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Sem voga.

Sem voga.

| Desfavor | | 26 comentários em Sem voga.

+A Vogue foi muito criticada nas redes sociais pelo conteúdo publicado na Vogue Kids, encartada na edição de setembro da revista, que traz fotos de meninas menores de idade em poses sensuais e, em alguns casos, com pernas abertas.

Quando as pernas abertas são a coisa menos obscena da história toda, temos um desfavor da semana.

SALLY

Vamos começar esclarecendo uma coisa: não concordo mas respeito quem se indignou com esse ensaio. O que eu não respeito é quem se indigna seletivamente com esse ensaio sem ter coerência com suas palavras, apenas porque todos o estão fazendo. Esses “papagaios sociais” eu desprezo.

Se você é contra a “adultização” das crianças, então deve seguir uma linha de raciocínio. Permitir coisas proibidas a menores de idade a uma criança no dia a dia e depois criticar revista é hipocrisia. Deixar criança ter rede social, ver filme ou programa cuja faixa etária seja inadequada (como por exemplo a novela das 9h da Globo) e outras negligências que muitos pais cometem acabam por torná-los hipócritas ao criticar o ensaio da Vogue Kids.

Aliás, se você se preocupa de fato com a cabecinha das crianças, deve estar surpreso e levemente indignado que EXISTA uma versão da revista Vogue só para criança. Isso, por si só, me parece aberrante. Mas, aparentemente há aval social para a existência de uma revista de moda infantil, então, ninguém reflete, ninguém critica, ninguém sente indignação.

Se revistas para adultos já causam severos problemas de autoestima e distúrbios alimentares, imagina o que isso não pode fazer em uma criança? Mas foda-se, decretaram que pode, então pode, não vamos pensar nem questionar, vamos aceitar a opinião pronta.

Ignorando o fato de que se você está preocupado com crianças certamente não achará saudável a mera existência da Vogue Kids, falemos das críticas às fotos. Começa que a imprensa desfocou a cara das crianças nas reportagens sobre o assunto. Mas what the fuck é isso? A cara das crianças está lá, na revista, na banca de jornal, todo mundo já viu! Bastante ridículo.

Os mesmos portais que em um primeiro momento divulgavam ensaios da Vogue (incluindo as fotos da Vogue Kids) passaram a divulgar as mesmas fotos com desfocado na cara e críticas ferrenhas. Tenham vergonha… semana anterior estavam divulgando o ensaio como algo bacana e agora, porque as tochas estão indo naquela direção, mudaram imediatamente de opinião e resolveram bater também?

Sim, exatamente. Resolveram ventar para onde venta o vento. O melhor? Ninguém percebeu que os que sempre divulgavam sorrateiramente apagaram tudo e começaram a criticar o que antes divulgavam, só para acompanhar o linchamento social da vez. Os pais das crianças serão processados e provavelmente hostilizados por outos pais que fazem coisas até piores com seus filhos. Haja saco!

Eu não exporia jamais um filho meu a algo do tipo e SIM, eu critico os pais que o fizeram. Mas não os lincho. Não vou atrás deles infenizar suas vidas, não os processo, não me meto nas suas escolhas. E eu tenho coerência para falar, pois jamais deixaria um filho meu horas na frente da TV ou do tablet para ter um pouco de paz ou deixaria ver a baixaria que é qualquer novela global ou permitiria livre acesso à internet. Já essa massa burra que está caindo de pau na revista…

E, vamos combinar, EROTIZAÇÃO das crianças? Desculpa, mas qual é a mentalidade de quem viu SENSUALIDADE nessas fotos? Bem dodói da cabeça quem olhou para essas imagens e viu algo sensual. Não tem que criticar a revista e sim procurar um psicólogo. Um conceito subjetivo que estão tentando objetivar: “estavam de pernas abertas” ou “tirando a blusa”.

O ponto é: achamos o ensaio recriminável, mas não pelos motivos expostos. Te mostro comercial de fralda onde criança está sentada de pernas abertas ou sem a blusa. O erro vai muito além. Mas é sutil demais para ser percebido. E mesmo que fosse compreendido, ofenderia muita gente, pois é um erro que a maioria dos pais cometem no Brasil: inadequação na criação de seus filhos.

Não pode. Se for apontar e meter o dedo na ferida dos reais motivos da nocividade desse ensaio vão ofender meio mundo: estimular o consumismo infantil, “adultizar” crianças, impor padrões estéticos incompatíveis com o Brasil, etc, etc. Nada novo, nada que os pais já não façam. Tem que revestir o fato de algo mais criticável, para poder vilanizar todos os envolvidos sem precisar olhar para o próprio rabo!

E, em matéria de criança, o Brasileiro Médio faz tanta merda, mas TANTA MERDA, que a única coisa que é consenso como aberrante é uma acusação de cunho sexual, porque todo o resto já fizeram ou fazem. Pode expor criança a cenas de violência em novela, seja como atores mirins, seja como espectadores, pode falar um monte de merda na frente da criança (porque policiar o que se diz não existe nem em ambiente de trabalho), pode TUDO, menos algo de cunho sexual.

Bingo! Então é isso que tem que usar quando se quiser atacar efetivamente algo ou alguém. A indignação que desperta é tanta que as pessoas parecem se esquecer de averiguar bem do que se trata, de refletir, de buscar a coerência da historinha que está sendo contada. Será que todas as pessoas que criticaram a Vogue Kids nunca deixaram a filha dançar funk, dançar É o Tchan, usar roupinhas da Xuxa de Mini-Prostituta?

Este texto não é sobre o mérito da Vogue Kids. Isso nem me interessa debater. Este texto é sobre a falta de coerência de quem critica no piloto-automático e envergonha a si mesmo metendo o pau em algo que faz. Tenho pena dos pais dessas crianças, pois eles erraram sim, mas erraram tanto como qualquer outro pai que, por exemplo, inscreve criança em concurso de Miss Whatever e serão penalizados com uma tremenda fúria social.

A questão de cunho sexual não está relacionada às crianças e sim à coerência, pois é ela que vem sendo sucessivamente estuprada.

Para refletir sobre o que você anda permitindo que seu filho faça e se calar envergonhado, para arrumar uma desculpa auto-perdão/justificar sua permissividade e tratar a Vogue com dois pesos duas medidas ou ainda para começar a se ofender com a palavra “coerência”: sally@desfavor.com

SOMIR

Aparentemente existe apenas uma linha que não se pode cruzar quando falamos de crianças: a da sexualidade. E mesmo assim, desde que essas crianças sejam suficientemente brancas. Mas comecemos pelo básico: Existe uma revista chamada Vogue Kids e isso ainda não era o suficiente para gerar reclamações.

Até quem abomina moda sabe que Vogue é uma marca de peso no mercado. E quem entende um pouco de indústria da aspiração sabe que a ideia de uma revista assim é gerar inadequação em seu público para estimular o consumo de certos produtos e serviços. Nunca vai ter um artigo na Vogue dizendo que o jeito que você se parece está ótimo e vai ser bem aceito por outras pessoas.

Nada contra essa tática baixa e predatória de gerar insegurança, funciona muito bem. Bom, nada contra se as vítimas da indústria da moda forem adultas e vacinadas. Viva a liberdade pessoal! Agora, quando essa bilionária indústria de conformismo volta sua atenção para crianças, é hora de regular um pouco o material. Crianças são programadas para imitar, é apelação demais.

Mas tudo bem enfiar a indústria da aspiração goela abaixo de crianças, faz bem para os negócios! O problema só aparece quando as crianças puras (vulgo as que não são pobres) parecem cruzar a linha divisória para a sexualidade. É aquela velha história de censura indicativa liberar filmes onde crianças podem ver assassinatos, mas garantir que só adultos possam ver um mamilo de fora!

Pode foder criança de todo o jeito, menos o sexual. Ei, eu tenho uma visão bem radical sobre censura, mas compreendo que muita gente não ache uma boa coisa que crianças sejam expostas a conteúdos adultos ficcionais. Que seja. Eu só peço coerência: se não pode brincar de ser adulto numa pose sensual (mais sobre isso a seguir), não pode brincar de adulto sendo cooptada pelo consumismo. Claro, estou ignorando de propósito que sexo é coisa do demônio e você deve doar seu dinheiro para alguma igreja para se ver livre dos males de sua genitália pecadora…

Ridícula a revolta com a suposta sensualidade do ensaio. Se você enxerga sensualidade em criança, o problema está em você. Pode estar com as pernas a quilômetros de distância uma da outra e ainda sim vai ser uma criança, ser com apelo sexual equivalente a um bicho de pelúcia. Claro que também tem coisa errada em quem faz de criança o objeto de um ensaio do tipo, mas não precisa ser necessariamente sexualização precoce. Tem gente que acha “bonitinho” crianças fingindo ser adultas, tratando-as como bonecas vivas.

Aliás, nem se as crianças estivessem peladas – tipo uma Playboy Kids – o problema maior ainda não seria sensualidade (e sim a falta de capacidade de consentir com a exposição). Essa encanação toda com essa parte da história mascara problemas muito mais reais.

Dar chilique com a Vogue por causa de um ensaio desses é reforçar a mentalidade ‘cristã’ de que sexo torna tudo pecaminoso. E é também ignorar o elefante na sala… se fosse mais comportado, tudo bem enfiar marcas de roupas na cabeça de crianças e fazê-las sofrer com inadequação fútil tão cedo assim? Assim fica fácil explorá-las: mantenha-as de pernas fechadas e tudo fica bem!

E, claro, não podemos ignorar que se fossem crianças pobrinhas rebolando ao som de um funk barra pesada, a crítica seria bem menor, não? Acham lindo ver uma menina se esfregando em tudo se ela for marrom o suficiente, mas quando uma criança riquinha posando para a Vogue mostra a barriga demais, estão corrompendo nossa juventude! Indignação seletiva explicitando como para muita gente tenha quem já nasça sem solução.

E mesmo para quem acreditam que pode ser salvo, a preocupação vai até a esquina… não pode tirar foto fingindo ser adulta na revista, mas mandar foto até do útero para estranhos na internet é ‘natural da idade’. E por natural da idade entendam “dá trabalho demais prestar atenção nos meus filhos quando estão conectados”.

Inépcia com certeza não pode ser o problema, já que precisa fazer algo além de reclamar na rede social para resolver. Muito melhor só lembrar de uma revista que já é uma aberração por existir quando pode-se culpá-la pela merda de criação que se está dando para os próprios rebentos. A culpa é da Vogue, que sensualiza crianças! Não é da falta de atenção que tenho com meus filhos.

Num mundo ideal onde não se terceiriza ou mesmo abandona a educação sexual de crianças, a Vogue Kids só chamaria atenção por expor padrões de consumo baseados em insegurança pessoal. No meu mundo ideal quem compra a revista na versão adulta perderia direito a voto, então é melhor nem nos estendermos demais nisso.

De qualquer forma, o assunto é polêmico e eu entendo isso. Mas que pelo menos seja polêmico pelos motivos certos.

Vogue… Kids… táqueu!

Para dizer que quando a Sally fala parece certo, mas quando um homem fala parece safadeza; para reclamar que é seu sagrado direito confundir seus filhos, ou mesmo para dizer que tem medo de quantas edições a Playboy Kids venderia: somir@desfavor.com


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