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Um pecado.

Um pecado.

| Desfavor | | 19 comentários em Um pecado.

Até quem não pactua com as baboseiras religiosas deve conhecer os sete pecados capitais: Gula, Avareza, Luxúria, Ira, Inveja, Preguiça e Orgulho. Sally e Somir já tem lugar garantido no inferno, mas não perdem a chance de ganhar mais alguns pontos escolhendo seu pecado predileto. Os impopulares não pecam pela omissão.

Tema de hoje: Qual o seu pecado capital favorito?

SOMIR

Orgulho. Se eu escolhi, esse é o melhor de todos.

Próximo!

O quê? Quer mais? Tudo bem, tudo bem… entendo que deva ser difícil para vocês ficarem sem minha pérolas de sabedoria. Serei magnânimo e dividirei com vocês os motivos pelos quais eu estou correto, como de costume.

Quando se pensa no pecado orgulho, tende-se a ligá-lo automaticamente à arrogância, tal qual meu exemplo inicial. Não nego que o orgulho passa por isso, mas esse pecado tem algo de especial que o torna muito maior e mais relevante que os outros. Enquanto todos os outros lidam basicamente com instintos primais, o pecado do orgulho tenta controlar algo muito mais racional (e consequentemente danoso para a religião).

Gula reprime o consumo exagerado, algo que nossos corpos moldados na escassez estão programados para fazer quando tem a chance. A avareza é a extensão dessa mentalidade de ter tão pouco durante tanto tempo. Luxúria é a demonização do bom e velho impulso sexual humano. Ira e inveja lidam com os instintos de competição incutidos em nós desde o começo dos tempos. Preguiça, oras, preguiça nada mais é do o corpo dizendo para não gastar preciosa energia sem necessidade.

Agora, o orgulho… aqui a coisa muda de figura. Não é mais uma religião tentando reprimir reações instintivas de seus fiéis, é justamente a “cláusula de garantia” colocada ali para garantir que as pessoas só pensem o minimamente suficiente. Controlar impulsos primais gera uma sensação de poder no ser humano que pode gerar pensamento crítico. E disso os velhos de saia se borram de medo.

Todo mundo vai te dizer que orgulho é sinônimo de arrogância. Que significa uma visão de mundo engessada e a incapacidade de aprender com outras pessoas ou mesmo ter noção de sua própria importância no mundo. Oras, fazer você acreditar que não tem capacidade de entender o mundo ao seu redor com algum grau de segurança parece uma boa coisa? O pecado do orgulho é ‘letra miúda’ no contrato onde terceiriza-se a própria habilidade de pensar e tomar decisões.

Negar o orgulho ao ser humano é tolher sua originalidade. Se o suposto antídoto do orgulho é a humildade, começa a ficar claro como isso não passa de ferramenta de controle. Querem te manter confuso e inseguro para que você continue comprando seja lá o que estiverem vendendo. Já falei disso várias vezes: humildade é a qualidade de quem não tem qualidades. Ter orgulho do se é e do que se pensa só é defeito para quem está te controlando!

É arrogância achar que você está certo e todo mundo errado? Darwin era arrogante. É petulância acreditar que pode explicar algo melhor que os outros? Einstein era petulante. É limitante querer fazer tudo do seu jeito? Tesla era limitado.

Toda essa BABOSEIRA usada contra o orgulho não se sustenta quando vemos o que ele nos deu até hoje. Humildade não constrói porra nenhuma, orgulho levanta pirâmides. Não estou dizendo que tudo se justifica pelo orgulho, mas que essa visão bovina de aceitação do status quo é resultado direto da visão completamente distorcida que temos do orgulho.

Tem que acreditar em si mesmo. Tem que achar que pode fazer melhor que todo mundo. Tem que jogar no lixo essa presunção de ignorância infinita enfiada na cabeça do povo por milênios de mentiras contadas por quem quer se manter no poder.

Orgulho nem pecado deveria ser. Porque o orgulho é o único que se auto regula… se você passar do ponto, fica tão separado da realidade que não consegue mais interagir com ela. Todos os outros pecados encontram formas de se perpetuar até a pessoa deixar um corpo doente e/ou quebrado no caminho. O orgulho é uma aposta que se faz consigo mesmo.

Sem contar que orgulho é motivador de grandiosidade. Fazemos as coisas mais impressionantes abastecidos por ele, ou na esperança de conquistá-lo. Desde desenvolver uma tecnologia inovadora até mesmo doar um pão para uma pessoa faminta, fazemos tudo o que nos faz bem como espécie pelo orgulho. O orgulho de ser especial, de ser reconhecido, de ter controlado impulsos e feito a coisa certa.

Não é um mar de rosas, claro. Orgulho pode aparecer na forma de incapacidade de reconhecimento de opiniões e habilidades alheias, mas esse é o “orgulho de tolo”. Inteligência e refinamento transformam qualquer um dos pecados capitais em algo interessante: O Glutão, o Rico, o Hedonista, o Bravo, o Bon-Vivant, o Ambicioso… O que estraga nos pecados capitais é quando gente burra e limitada os exibe.

Não posso esquecer: orgulho é o único pecado sexy. Orgulho atrai. Temos a tendência de querer descobrir do que a pessoa se orgulha tanto. Nem mesmo a luxúria tem tanto poder de atração: o que é especial tem prioridade sobre o que é fácil.

Eu adoro a preguiça, mas ela está numa categoria tão mais simples que o orgulho que nem deveriam disputar. Orgulho é uma das forças de mudança e criatividade em nossa vida, e só é pecado porque é vantajoso para quem manda.

Tenha orgulho. Eu tenho.

Para dizer que não acredita que eu não escolhi a preguiça, para dizer que tem orgulho de discordar de mim, ou mesmo para dizer que vai fazer o mais fácil: somir@desfavor.com

SALLY

Gula, Avareza, Luxúria, Ira, Inveja, Preguiça e Orgulho. Qual é o seu favorito? O meu é a Preguiça, pois além de ser uma delícia, me parece o mais inofensivo dos sete. Se você parar para pensar, no fundo, no fundo, a Preguiça é o melhor deles pois te impede de cometer os outros seis!

Comer em excesso engorda e detona sua saúde. Avareza gera uma vida sem conforto, Luxúria causa filhos e confusão. Ira destrói relacionamentos e até dá cadeia. Inveja limita intelectualmente e Orgulho fecha muitas portas. Claro que a Preguiça tem seu lado ruim, mas para contorná-lo basta deixá-la de lado por alguns instantes. Tem que dar banho no cachorro mas está com preguiça? Bem, você pode enrolar o dia todo e dar banho no final do dia. Você vivenciou sua Preguiça e ainda assim cumpriu sua missão.

O mesmo não pode ser feito com os outros seis. Eles são mais… “irreversíveis”, digamos. Sem contar que a Preguiça pode ser revertida em algo bom para você. Tem que produzir e está esgotado? Permita-se um dia ou um período de preguiça até recarregar as baterias e certamente o trabalho sairá melhor. Preguiça, no meu ponto de vista, é um mal necessário, enquanto os outros seis são desnecessários, não trazem nada de bom como efeito colateral.

A Preguiça tem sua função social. Protelar uma tarefa que você não se sente pronto para executar pode ser, no fim das contas, um ato inteligente. Essa coisa pós-moderna de se obrigar a fazer tudo sempre, a uma execução frenética multitarefada, essa obrigação proativa é sinônimo de violência para mim. Sou do time do ócio criativo, que precisa de momentos de total inutilidade para estar apta a produzir novamente. Mas isso, é claro, só sente quem produz com qualidade. Quem produz com quantidade vai morrer achando que quanto mais fizer melhor e que preguiça é fraqueza.

O que quero dizer é que às vezes protelar é preciso, e nem sempre é uma coisa negativa. Ao contrário dos demais pecados, que me parecem inescusáveis, a preguiça me soa compreensível e produtiva em determinadas situações. Em uma rotina estressante como a que vem sendo imposta à maioria das pessoas, acho muito necessário momentos de preguiça, se não para recuperar a qualidade do rendimento, por total incapacidade de executar tantas tarefas diariamente.

Mas o bonito hoje é fazer mil coisas ao mesmo tempo, prescindindo de qualidade. A Preguiça virou a maior vilã entre os pecados. Outros menos nobres como Avareza, Inveja e Ira muitas vezes são tratados até como qualidades na vida e em um mercado de trabalho canibal e desumano, onde ser um “predador” é mérito. Enquanto isso, a Preguiça, que não faz mal a ninguém exceto ao preguiçoso, virou alvo fácil, sinônimo de falta de ambição, retrato do medíocre. Acho injusto.

Detalhe importante: não confundir Orgulho com amor próprio. Orgulho é o irmão mais novo do Egoísmo, filho da Teimosia com a Arrogância. Ter amor próprio em nada se confunde com o pecado do Orgulho. Claro que em um mundo repleto de pessoas com baixíssima autoestima, que precisam de curtida em rede social para aferirem seu valor, o conceito acaba deturpado e Orgulho chega a ser visto como uma coisa boa, mas na minha opinião, não é.

Orgulho é uma forma de se auto-elitizar, a pessoa se julga melhor, se julga acima do interlocutor. Honestamente, acredito que isso não leve a nada. Não vejo mérito em ser orgulhoso, Orgulho é um sentimento bobo que fecha portas e magoa, não apenas o orgulhoso, como aqueles que o cercam.

Enquanto o orgulho vem sendo exaltado e cada vez mais egoísmo e arrogância se agregam ao seu conceito, a Preguiça vem sendo linchada. O que seria preguiça 50 anos atrás não é o sinônimo de Preguiça hoje. Hoje, nossas atividades “obrigatórias” aumentaram – e muito. Se você não cuida do seu corpo, você é um preguiçoso. Se você não sai para baladar no final de semana, também. Tem que ter uma vida cultural, social, afetiva, profissional e familiar impecável, com tudo em dia, se não… preguiçoso!

Chegamos a um ponto que até quem sente necessidade de dormir aquele mínimo recomendado pelos médicos de oito horas por dia é chamado de preguiçoso. Preguiça não leva mais em conta a capacidade pessoal de cada um e sim o que a sociedade espera de você. Foda-se se você não tem a energia para executar todas as tarefas que esperam de você, você será considerado um preguiçoso.

Dá licença, eu levanto a bandeira pelo sagrado direito à Preguiça, não vou sucumbir a essa pressão social para ser freneticamente multitarefas: boa mãe, boa esposa, boa amante, boa profissional, boa amiga, boa baladeira, boa intelectual, etc. Simplesmente não dá.

Priorizo o que me parece mais importante e pau no cu de quem não gostar das minhas escolhas, felizmente cada vez mais vejo que tem quem goste e admire. Vamos todos nos unir pelo sagrado direito à Preguiça, porque quem pensa que faz tudo na verdade não faz nada bem feito.

Para dizer que esperava de mim a Ira, para tentar se auto-promover de forma vergonhosa ostentando a Luxúria ou ainda para buscar conforto na Gula: sally@desfavor.com


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