trava que era fundamental para um debate saudável? O PT. Porque debate saudável não interessa a eles, como a campanha já deixou bem claro: 27 minutos de ataques ao outro, 3 minutos falando das suas propostas.

Ao tirar essa trava o PT prestou o que talvez seja o maior desserviço ao Brasil. Pessoas estão desaprendendo a discutir ideias e estão viciadas em discutir pessoas. Isso está virando a regra, e não uma exceção escrota de gente burra. Muito conveniente para quem não tem argumentos para discutir ideias: tumultuar, agredir, usar falácias. Criar a sensação de um grupo, uma equipe, um time, que se une contra outro como sinônimo de debate político é simplesmente deprimente.

Essa forma de funcionar está se consolidando. Vem sendo alimentada. O grupo agressor, os pais deste filho feio, tanto bateram que muitos estão perdendo a compostura e revidando – compreensível. Como todo passivo-agressivo covarde filho da puta, batem, batem, batem e quando a pessoa se cansa e revida, pegam o revide, o camuflam de agressão e o potencializam para se vitimizar. Todo mundo aqui já deve ter estudado ou trabalhado com um passivo-agressivo que faz isso. Pois é, agora esse mecanismo perverso está acontecendo de forma coletiva.

Ninguém parece se dar conta. As pessoas estão muito entretidas brigando. Porque será que um mecanismo tão escroto deu tão certo? Porque as pessoas andam cada vez mais frustradas, infelizes e sozinhas. Na vida de uma pessoa saudável, inteira e realizada não há espaço para isso. Não há ganho secundário em se fazer uma coisa dessas. Mas quando você esta infeliz, tem que canalizar toda essa frustração para algum lugar. Sim, gente que faz isso, que se mete em briga agressiva por causa de diversidade de opiniões, me passa um atestado de infeliz.

Mas, como eu sempre digo, o que dita a normalidade em uma sociedade é o comportamento da maioria. E a maioria, vocês sabem, acha bacana agredir quem tem um pensamento diferente. Acha que tem que calar, silenciar a pessoa. Não sabe conviver com a diferença, muito menos tirar dela o que tem de melhor: a possibilidade de acrescer, ainda que discordando. A chance de refletir sobre um novo ponto de vista e tirar aspectos positivos dele que ajudem a aprimorar um ser humano.

Não! Quem pensa diferente de mim é um burro que quer o mal do país, que quer que pobre se foda. Esse é o tom. Quem pensa diferente de mim não pode ser meu amigo, não pode nem conviver harmonicamente comigo, tem que ser meu inimigo. INIMIGO. Uma palavra que eu levo muito a sério. Para alçar uma pessoa à categoria de meu INIMIGO, ela tem que ter uma importância extrema na minha vida. Mas, parece que hoje em dia, as pessoas dão muita importância ao que os outros pensam, mesmo quando eles não tem rosto nem nome, como esta que vos fala.

Pessoas se ofendendo por textos de internet. Um fenômeno fascinante que eu acompanho faz cinco anos bem de perto. Posso dizer que um ano para cá a coisa piorou exponencialmente – e vai piorar mais se o mal não for cortado pela raiz. É indispensável, necessário e salutar que se dê um novo tom à forma de lidar com a discordância. Caso contrário, os próximos quatro anos serão um inferno, com militantes do partido que perdeu infernizando militantes do partido que ganhou.

Se todos nós já estamos de saco bem cheio em apenas algum meses de campanha, imagina como vai ser duro aturar essa realidade bélica como a forma padrão de funcionamento? Não dá, gente. Simplesmente não dá. O brasileiro está cego, raivoso, intolerante. Hora de respirar fundo e dar um passo atrás, porque esse modo de funcionar não está tomando conta apenas da política, mas também das relações interpessoais. Está se espalhando como um câncer pela sociedade.

Chega de intolerância com a diversidade de pensamento. Parece que depois da proibição da intolerância com sexo, raça e cor o brasileiro pegou toda essa intolerância que teve que ser sublimada e ocultada e a transferiu para a diversidade de pensamento. CHEGA. ESTÁ INSUPORTÁVEL.

Para contar sua experiência de intolerância com diversidade, para me acusar de ser PSDB só porque critico o PT ou ainda para me avisar que é tarde demais: sally@desfavor.com


Comments (30)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: